Acórdão nº 14/12.8GBAGN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelOLGA MAUR
Data da Resolução14 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos foi o arguido A... condenado pela prática de quatro crimes de falsificação de documento, dos art. 255º, al. a), e 256º, nº 1, al. d) e e), do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, por cada um dos crimes.

Feito o cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 300 dias de multa, à mesma taxa diária.

O arguido foi, também, condenado a pagar ao demandante a quantia de 2.734,00 € a título de danos patrimoniais e a quantia de 500,00 € a título de danos não patrimoniais.

  1. Inconformado, o arguido recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões: «A) A conduta praticada pelo recorrente, dada como provada na douta sentença recorrida, não se subsume ao crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256° do Código Penal; B) Isto porque, os escritos entregues aos Bancos sacados com a revogação por justa causa, com base em extravio, dos cheques que o recorrente entregou ao ofendido, para pagamento de uma dívida da sociedade da qual é gerente, visando, assim, impedir o pagamento das quantias tituladas nesses cheques, não integra o crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256º do Código Penal; C) O tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão previsto no artigo 11º, nº 1, b), do Decreto Lei nº 454/91, de 28/12, integra claramente a falsa declaração de falta ou vício na formação da vontade, já que o sacador, ao fazê-la, visa obstar ao pagamento do cheque e com ela proíbe o pagamento do mesmo; D) Logo, o fundamento utilizado para a revogação do cheque e incorporado na referida declaração entregue ao banco sacado não se projecta como um facto autónomo juridicamente relevante para efeitos de preenchimento do elemento objectivo do tipo legal do crime de falsificação previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 256º do Código Penal; E) Não se verificando, assim, um dos elementos típicos insertos no artigo 256º do Código Penal, a factualidade indiciada não integra o crime de falsificação de documento; F) Toda a questão deve antes, apenas e tão-só, ser equacionada à luz do tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão previsto no citado artigo 11º; G) A falsa comunicação à instituição de crédito sacada do extravio do cheque ou da existência de falta ou vício na formação da vontade, efectuada com o propósito de assim obstar ao pagamento deste, não é mais do que um comportamento que se traduz em deixar a conta sacada sem provisão uma vez que o não pagamento por falta de provisão verifica-se não só quando aquela conta não tem, efectivamente, provisão - total ou parcial - (falta real de provisão), como quando, por razões ligadas à estrutura funcional das instituições de crédito, não apresenta um saldo livre susceptível de ser movimentado (falta de provisão contabilística), enquadrando-se todas estas realidades num conceito amplo de falta de provisão e a formulação da falsa comunicação enquadra-se no conjunto das actividades destinadas a colocar sem provisão contabilística a conta sacada; H) Significa que a mentirosa comunicação à instituição sacada, daquela falta ou vício da formação na vontade ou de extravio ou furto do cheque, faz hoje parte da incriminação do cheque sem provisão, desde que verificados os demais elementos constitutivos.

    I) Assim sendo, o sacador cometerá tão-só o crime de emissão de cheque sem provisão, previsto no art. 11º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei nº 454/91, dado que proíbe injustificadamente o pagamento do cheque, desde que verificados todos os restantes elementos constitutivos do tipo de ilícito e condição objectiva de punibilidade; J) Pelo que, mesmo que exista proibição injustificada mas não se verifiquem todos os restantes elementos constitutivos do tipo de ilícito e condição objectiva de punibilidade, a conduta do sacador não preencherá qualquer outro ilícito criminal; K) Perante um cenário de afastamento desse crime de emissão de cheque sem provisão, a integrar ainda essa conduta no crime de falsificação de documento, tal possibilidade, a ser admitida, afrontaria, de forma grosseira, os princípios da especialidade e do ne bis in idem, porquanto é a referida alínea b) do nº 1 do art. 11º, que de forma mais específica, prevê a conduta do arguido.

    L) Acresce que para além disso a prestação da falsa declaração de falta ou vício na formação da vontade ou extravio ou furto destina-se a produzir efeitos no próprio cheque, pois revoga a ordem de pagamento consubstanciada na proibição do pagamento do cheque.

    M) Conclui-se que da prova produzida nos autos não resultam indícios suficientes da prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256°, nº 1, b), do Código Penal, por parte do arguido e, como tal, devia ter sido absolvido; N) Desta forma, entende o ora recorrente que a douta sentença recorrida, que o condenou pelo crime de falsificação de documentos, violou as disposições constantes nos artigos 256º, nº 1, b), do Código Penal, e 308º nº 1 do Código de Processo Penal.

    O) Para a determinação da medida da pena o tribunal terá que ponderar o passado criminal do agente; o valor da acção e o resultado, o valor dos bens em causa, o dano causado, a manutenção de conduta posterior lícita, a culpa do agente e as exigências da prevenção de futuros crimes, por aplicação dos critérios enunciados na alínea a) do nº 1 do art. 69º e no art. 70º e 71º, todos do Código penal.

    P) Mais, terá de atender às condições pessoais do agente e à sua situação económica.

    Q) Ora, conforme ficou provado em sede de audiência de julgamento, o arguido aufere apenas mensalmente a quantia de € 400,00 líquidos, sendo a casa de habitação onde habita propriedade de uma das suas filhas, tendo o recorrente já requerido a sua insolvência pessoal por não conseguir sequer liquidar e fazer face às despesas que tem, nomeadamente com empréstimos que contraiu; R) Não tem quaisquer bens, incluindo veículos automóveis, sendo aquele em que se faz transportar propriedade da sua mãe; S) No Acórdão do STJ de 2 de Outubro de 1997, o Acs. do STJ, V, tomo 3, 183, pode ler-se: "o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado, sem o entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar”.

    T) Ora, no caso em apreço, e dadas as débeis condições económicas do arguido, entende este, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que houve violação dos artigos 47º e 71º do Código Penal, por incorrecta interpretação dos mesmos, pois a pena de multa deveria ter sido adequada à situação económico-financeira do arguido, bem como às suas condições pessoais e as todas as circunstâncias atenuantes acima mencionadas.

    U) Da análise da douta sentença recorrida, resulta ainda não existir qualquer "exposição, dos motivos, de facto e de direito," que fundamentem a decisão do tribunal, isto porque, das declarações do arguido e ora recorrente, em momento algum este referiu ao tribunal que "(...) mas como o arguido não autorizou a sua irmã a realizar essa compra o arguido decidiu ''dar os cheques como extraviados" V) Da mesma forma que nunca e em momento algum das suas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento no âmbito dos presentes autos, o arguido referiu que ''mais esclareceu que sabia que os cheques constantes dos autos eram para pagar a factura emitida pelo ofendido B... e diziam respeito ao pagamento de calçado desportivo (ténis)(….)": W) Foi com base nestes factos, designadamente e conforme consta da motivação da douta sentença recorrida, que a Mmª Juiz a quo concluiu que "(...) o arguido ao declarar que os cheques a que se reportam os autos foram extraviados, o arguido sabia perfeitamente que os cheques se destinavam a pagar a mercadoria adquirida ao ofendido B..., tendo assim o arguido a intenção de não pagar a sobredita mercadoria, obtendo para a sociedade que o mesmo representava um benefício económico e as mesmo tempo um prejuízo para o ofendido B...." X) Significa isto que todos os actos decisórios em direito processual penal, de acordo com o disposto no artigo supra referido, devem respeitar o princípio da fundamentação e, quando tal não se verifique, constitui a nulidade relativa especial prevista no art. 379º, al. a), com o regime fixado nos art. 121º e 122º, todos do CPP.

    V) Nessa medida, é do teor e conclusão da sentença de que se recorre, por se entender que a mesma viola a lei e coarcta os direitos fundamentais de defesa do ora recorrente, porquanto, assenta a convicção da Mmª Juiz a quo em factos que não ficaram provados, muito menos através das declarações do arguido e ora recorrente.

    Z) Inexiste portanto suporta factual, prova quanto à acusação, que leva à falta de fundamentação legal e factual quanto à decisão de que ora se recorre.

    AA) Todos os actos decisórios em direito processual penal, de acordo com o disposto no art. supra referido, devem respeitar o princípio da fundamentação e, quando tal não se verifique, constitui a nulidade relativa especial prevista no art0 379º, al. a), com o regime fixado nos art. 121º e 122, todos do CPP; BB) Da análise à douta sentença proferida e de que ora se recorre, para além das irregularidades supra apontadas, resulta que esta padece ainda do vício da nulidade por partir da premissa errada de que foram prestadas declarações pelo arguido, que na realidade não o foram nos termos constantes da douta sentença proferida; CC) Pelo que, nunca poderiam, pelo menos com base e fundamentando tal decisão nas declarações do arguido, terem sido dados como provados os factos constantes nos artigos 4º, 5º, 6º, 7º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 19º, 20º a 25º, porquanto, em momento algum o arguido referiu ter negociado o quer que seja com o ofendido, da mesma forma que esclareceu que tal negócio foi realizado entre a sua...

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