Acórdão nº 36/14.4TBOLR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelALEXANDRE REIS
Data da Resolução10 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: J… e A…, casados, intentaram este processo especial de revitalização de ambos os cônjuges, manifestando a vontade de encetarem negociações conducentes à sua revitalização por meio da aprovação de um plano de recuperação, para o que alegaram, em síntese: encontram-se em situação de “pré-insolvência” resultante de falta de meios económicos, porquanto assumiram pessoalmente diversos créditos e garantias pessoais, nomeadamente como avalistas, tendo como único rendimento, a sua remuneração mensal no montante bruto de € 485, cada um. Apresentaram a seguinte relação de credores (num total de débitos de € 8.054.936): I… – € 6.000.000; Banco A… – € 1.595.035; Banco B… – € 344.922; Banco C… – € 66.087; Banco D… – € 26.384; H…, SA – € 8.071; U…, SA – € 6.764; CLF – € 4.933; Banco F… – € 1.240; e L… – € 1.500.

A Sra. Administradora Judicial Provisória, nomeada após indicação dos requerentes, apresentou a lista provisória de créditos, num total de € 13.513.886,49, a qual, não tendo sido objecto de impugnações, foi declarada como convertida em definitiva, por despacho de fls. 8 do apenso de reclamação de créditos.

O plano de revitalização dos devedores obteve o voto favorável dos credores I… (€ 11.111.400) e Instituto da Segurança Social (€ 116.345,28) e o voto desfavorável dos demais (…).

Não foi requerida ao Tribunal de 1ª instância a recusa da homologação do referido plano, designadamente pelo credor Banco ….

Na sentença, a Sra. Juíza, julgando válido o quórum deliberativo e inexistir qualquer violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao respectivo conteúdo, homologou o plano de revitalização dos devedores.

Inconformada, o credor Banco A… recorreu, suscitando a questão de saber se deveria ter sido recusada a homologação do plano de revitalização (PER) porque: 1. - os requerentes/devedores encontram-se em situação de insolvência e dos fundamentos do requerimento que conduziu à aprovação do PER não é possível inferir a susceptibilidade da sua recuperação; 2. - foi clausulada uma redução do objecto das hipotecas de que é beneficiária a ora recorrente e que garantem a totalidade dos seus créditos, sem o seu consentimento e contra a posição tomada, designadamente em sede de negociações, pelo que a proposta descrita no plano quanto ao reembolso do crédito da recorrente coloca esta numa situação menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.

Os requerentes apresentaram contra-alegações em que, além do mais, aduziram, previamente, a intempestividade da questão, só invocada no recurso, de dever ter sido recusada a homologação do plano, a qual a recorrente não requereu ao Tribunal a quo, ao abrigo do disposto nos artigos 215º e 216º do CIRE, nem aquando da votação, nem após a aprovação desse plano de recuperação.

Os factos relevantes a considerar são os que se retiram do antecedente relatório.

Importa apreciar as questões enunciadas e decidir.

Desviando-se do paradigma em que assentava o direito anterior, o CIRE construiu o processo de insolvência como um instrumento de liquidação, com a primazia de mecanismos próprios de regulação de mercado e dos interesses de ordem económica dos credores, em detrimento da preservação do tecido económico e do emprego, confinando a recuperação a mera finalidade possível do processo.

Contudo, o Estado Português, no quadro do programa de assistência financeira a que se submeteu nos últimos anos, vinculou-se a alterar aquele código, com o proclamado objectivo de facilitar o resgate de empresas viáveis e apoiar a reabilitação de indivíduos financeiramente responsáveis. Foi nesse contexto que emergiu a Lei nº 16/2012 de 20/4, alterando o CIRE, nomeadamente regulamentando o novo processo especial de revitalização (PER), resultando da exposição de motivos da Proposta da Presidência do Conselho de Ministros que lhe deu origem que o principal objectivo da alteração do CIRE visou direccionar este último diploma para a recuperação de empresas devedoras, «privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação» ([1]).

É certo que, como sugere a própria designação utilizada pelo legislador, o processo de revitalização exclui do seu âmbito de aplicação o devedor insolvente, sendo apenas facultado ao devedor “desvitalizado”: o devedor que se encontre em situação económica difícil – com dificuldades sérias para cumprir as suas obrigações, por falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito – ou de insolvência eminente – situação que pode ser entendida como de probabilidade séria da impossibilidade de cumprimento, num futuro próximo, das suas obrigações vincendas (arts 1º nº 1, 17º-A nº 1 e 17º-B do CIRE) ([2]).

Porém, para o que o processo se inicie é suficiente uma declaração escrita assinada pelo devedor e, pelo menos, por um dos seus credores, manifestando a vontade de encetar negociações conducentes à revitalização (art. 17º-A nº 2 e 17º-C nº 1 do CIRE). Ora, apesar de tal documento não ser adequado a demonstrar a situação económica difícil ou a insolvência eminente do devedor e de ao juiz não ser dada a efectiva possibilidade de controlar a verificação de um ou de outro destes pressupostos, o certo é que basta a apresentação daquela declaração e a comunicação, pelo devedor, de que pretende encetar negociações para que o processo seja, necessariamente, aberto, devendo o juiz nomear, de imediato, administrador judicial provisório ([3]). Por outro lado, os documentos que o devedor deve remeter ao tribunal – relação dos credores e das acções e execuções pendentes, documento de explicitação da sua actividade e das contas anuais relativas aos três últimos exercícios, etc. – também...

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