Acórdão nº 348/13.4GBCLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelIN
Data da Resolução28 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra No processo supra identificado, foi o arguido A...

, solteiro, nascido a 17/09/1966, em Bombarral, filho de (...) e de (...), empresário, residente na Rua (...) Óbidos, julgado pela prática de um crime de furto p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do CP.

A demandante, Herança Aberta por Óbito de B...

, representada pela cabeça de casal, C...

, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), correspondente ao valor da madeira que o arguido alegadamente lhe furtou.

Tendo sido realizada perícia para determinação da quantidade e qualidade dos eucaliptos que terão sido cortados pelo arguido, veio a demandante civil a reduzir o pedido cível para a quantia de € 3.637,31.

O arguido foi absolvido do crime que lhe era imputado e condenado no pedido de indemnização cível, de € 3.637,31(três mil, seiscentos e trinta e sete euros e trinta e um cêntimos), com base no enriquecimento sem causa.

* Da sentença interpôs recurso o arguido, pugnando pela revogação da mesma e consequente ser absolvido do pedido cível, não podendo ser condenado por enriquecimento sem causa e alegando ainda existir nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, ao condená-lo em dano futuro, cujo fundamento não constava do pedido formulado.

Formula as seguintes conclusões: I - No caso em apreço, o arguido foi absolvido do crime de furto por que vinha acusado, por o Tribunal a quo ter considerado, e bem, não estar verificado o elemento subjectivo do tipo de crime tendo, consequentemente, considerado o pedido de indemnização civil deduzido pela queixosa improcedente, por não provado.

II - No entanto, proferiu Sentença a condenar o demandado/arguido a pagar à demandante/queixosa a quantia de € 3.637,31 (três mil seiscentos e trinta e sete euros e trinta e um cêntimos), a título de Enriquecimento Sem Causa.

III - Ao decidir desta forma, o Tribunal a quo não teve em consideração que tal Instituto não serviu de fundamento pela demandante para dedução do Pedido de Indemnização Civil, nem tão pouco que este Instituto nunca foi alegado pela mesma em alguma fase do processo, extravasando desta forma os poderes jurisdicionais que lhe foram atribuídos.

IV - Assim mesmo tem entendido a melhor Doutrina e Jurisprudência, conforme Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-03-2013, disponível in www.dgsipt, que refere que "Constitui nulidade processual, nos termos do Art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, a sentença que, conhecendo de questão que não lhe fora suscitada, considerou que o direito da Autora resultava do disposto no Art. 473.º, do CC, ou seja, no instituto do enriquecimento sem causa, porquanto a Autora não invocou na petição inicial o enriquecimento sem causa".

V - Salientando ainda que "Revela-se pacífico na jurisprudência o entendimento de que o enriquecimento sem causa não é susceptível de conhecimento ex oficio [A título meramente exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 23-05-1985, proferido no Processo n.º 072389, também acessível no site da DGSI], como se ilustra com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.10.1998", disponível in www.dgsi.pt, o qual refere expressamente que «O enriquecimento sem causa não é de conhecimento oficioso, tendo que ser oportunamente invocado pelo interessado no articulado respectivo».

VI - Deste modo, e uma vez que o Instituto do Enriquecimento Sem Causa não é do conhecimento oficioso, a Douta Sentença padece de nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no art. 379.°, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, e no art. 668.°, do Código de Processo Civil, na alínea d) do n.º 1, actual art. 615.° do NCPC: “A sentença é nula quando o tribunal (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

VII - Por outro lado, e relativamente aos pressupostos da aplicação do Instituto do Enriquecimento Sem Causa, dispõe o art. 473.°, n.º 1, do Código Civil que "Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou".

VIII - Ora, na presente situação, o Tribunal a quo deu como provado que "(…) foi possível concluir que o arguido, em face das negociações que manteve com vista à aquisição do imóvel onde se encontravam implantados os eucaliptos a que respeitam os autos, e perante a autorização daquela que se lhe apresentou como sendo a herdeira a quem caberia o dito imóvel em partilhas e com a qual negociou a respectiva aquisição, formou a convicção de que a transmissão da propriedade do imóvel estaria iminente e que se mostrava legitimado a proceder ao corte das árvores".

IX - Ou seja, dúvidas não restam que entre a demandante e o demandado foi celebrado um contrato verbal de compra e venda, que à data ainda não se tinha formalizado apenas, e tão só, porque as partes estavam a aguardar a recolha de toda documentação necessária para a realização da respectiva escritura de compra e venda, existindo assim uma causa justificativa para a deslocação patrimonial em causa.

X - d mesmo entendimento é perfilhado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 29-05-2014, disponível in www.dgsi.pt, ao referir que "…a causa do enriquecimento sempre emergiria do contrato celebrado, do qual resultam os deveres de prestação das partes, não podendo falar-se de inexistência de causa justificativa para prestação contratual realizada".

XI - Deste modo, e mesmo partindo do princípio errado que o Instituto do Enriquecimento Sem Causa poderia ser do conhecimento oficioso, o mesmo nunca poderia ser aplicado no caso subjudice porquanto, e salvo melhor entendimento, não estão preenchidos todos os seus pressupostos.

XII - Finalmente, o art. 615.°, n.º 1, alínea e) do NCPC, anterior art. 668.°, n.º 1, alínea e), estabelece que o Tribunal não pode condenar em quantidade superior ao peticionado, no entanto, e salvo o devido respeito, tal principio não foi tido em consideração na Douta Sentença.

XIII - Ora, pela queixosa foi deduzido Pedido de Indemnização Civil, peticionando, a título de danos patrimoniais, o montante de € 15.000,00 (quinze mil euros) referente ao valor dos eucaliptos à data do corte, acrescido de juros vincendos até integral pagamento, o qual foi reduzido para a quantia de € 3.637,31 (três mil seiscentos e trinta e sete euros e trinta e um cêntimos) após realização de perícia.

XIV - De acordo com a perícia realizada, o montante de € 3.637,31 (três mil seiscentos e trinta e sete euros e trinta e um cêntimos) refere-se ao valor que a madeira teria na data aconselhável para o corte (2019), e não na data efectiva do mesmo (Abril de 2013), o qual ascendia a €1.649,88 (mil seiscentos e quarenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos).

XV - Deste modo, tendo apenas sido peticionado, pela demandante, o montante referente ao valor dos eucaliptos à data do corte, e não os lucros cessantes, não poderia o Tribunal, salvo o devido respeito, condenar o arguido ao pagamento do valor que a madeira teria na data aconselhável para o corte.

XVI - Pelo que se considera que a Douta Sentença padece de nulidade ao abrigo do disposto no art. 615.°, n.º 1, alínea e) do NCPC, anterior art. 668.°, n.º 1 alínea e).

* A herança aberta por óbito de B..., demandante cível afectada pelo recurso, exerceu o direito de resposta ao abrigo do disposto no art. 413.º, do CPP, sustentando que deve negar-se provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a sentença recorrida, aderindo aos fundamentos dela constantes.

Nesta instância, os autos tiveram visto do Ex. mo Senhor Procurador-geral Adjunto.

* Cumprido que foi o disposto no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, foram colhidos os vistos legais, pelo que cumpre decidir.

Vejamos a factualidade, com interesse para a apreciação das questões suscitadas no recurso que consta dos autos e respectiva motivação.

Factos provados «1.

No mês de Abril de 2013, em data que não se pôde precisar, o arguido dirigiu-se ao prédio rústico denominado “Vale do Junco” sito em Vidais, Caldas da Rainha.

  1. Tal prédio fazia parte da herança de B..., sendo que C... e D... eram os seus únicos herdeiros.

  2. Ali chegado, o arguido procedeu ao corte dos eucaliptos que ali se encontravam plantados.

  3. Aos referidos eucaliptos foi atribuído pelos proprietários o valor de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros).

  4. C... era a cabeça de casal da herança aberta por óbito de B....

  5. O valor da madeira retirado do imóvel identificado em 1., em Abril de 2013 era de € 1.649,88.

  6. O valor daquela madeira à data aconselhável de corte, no ano de 2019, era de € 3.637,31.

  7. Em data que não se pode precisar mas situada entre Janeiro e Abril de 2013, o arguido foi autorizado por E..., a proceder ao corte dos eucaliptos existentes no imóvel identificado em 1.

(…)».

* Factos não provados «

  1. Que o arguido tenha procedido ao corte dos eucaliptos existentes no terreno identificado em 1., sem autorização dos proprietários.

  2. Que fossem cerca de 7.500 (sete mil e quinhentos) os eucaliptos que o arguido cortou.

  3. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que os eucaliptos que cortou e fez seus, não lhe pertenciam, e que agia contra a vontade dos seus proprietários.

    Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  4. Que os proprietários não tenham dado autorização para o corte dos eucaliptos.

  5. Que os referidos eucaliptos tinham o valor de € 15.000,00.

  6. Que em consequência do comportamento do demandado descrito em 3. a demandante teve um prejuízo patrimonial de € 15.000,00».

    * Motivação O Tribunal atendeu desde logo ao teor das declarações prestadas pelo arguido cuja versão dos factos difere da acusação sobretudo quanto à falta de autorização para proceder ao corte dos eucaliptos em causa nos autos.

    Na verdade, o arguido confirmou ao Tribunal ter sido o autor do corte dos eucaliptos a que respeitam os autos, o que referiu...

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