Acórdão nº 45/13.0TBOFR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelCATARINA GON
Data da Resolução10 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A...

, residente na Rua (...) , Gafanha da Encarnação, veio intentar a presente acção contra B... , S.A., com sede na (...) Oliveira de Frades e contra C...

, residente na Urbanização (...) , Águeda, alegando, em suma, que: sendo accionista da 1ª Ré e fazendo parte do respectivo Conselho de Administração, tomou conhecimento que o 2º Réu, também accionista da 1ª Ré, havia intentado contra esta dois processos onde pedia a fixação judicial de prazo para pagamento dos suprimentos e a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 128.381,26€ e no âmbito dos quais veio a ser celebrada transacção; constata-se, porém, que, nessa transacção, a Ré apenas foi representada por um administrador, quando é certo que, nos termos do pacto social, apenas se obriga com a assinatura de dois; além do mais, essa matéria sempre estaria sujeita a deliberação do Conselho de Administração, que não existiu e tão pouco foi dado conhecimento dessa situação aos demais administradores; tal transacção, efectuada unilateralmente por um único administrador, é nula e corresponde a um favorecimento de um accionista em relação aos demais que também têm suprimentos e empréstimos feitos à sociedade por receber, além de que visou conduzir a sociedade a uma situação de insolvência, dada a sua falta de liquidez, com prejuízo para os demais accionistas, também credores.

Com estes fundamentos, pede: a) Que se declare nula a transacção efectuada no âmbito do processo nº 322/10.2TBOFR; b) Que se ordene a devolução à Ré, B... , S.A., de todos os valores que foram entregues e recebidos pelo 2º Réu no âmbito da transacção efectuada; c) Que se ordene o levantamento da penhora de todos os bens que constam do auto junto com a Execução nº 321/10.4TBOFR-B, pertencentes à Ré.

O 2º Réu contestou, invocando a ilegitimidade do Autor, já que, não tendo tido intervenção na transacção, não tem legitimidade para vir invocar a sua ineficácia e sendo certo que a falta de poderes de representação não conduziria à nulidade da transacção, mas apenas à sua ineficácia. Mais alega que a cláusula do pacto social que exige a assinatura de dois administradores não é oponível a terceiros e, apesar de accionista, o Réu é terceiro de boa fé face à sociedade; ainda que assim não seja, a invocação de falta de poderes de representação corresponde a abuso de direito, porquanto o Autor sempre teve conhecimento da transacção e a sociedade, através dos seus três administradores, sempre a assumiu como válida, tendo procedido ao pagamento das primeiras oito prestações, mediante cheques que foram assinados por dois administradores, sendo que um desses cheques também foi assinado pelo Autor; além do mais, quando citada para a execução, a sociedade não deduziu qualquer oposição.

Conclui pedindo a sua absolvição da instância ou a sua absolvição do pedido, mais pedindo que o Autor seja condenado, como litigante de má fé, em multa e indemnização de valor não inferior a 5.000,00€.

O Autor replicou, sustentando a improcedência da excepção invocada e a improcedência do pedido referente à sua condenação por litigância de má fé.

Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a invocada excepção de ilegitimidade.

Foi fixado o objecto do litigio e enunciados os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu os Réus do pedido.

Inconformado com essa decisão, o Autor veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. O objecto do presente recurso consiste na discordância com a matéria de direito, bem como com a matéria de facto dada como provada e como não provada, nos termos infra descritos; 2. Foram dados como não provados factos que deveriam ter sido dados como provados; 3. O que, salvo o devido respeito por opinião diversa, resulta de uma errónea valoração da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento; 4. E que, por conseguinte, acarreta uma subsunção jurídica diversa da acolhida na douta sentença; 5. A juíza a quo veio dar como não provado o facto 4) “que só em Março de 2014 é que o A teve conhecimento que o R. tinha intentado contra a R. a acção 322/10.2TBOFR, que tinha como pedido a fixação de prazo para pagamento de suprimentos e que só na ultima semana do mesmo mês é que teve conhecimento que nessa acção tinha sido efectuada uma transacção”; 6. Isto, devido ao depoimento da testemunha D... , quando este referiu que não podia garantir que o Autor apenas descobriu a existência de uma penhora e por conseguinte de um processo executivo intentado pelo accionista C... , no momento em que preparavam o Requerimento SIREVE; 7. Salvo o devido respeito, é evidente que a testemunha não pode dar a certeza, precisamente porque não está 24 horas por dia com o Autor ora Recorrente; 8. Ademais, a juíza a quo só se pode ter olvidado de que este mesmo individuo testemunhou nessa altura uma enorme indignação por parte do accionista A... , reafirmando posteriormente que o Recorrente “tomou conhecimento em relação à execução e mostrou indignação, a minha interpretação é de que ele desconhecia o processo”; 9. A juíza a quo também veio dar como não provado o facto em apreço devido ao depoimento das testemunhas E... e F... , visto que referiram que os cheques que ficam em branco, assinados, são apenas para uma urgência e que só utilizam cheques em branco quando surge um imprevisto; 10. Por essa razão, a meritíssima juíza a quo concluiu que “aquela ideia que os cheques já estariam assinados antes de preenchidos e que o A. não sabia o seu destino não colheu, não sendo corroborada pelos depoimentos das testemunhas, antes pelo contrário foi infirmada quando as mesmas afirmam que tais cheques em branco são apenas para um imprevisto ou uma urgência”; 11. Sucede, porém, que salvo o depoimento da testemunha F... foi mal valorado, uma vez que a testemunha veio garantir que é norma os accionistas da empresa assinarem cheques em branco e os deixarem na empresa para efectuar pagamentos quando tal se revele necessário; 12. Por conseguinte, veio referir que era normal o Sr. H... e o Sr. G... assinarem todos os cheque; 13. A testemunha revelou ainda que tem à sua guarda cheques assinados em branco, para fazer face a um imprevisto, designadamente “pode acontecer nós estarmos à espera de um administrador, o Sr. está la, nós sabemos que tem que passar o cheque, mas nós por hábito não o fazemos com antecedência, estamos ali aquela manhã para o fazer e pode acontecer, e que poderá mesmo ter acontecido, é nenhum dos administradores ter chegado atempadamente, antes das três da tarde”; 14. Ora, resulta destas declarações que um imprevisto não é o mesmo que uma urgência; 15. A testemunha referiu que era perfeitamente possível e que poderia ter acontecido ter de preencher um dos cheques assinados em branco que tem em sua posse, precisamente porque no momento em que o credor se deslocou às instalações da empresa a fim de receber o cheque, não se encontrava presente nenhum dos administradores para o assinar; 16. Do exposto, resulta que a meritíssima juíza a quo devia ter dado tal facto como provado; 17. A tudo isto, acresce que o facto descrito no artigo 5.º da Petição Inicial não foi impugnado na Contestação pelos Requeridos; 18. Assim, conforme o disposto no artigo 574.º, n.º 2 do CPC, provou-se que o Recorrente desempenhava “as funções de responsável pela produção da Ré”, o que, por conseguinte, constitui mais um indício de que este passava muito mais tempo no departamento de produção do que no da administração; 19. E, por via disso, é perfeitamente plausível que só nos preparativos do SIREVE teve conhecimento da execução e da penhora; 20. Assim sendo, deveria ter sido dado como provado o seguinte facto “3) Que na R. o A. desempenhava funções de responsável de produção”; 21. No que concerne à alegada ratificação da transacção sustentada na douta sentença pelo tribunal a quo, cumpre referir que o artigo 268.º do CC dispõe que o negócio que uma pessoa celebre em nome de outrem sem poderes de representação é ineficaz em relação a este, caso não seja ratificado; 22. De referir que “A ratificação está sujeita ao formalismo da procuração”, R. Alarcão, Confirmação, 1.º-120 e s., apud Abílio Neto, Código Civil Anotado, 17.ª Edição Revista e Actualizada, Abril, 2010, p.184; 23. Assim sendo, “II – A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração, a qual, por seu turno, deve revestir a forma estabelecida para o negócio em causa” (cfr. Acórdão STJ, 17-1-1995: BMJ, 443.º - 353); 24. Acresce que, nos termos do artigo 287.º do CPC, Os representantes das pessoas coletivas, sociedades, incapazes ou ausentes só podem desistir, confessar ou transigir nos precisos limites das suas atribuições ou precedendo autorização especial; 25. Resulta de documento junto aos autos com a Petição Inicial, que a transacção foi efectuada em acta, tendo sido homologada pela meritíssima juíza por sentença ditada para acta, nos termos do n.º 4 do artigo 290.º do CPC; 26. Assim sendo, a “alegada” ratificação da falta de poderes, que apenas por mera hipótese académica se admite, deveria ter sido celebrada nos exactos termos e formalismos usados para a transacção; 27. Deste modo, mesmo que existisse ratificação, a mesma careceria de forma, o que, nos termos do artigo 220.º do CC, faz com que a mesma fosse nula, na medida em que “A inobservância da forma legal de uma declaração negocial faz com que esta seja nula”; 28. Ademais, não constitui abuso de direito invocar a nulidade decorrente da inobservância da forma legalmente prescrita, conforme resulta dos Acórdãos RP – 21-6-1971: BMJ, 209.º - 195; STJ, 20-3-1973: BMJ, 225.º - 196; RP, 29-6-1973: BMJ, 228.º - 273; RL, 22-2-1974 : BMJ...

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