Acórdão nº 13/14.5T8SCD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução18 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO Por decisão delegada de 12 de Junho de 2013 do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, a arguida A..., com os demais sinais nos autos, foi condenada, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 84º, nºs 1 e 4 e 138º e 145º, n), todos do C. da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de sessenta dias, suspensa na respectiva execução pelo período de trezentos e sessenta e cinco dias, condicionada à frequência, durante o período de suspensão, de uma acção de formação no módulo outras infracções.

Inconformada com o decidido, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial que, por sentença de 10 de Outubro de 2014, foi julgada improcedente a impugnação e confirmada a decisão administrativa nos seus precisos termos.

* Novamente inconformada com a decisão, recorre a arguida, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1.ª A sentença de fls., debalde douta, deve ser revogada.

2.ª Com efeito, subsiste nos autos um vício que inquina todo o processado, i.e. a deficiente fundamentação da decisão administrativa recorrida.

3.ª Vício gerador de nulidade processual, que deve determinar a absolvição da Recorrente, com todas as legais consequências.

4.ª o Tribunal "a quo" deu como provado que – cfr. ponto III ("Fundamentação de facto), al. A – "A arguida, no dia 2012.09.20, pelas 15h45m, no local arruamento a sul da vila de Carregal do Sal, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula (...) CE, fazia uso indevido de telemóvel durante a marcha do veículo, mantendo para o efeito a mão esquerda ocupada".

  1. A verdade é que não estamos perante um segmento de factualidade pura, não tendo sido concretizada a adjectivação "uso indevido" e, muito menos especificado o que pretendia dizer com "mantendo para o efeito a mão esquerda ocupada".

  2. De acordo com a decisão administrativa recorrida, o "condutor fazia uso indevido do telemóvel durante o exercício da condução", contudo não concretiza e, muito menos especifica qual o perigo.

  3. O n.º 1 d o artigo 84.º do CE estipula que "É proibido ao condutor utilizar durante a marcha do veículo, qualquer tipo de equipamento ou aparelho susceptível de prejudicar a condução, nomeadamente, auscultadores sonoros e aparelhos radiotelefónicos".

  4. O n.º 2, por seu turno, na alínea a), estipula que "Exceptuam-se do número anterior os aparelhos dotados de um auricular ou de microfone com sistema de alta voz, cuja utilização não implique manuseamento continuado".

  5. Como é sabido, a decisão administrativa proferida no quadro de um procedimento contra-ordenacional deve ser devidamente fundamentada, mediante a enunciação concreta, ainda que sucinta, de factos susceptíveis de integrar os normativos (alegadamente) violados.

  6. Fundamentar implica, por isso, alegar razões de facto e fundamentos de direito.

  7. Tudo conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 433/83, de 27.10.

  8. Ora, ao invocar-se que o condutor fez um "uso indevido" de telemóvel durante o exercício da condução, salvo o devido respeito, faz-se uso de um "conceito indeterminado".

  9. Com efeito, uso indevido, mau uso, uso irregular, são conceitos que necessitam de ser adequadamente preenchidos.

  10. Nomeadamente, perante a expressão patente no n.º 2 do artigo 84.º, e a convicção segura de que a generalidade dos equipamentos móveis modernos vêm equipados com sistema de alta voz.

  11. A lei quando estatui a proibição de uso de telefones móveis no acto de condução – com ressalva do n.º 2 do artigo 84.º, note-se – exige ao agente autuante que densifique essa proibição, caracterizando adequadamente a actuação do (alegado) infractor.

  12. Com efeito, a lei não proíbe todo e qualquer uso de um telefone no acto de condução, mas apenas o uso que possa prejudicar a condução.

  13. O que, está bom de ver, não é a mesma coisa! 18.ª Dizer que se fazia um "uso indevido" do telemóvel é o mesmo que não dizer nada.

  14. Que uso concreto era esse? 20.ª Donde, a decisão administrativa recorrida padece de um vício de fundamentação, gerador de nulidade, face ao conteúdo das disposições conjugadas dos artigos 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, e 379.º, n.º 1, al. a) do CPP.

  15. Nulidade que persiste, que inquina todo o processado, e que por isso se invoca.

  16. E da qual o Tribunal "a quo" deveria ter conhecido, daí extraindo todas as ilações e consequências.

  17. O que não fez.

  18. E a verdade é que não se compreende o entendimento professado pelo Tribunal recorrido.

  19. Com efeito, o Tribunal adopta um entendimento "contra reo", porquanto reconhece, por um lado, que a expressão "uso indevido" não corresponde a um facto (motivo pelo qual não se pode considerar a decisão "devidamente fundamentada").

  20. Mas, por outro, opta por considerar tal expressão "subsumível" a uma realidade de facto apreensível, de forma a que tal "imputação" caiba no n.º 1 do artigo 84.º do Código da Estrada.

  21. O que, salvo o devido respeito, não se afigura coerente com o dever de promoção e protecção da legalidade, que é assacado aos Tribunais.

  22. Tanto mais que, ao contrário do que entende o Tribunal recorrido, não era de todo difícil "traduzir em facto puro e simples, destituído de juízo de valor ou conclusão, o preenchimento do tipo legal de infracção contra-ordenacional em causa".

  23. Múltiplas hipóteses se afiguravam possíveis, aliás, na linha do acima exposto.

  24. Bastava que se fizesse constar que o condutor "manuseava o telemóvel".

  25. Ou, por exemplo, que o condutor, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no auto, "falava ao telemóvel enquanto conduzia".

  26. Com efeito, é sabido que as entidades autuantes têm o – mau … – hábito de transporem para os autos de notícia o texto integral dos tipos de ilícito.

  27. Deixando pouca margem para factos concretos.

  28. O que é tanto mais significativo quando o tipo legal de contra-ordenação não assenta numa actuação objectiva e directamente apreensível, mas em conceitos indeterminados.

  29. Como é o caso.

  30. Assim, dizer-se "uso indevido" é, reitera-se, o mesmo que nada dizer.

  31. Donde, o auto de fls. e a decisão administrativa que se lhe seguiu não assenta em factos.

  32. E, alegar que a Recorrente mantém a mão esquerda ocupada é o mesmo que referir que também o poderia ser a direita e, que ambas estavam ocupadas no guiador.

39.º Pelo que a decisão é nula, por vício de fundamentação, o que uma vez mais se invoca. Termos em que deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, tudo com as legais consequências e em conformidade com as conclusões.

DO DIREITO O processo de contra-ordenação no seu início é meramente administrativo e que só se torna judicial se o arguido pretender impugnar a decisão proferida na fase administrativa.

Na fase administrativa do processo, nem o auto de notícia, nem a posterior notificação para apresentação da defesa, no domínio da fase administrativa do processo de contra-ordenação equivalem à acusação em processo crime.

É a apresentação pelo M.P. ao juiz dos autos provenientes da autoridade administrativa que equivale à acusação. É este o momento em que a autoridade judiciária adquire a notícia do crime.

Ora, tendo o recorrente impugnado a Decisão e esta sido apresentado a juízo, perdeu estao cariz meramente administrativo, passando a ser este judicial.

Refere o Tribunal Recorrido que a aplicação das normas de direito penal a este tipo de processo só faz sentido nos casos omissos e ainda, que a notificação que a Recorrente recebeu da ANSR, apenas tem que obedecer aos requisitos do disposto no Art.170.º n.º 1 do C. Estrada.

Assim, concluiu o Tribunal Recorrido e mal, que a notificação recebida pela Recorrente, não está ferida de nulidade. Contudo e como se constata, passou esta a ter o cariz judicial – quando presente em juízo – e, assim sendo, a falta de indicação dos pressupostos de que depende a aplicação ao Arguido (Recorrente) de pena ou medida de segurança, dos factos incriminadores pelos quais este foi acusado, equivalente à sua não acusação ou à Nulidade desta, o que se Requer e não se prescinde.

Acórdão do tribunal da Relação do Porto de 21 de Novembro de 2007, no âmbito do processo nr.D744369, Relator: Jorge Jacob "A nulidade decorrente da inobservância do comando do art. 50º do DL nº 433/82 fica sanada se, no recurso em que é arguida, o recorrente, além dessa arguição, sustenta que não cometeu a contra-ordenação, pugnado pela sua absolvição.

" O que de facto ocorreu.

Por outro lado, A decisão administrativa é nula por falta de especificação do facto imputado, ao não concretizar os factos em concreto em que assenta a condenação.

A decisão administrativa é ainda nula por falta de motivação, posto não indicar concretamente as provas obtidas, nem fazer tão pouco o exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção do decisor (arts. 58.º- 1, al. b), 374.º - 2, 379.º, citados).

O reconhecimento da nulidade implicará a devolução do caso à autoridade administrativa para que repare o vício, não se sanando o mesmo com a emergência da decisão judicial.

A falta de documentação dos actos da audiência, supostamente autorizada pela lei (art. 66.º, DL 433/82), assim como a proibição de recurso na matéria de facto (art. 75.º), afrontam os princípios constitucionais do processo equitativo e do direito de defesa do arguido (arts. 20.º - 4, 32.º - l0, Const.), padecendo aquelas normas de inconstitucionalidade material.

A decisão judicial sofre de contradição insanável da fundamentação, como se diz na alegação, quanto às questões relacionadas com o "uso indevido"; mantendo para o efeito a mão esquerda ocupada" e outros, além de ser insuficiente para a decisão a matéria apurada, já que se ignora que a própria lei admite a utilização daquilo que proíbe.

Termos em que e, com o sempre Douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado Provimento ao recurso e, consequentemente seja revogada a decisão recorrida...

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