Acórdão nº 1990/07.8TBAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Janeiro de 2015
Magistrado Responsável | MARIA DOMINGAS SIM |
Data da Resolução | 27 de Janeiro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Relatório A...
, residente na (...), lugar e freguesia de (...), concelho de Águeda, instaurou acção declarativa constitutiva, a seguir a forma ordinária do processo comum, contra: 1) B..., Lda., com sede no lugar e freguesia de (...), Águeda; 2) C...e mulher, D...
, residentes no lugar de (...), freguesia de (...), Águeda; 3) E... e mulher, F...
, residentes na (...), lugar e freguesia de (...), concelho de Anadia, 4) G...
, casado, residente na (...)., freguesia de (...), concelho do Porto; 5) H... e mulher, I...
, residentes na (...), em Coimbra; 6) J...
, residente no lugar de (...), freguesia de (...), Águeda, e 7) L...
, advogado, com domicílio profissional na (...), Águeda, pedindo a final que, na procedência da acção: “a) fosse declarada nula e ineficaz em relação à ré sociedade e ainda em relação ao sócio autor, a cessão da quota de valor nominal de €134 665,43 com que o sócio E... participa no capital social da mesma sociedade, cessão feita pelo referido sócio e mulher, F..., ao sócio C..., aqui demandado em segundo lugar, e que se encontra registada na Conservatória do Registo Comercial de Águeda sob a menção Dep. 104/2007-03-29, ordenando-se o cancelamento deste registo; b) fosse declarado nulo e ineficaz em relação à sociedade ré, e também pelo menos em relação ao sócio aqui autor, qualquer acto posterior de cessão da quota referida em a) e/ou da sua divisão e subsequente transmissão das quotas daí resultantes feitas pelo mesmo sócio C... e mulher a favor de seus filhos, os também RR H... e J..., actos a que se reportam as menções Dep. 105/2007-03-29 e Dep. 106/2007-03-29, ordenando-se o cancelamento destes registos; c) fossem os RR condenados a reconhecerem a validade e eficácia absoluta, em relação a todos eles, aos restantes sócios e a terceiros, da cessão da aludida quota, pertencente a E..., a favor de M...
, cessão na qual interveio o autor na qualidade de mandatário do cedente e da sua mulher, os ora 3.ºs RR, fazendo uso de procuração irrevogável por estes outorgada, acto registado na mesma Conservatória do Registo Comercial de Águeda sob a menção Dep. 133/2007-05-15, registo cuja validade e eficácia deve ser declarada; d) serem todos os RR solidariamente condenados a pagar ao autor a indemnização compensatória de todos os danos, de natureza patrimonial e não patrimonial, sofridos em consequência dos actos por eles praticados, em montante a apurar e liquidar em execução de sentença”.
Em fundamento alegou, em síntese, que a ora 1.ª ré sociedade B..., Lda, foi constituída por escritura pública outorgada em 7 de Julho de 1995, com o capital social de trinta milhões de escudos. Fruto do aumento de capital e sua redenominação para euros, bem como da admissão de novos sócios, o capital social, actualmente fixado em € 1 077 403,46, até início de 2004, data em que os sócios Q...e R... cederam as suas quotas, encontrava-se dividido do seguinte modo: - seis quotas no valor de €134 665,43 cada, tituladas pelos sócios A..., aqui autor; E..., 3.º réu; G..., demandado em 4.º lugar; V...; N...
; e T...; - três quotas no valor de € 67 377,72 cada, tituladas pelos sócios C..., ora 2.º réu, Q... e R...; - duas quotas no valor de € 33 668.87 cada, pertencendo uma ao sócio H... e a outra ao sócio J..., os aqui 5.º e 6.º réus.
Mais alegou resultar evidente da aludida repartição do capital social a preocupação de equilibrar as participações de cada sócio ou grupo de sócios -casos dos irmãos Q... e R... e dos RR C..., H... e J..., estes respectivamente pai e filhos- equilíbrio que a cláusula 5.ª do pacto social visou salvaguardar, fazendo depender a cessão de quotas entre sócios da autorização da sociedade (cf. o seu ponto 3).
Sucede, porém, que por escritura celebrada em 4/4/2002, o sócio E... e mulher, F..., cederam a quota de que o primeiro era titular na sociedade B..., Lda. ao também sócio C.... Este, por seu turno, procedeu à divisão em partes iguais da quota que adquirira ao referido casal, cedendo posteriormente cada uma das quotas assim obtidas aos RR seus filhos H... e J.... Tais actos, não autorizados pela ré sociedade, só posteriormente chegaram ao conhecimento do aqui autor e dos então sócios Q... e R....
Dada a ilegalidade da referida cessão, o autor, acompanhado dos identificados sócios, intentou uma acção, que correu termos no Tribunal Judicial de Águeda, pedindo que a aludida transmissão e qualquer acto posterior a ela fossem declarados nulos e ineficazes em relação à sociedade e aos ali demandantes, com o cancelamento dos correspondentes registos.
Por sentença proferida em 9/12/2003, posteriormente confirmada por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, transitado em julgado em 20/7/2006, foi declarada ineficaz em relação ao autor e à sociedade ora ré a referida cessão de quotas, bem como qualquer acto de transmissão e/ou divisão das mesmas, tendo sido ordenado o cancelamento dos registos efectuados na competente conservatória, mantendo-se deste modo, e por força da aludida decisão, na titularidade do sócio E... a participação social no valor de € 134 664,43.
Sucede que por procuração outorgada em 7 de Julho de 1995, os RR E... e mulher haviam constituído o A. e sua esposa seus procuradores bastantes, concedendo-lhes poderes para, em conjunto ou separadamente, cederem, pelo preço e condições que entendessem, a quota de que o réu marido era titular na sociedade.
Tendo surgido, após o trânsito em julgado da referida decisão, uma oportunidade de cedência da quota, deu o autor cumprimento ao estatuído no contrato social, solicitando a convocação de uma assembleia-geral tendo em vista obter da sociedade ré a necessária autorização para a cedência a terceiros, caso nem aquela nem os demais sócios estivessem interessados em exercer o direito de preferência que no mesmo contrato lhes é atribuído. À carta enviada com a referida solicitação respondeu a ré sociedade decorridos 41 dias, tendo comunicado, em missiva datada de 23 de Abril de 2007, que a participação pretendida ceder já não se encontrava na titularidade do sócio E....
Decorridos 60 dias sem que a sociedade procedesse à pedida convocatória, o autor, na qualidade de procurador do sócio E... e mulher, cedeu a M... a quota de que o cedente marido era titular na sociedade ré, acto formalizado por escritura pública outorgada no dia 15 de Maio de 2007. E só na sequência do pedido de registo do acto em causa é que veio a tomar conhecimento da existência da menção correspondente ao Dep. 104/2007-03-29, referente à “transmissão de quota de E... para C...” e de duas outras menções -resultantes dos Dep. 105/2007-03-29 e 106/2007-03-29- atinentes à divisão da quota adquirida em duas, no valor de € 67 337,72 cada, e sua subsequente cessão aos sócios H... e J....
A cedência da quota original, bem como as suas subsequentes divisão e cedência aos filhos do cessionário, os aqui RR H... e J..., desconhecendo embora o demandante os termos dos negócios em causa, posto que a inscrição registral se efectua por mero depósito, continuam a ser nulas e ineficazes em relação à sociedade e também ao sócio aqui autor, porque não consentidos, sendo certo que não foi dada aos sócios não cedentes a faculdade de participarem da cessão, direito estatutariamente consagrado. Daí que deva ser declarada a sua nulidade e ineficácia em relação à ré sociedade e ao aqui autor, conforme peticiona.
Subsidiariamente, invocando ter sofridos danos em razão das descritas condutas culposas dos RR -prejuízos decorrentes dos encargos que diz ter suportado para “solidificar a cessão” entretanto realizada, e também danos de natureza não patrimonial, estes devido “às agruras e afronta à sua honra que o registo requerido na Conservatória lhe causou”-, reclamou o seu ressarcimento em montante a liquidar, aqui justificando a demanda do 7.º réu, Dr. L..., pela circunstância de ter sido o Il. Causídico responsável pela realização do registo, bem sabendo que o mesmo era incorrecto, uma vez que havia tido intervenção na precedente acção.
* Citados, contestaram os réus C..., D..., E..., F..., G..., H..., I... e J... em peça única na qual, defendendo-se por excepção, arguiram o caso julgado, invocando ser a presente acção mera repetição da que correu termos no TJ da Anadia sob o n.º 17/03.3TBAGD.
Em sede de impugnação, alegaram que os actos transmissivos da quota titulada pelo sócio A E..., tendo embora sido declarados ineficazes, não sofriam de qualquer vício que os invalidasse, razão pela qual, apesar de peticionada pelo autor, não foi naquela acção declarada a respectiva nulidade. Sendo válidas as transmissões e conhecidas da sociedade ré, a quem haviam sido comunicadas, e também dos sócios, nada tendo aquela deliberado após o trânsito em julgado do acórdão do STJ, ocorrido em 20/7/2006, sobre o pedido antes apresentado, a eficácia da cessão deixou de estar na dependência do consentimento da sociedade como estatuído no n.º 4 do art.º 230.º do CSC. Mais alegaram que, ainda a não ter existido tal comunicação, uma vez que a sociedade tomou conhecimento das referidas transmissões, as quais foram objecto de discussão e deliberação em sede de assembleia-geral, tal equivale ao seu reconhecimento.
Por outro lado, a ser entendido que a sociedade ré recusou o seu consentimento, uma vez que a recusa não se fez acompanhar da proposta de amortização ou aquisição imposta por lei, a cessão tornou-se livre. E tornada livre a cessão por uma ou outra das referidas vias, podiam os transmissários levar a registo os actos de transmissão, conforme fizeram.
Alegaram finalmente que, sendo válidas e eficazes as referidas transmissões, a posterior cedência da quota nos termos do negócio celebrado entre o autor, como procurador do sócio A E..., e o cessionário M..., configura uma venda de coisa alheia, devendo por isso ser declarada nula, ordenando-se o cancelamento do respectivo registo, pretensões que formularam em via reconvencional.
* Contestação em tudo idêntica ofereceu a ré sociedade, pedindo a final, em...
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