Acórdão nº 903/11.7TBFND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução10 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo n.º 903/11.7TBFND.C1 Documentos de fls. 166 a 233: Nada tendo a ver com os presentes autos, tendo a sua junção ficado a dever-se a manifesto lapso da autora, conforme deu conta ao Tribunal através do seu requerimento de fls. 235 (cf. ainda fls. 348), desentranhe e restitua à apresentante.

* I – Relatório Caixa A...

, c.r.l., com sede na Rua (...) , no Fundão, instaurou acção declarativa constitutiva contra B...

e mulher, C...

, residentes na (...) , Fundão, e D...

, solteiro, maior, a residir na Travessa (...) Fundão, pedindo a final que, na procedência da acção, fosse decretada a ineficácia em relação à autora da doação efectuada pelos primeiros ao segundo réu, tendo por objecto o imóvel identificado na escritura outorgada no dia 4 de Janeiro de 2007, devendo ser ordenada ao réu adquirente a restituição do aludido bem, de modo a que a autora se possa fazer pagar à custa do mesmo ou, no caso de o haver alienado, a restituição do respectivo valor.

Em petição inicial aperfeiçoada alegou, em síntese, que no desenvolvimento da sua actividade bancária, concedeu aos 1.ºs RR, em 20/3/2008 e 23/4/2009, empréstimos nos valores de, respectivamente, €38 500,00 e €71 000,00, ambos vencidos no ano de 2010, encontrando-se em dívida os montantes de €19 627,75 no que respeita ao primeiro e € 82 903,26 atinente ao segundo, pendendo acções executivas tendentes à cobrança coerciva das referidas quantias.

Os mesmos RR, na qualidade de sócios-gerentes, avalizaram livranças titulando empréstimos concedidos às sociedades E...

, Lda., e F...

, Lda., nos montantes de €40 300,00 e €314 000,00 os concedidos à primeira, e €354 000,00 o contraído pela segunda, igualmente vencidos no ano de 2010, encontrando-se igualmente pendentes acções executivas tendo em vista a cobrança coercitiva dos montantes em dívida.

Mais alegou que os discriminados empréstimos se destinaram ao pagamento de outros anteriormente contraídos, os quais identificou, contratos todos eles celebrados em data anterior ao ano de 2007, de modo que aqueles não se traduziram na disponibilização efectiva de quaisquer quantias mas antes na reformulação de dívidas já vencidas.

Sendo deste modo os 1.ºs RR devedores à demandante do montante global de €931 402,46, fizeram doação ao 2.º réu, seu filho, do imóvel identificado em escritura outorgada em 4/1/2007 -no qual residiam e onde, aliás, continuaram a residir após a celebração do dito negócio- assim alienando aquele que era o mais valioso dos bens que integravam o seu património. Actuaram os devedores com a clara intenção de obstar a que a autora pudesse satisfazer efectiva e integralmente o seu crédito, resultado que se veio a verificar, uma vez que os bens que integram o seu património, em razão dos ónus que sobre os mesmos incidem, não chegam para garantir nem metade do montante global em dívida, com o que se acham reunidos os requisitos da impugnação pauliana.

* Regularmente citados, contestaram todos os RR em peça única, na qual contrariaram o alegado pela autora quanto à circunstância dos empréstimos aqui em causa terem resultado, todos eles, da reestruturação e consolidação da dívida proveniente de outros contratos de mútuo anteriormente celebrados. Por assim ser, tendo o negócio objecto de impugnação sido celebrado em data muito anterior, falece um dos requisitos exigidos pela lei, precisamente o da anterioridade do crédito.

Mais impugnaram o montante que pela autora foi indicado como estando em dívida, tendo ainda invocado a existência, no património da devedora F..., Lda., de bens imóveis em montante mais do que suficiente para assegurar o pagamento das responsabilidades por esta assumidas perante a demandante.

Alegaram finalmente que por sentença proferida no âmbito do processo 278/10.1 TBFND, transitada em julgado em 14/10/2010, foi declarada a insolvência da devedora E..., Lda., ali tendo a autora reclamado créditos no valor global de € 367 257,93, nele se incluindo o montante de €314 000,00 titulado pela livrança avalizada pelos primeiros RR. Tendo tal crédito sido reconhecido e graduado pelo Tribunal como crédito privilegiado, defenderam não lhes poder ser imputada a responsabilidade pelo seu pagamento, posto que garantido por hipoteca incidente sobre o imóvel onde a insolvente tinha a sua sede social e instalações fabris.

Finalmente aduziram que sendo o valor do imóvel doado manifestamente irrelevante para os efeitos pretendidos pela autora, sempre a acção, em seu entender, teria que improceder.

A autora replicou, mantendo o alegado.

* Dispensada a realização da audiência preliminar, prosseguiram os autos com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peça a que veio a ser aditado no decurso da audiência de julgamento, por nisso terem as partes acordado, um novo artigo, a par da alteração da redacção do art.º 17.º, na qual igualmente acordaram, conforme consignado nas actas que fazem fls. 528 a 532 e 784 a 786 dos autos.

Teve lugar audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo que da acta consta, em cujo termo veio a ser proferida sentença que, na improcedência da acção, absolveu os RR do pedido.

Inconformada, apelou a autora e, tendo apresentado as necessárias alegações, rematou-as com as seguintes conclusões: “1.ª A MM Juiz “a quo” errou na valoração que deu à prova testemunhal produzida sobre o quesito 16.º da base instrutória.

  1. De facto, dos dois únicos depoimentos relativos ao referido quesito só poderá resultar um julgamento de provado; 3.ª Atendendo a que um deles assim o considerou e o segundo considerou num primeiro momento que haveria um prédio de igual valor, mas quando referida a existência duma hipoteca, referiu que esta lhe retirava valor.

  2. A MM Juiz “a quo” errou ainda ao considerar provado, principalmente como o fez, o quesito 17.º da base instrutório.

  3. De facto, nunca a MM Juiz a quo poderia considerar provado que na data da doação impugnada nos presentes autos os 1.ºs RR possuíam património imobiliário onerado com garantias para assegurar o pagamento das suas responsabilidades.

  4. Isto porque simplesmente os 1ºs RR nada alegaram a esse respeito.

  5. Mas nem tão pouco poderia considerar provado que a empresa F... Lda. possuía património imobiliário onerado com garantias para assegurar o pagamento das suas responsabilidades.

  6. Atendendo a que nenhum depoimento foi prestado quanto a esta matéria que fosse suficientemente claro ou sólido para dele retirar tal certeza.

  7. E depois porque estamos perante matéria apenas susceptível de ser provada com documentos – certidões de registo predial, avaliações e outras.

  8. Errou ainda a MM Juiz a quo ao fundamentar a douta sentença ora recorrida em dois factos: 11.ª Porque a Autora e aqui Recorrente não provou que do acto impugnado resultou a impossibilidade total ou parcial da Autora satisfazer o seu crédito, nem provou que os 1ºs RR agiram com o intuito de impedir a Autora de satisfazer o seu crédito.

  9. A aqui recorrente entende que não teria que provar nenhum deles.

  10. Primeiro porque a prova da existência do crédito e da sua anterioridade relativamente à doação faz presumir que do acto resulta a impossibilidade total ou parcial da Autora satisfazer o seu crédito.

  11. Depois porque a má-fé dos RR é irrelevante, atendendo a que o acto impugnado constitui uma doação.

  12. Assim, provada que foi a existência do crédito da Autora e a sua anterioridade relativamente ao acto impugnado, teriam que ser os primeiros RR a alegar que possuíam bens de valor igual ou superior ao das dívidas – e não o fizeram.

  13. Alegaram apenas que a sociedade comercial com a firma F... Lda. possuía bens de valor igual ou superior ao das dívidas.

  14. Não tendo feito qualquer prova do assim alegado, pois não apresentaram nenhum documento idóneo do qual se concluísse isso mesmo, nem os depoimentos prestados foram suficientemente sólidos para que deles se pudesse extrair tal conclusão.

  15. Sendo que, ainda que tal prova tivesse sido realizada, teria ainda assim a presente acção de proceder pois os 1ºs RR não alegaram que possuíam bens de valor igual ou superior ao das dívidas.

  16. Não o tendo feito, presume-se que do acto impugnado resultou a impossibilidade total ou parcial da Autora cobrar o seu crédito.

  17. Foram assim violadas as seguintes normas: artigos 607.º, nº. 4 e 5º, nº. 3, do Código de Processo Civil, 610.º a 612.º do Código Civil”.

Com os aludidos fundamentos, pugnaram pela revogação da decisão proferida e sua substituição por outra que julgue a presente acção totalmente procedente.

Contra alegaram os recorridos, pugnando naturalmente pela manutenção do decidido * Assente que pelo teor das conclusões se define e delimita o objecto do recurso, as questões submetidas à apreciação deste Tribunal são as seguintes: i. da impugnação da matéria de facto: ii. da verificação dos requisitos da pauliana, estando em causa um acto de natureza gratuita e do erro de julgamento quanto à repartição do ónus da prova respectiva.

* i. A apelante impugnou a matéria de facto, no que respeita às respostas que mereceram os artigos 16.º e 17.º.

Perguntava-se nos artigos em causa: Art.º 16.º: O prédio referido em D) [prédio rústico sito em (...) , (...) e (...) , composto de pomar de pessegueiros e pomar de cerejas, com a área de 5 mil metros quadrados, inscrito na matriz sob o artigo 295º e descrito na CRP do Fundão sob o n.º 374][1] era o bem mais valioso de que os RR eram proprietários? Art.º 17.º (com o seguinte teor, na sequência da modificação que por acordo das partes lhe foi introduzida já em sede da audiência de discussão e julgamento): A firma “ F... possui e possuía, na data da escritura de doação, património imobiliário no valor de, pelo menos, €8 040 020,49 para assegurar o pagamento das suas responsabilidades? Ao assim perguntado deu a Mm.ª juíza “a quo” as respostas de, respectivamente, “Não provado” e “Provado que os 1.ºs RR. e a sociedade F..., Lda., na data da celebração da escritura de doação supra referida, possuíam...

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