Acórdão nº 15/12.6TBSRE-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução03 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra A..., B... , C... e D... , Lda.

deduziram a presente oposição contra E..., Lda.

, à execução para pagamento de quantia certa que corre termos sob o n.º15/12.6TBSRE, e na qual figuram comos Executados, e esta como Exequente, pedindo, a final, que sejam julgadas procedentes por provadas “as excepções de ilegitimidade do portador, a excepção de inexistência da dívida e a excepção de preenchimento abusivo, declarando as letras dadas à execução feridas de nulidade”.

Alegaram, para o efeito, e grosso modo, que entre as sociedades aqui Executada e Exequente nunca houve qualquer relação comercial, tendo, sim, existido entre aquela e a sociedade F...

, a qual intentou uma ação executiva contra aquela primeira, finda por força de um acordo de pagamento, no âmbito do qual foram “entregues, pelo B... e pelo C... , duas letras para pagamento dos montantes que a executada ainda tinha em dívida”, ou seja, “como garantia do pagamento dos valores em dívida caso aquele acordo não fosse cumprido”, e “em branco, já avalizadas pelos ora executados, pessoas singulares, sendo que as mesmas seriam preenchidas em caso de incumprimento”. Nesta ordem de ideias, e argumentando que o dito acordo de pagamento foi cumprido, bem assim que nada ficou a sociedade Executada/Opoente a dever àquela sociedade F... , concluiu que “a ora exequente não é legítima portadora da letra o que (…) conduz à excepção de legitimidade e assim à consideração de que não estamos perante um título executivo”, acrescendo “que, e consequentemente, na medida em que tal relação nunca existiu, e assim a dívida também não existe, nunca se poderia falar em pacto de preenchimento, ainda que tácito”.

Aduziram, ainda, e por conseguinte, que “a ora exequente sabe não ter qualquer facto que a legitime ser portadora das” letras dadas à execução, “sabe que nunca teve relações comerciais, ou quaisquer outras, com a ora executada” e que “[a]o peticionar os valores em causa, deduziu pedido que manifestamente saber ser destituído de todo e qualquer fundamento, alterando a verdade dos factos de forma grosseira e grotesca”, peticionando, a final, a sua condenação e dos seus representantes “de forma solidária, em multa e indemnização, desde logo, a favor dos ora executados”, arguindo, com relação à indemnização, que haverá de ser arbitrado “aos ora executados, para além do reembolso de todas as despesas, nomeadamente advindas da contratação de mandatário, e de outros técnicos, que os mesmos suportarem e a que foram obrigados, face à má fé litigante, e que neste momento não é possível contabilizar (…), mas em montantes, por ora calculados, nunca inferiores a 25.000,00€”.

Regularmente notificada, a Exequente (aqui Oposta) veio apresentar contestação, contrariando as afirmações, feitas pelos Executados/Opoentes, de inexistência da relação jurídica subjacente, porquanto “não existe identidade de causas de pedir nem de sujeitos processuais” com relação à sobredita ação executiva que correu termos no Tribunal Judicial de Pombal, sendo, ademais, “irrelevante face ao portador das letras de câmbio”.

Igualmente explicou que “os sócios daquela sociedade ( FF... ) e os sócios gerentes da exequente que, estavam presentes, aceitaram as duas letras de câmbio devidamente preenchidas para garantia preenchidas para garantia daqueles planos de pagamento com a condição de cederem, aqueles créditos à E...

, Lda, a quem transmitiram os estabelecimentos comerciais, [o] que aqueles executados concordaram, e aceitaram, no intuito de obviarem à penhora dos bens móveis”.

Por fim, defendeu-se da peticionada condenação como litigante de má fé, acusando serem os Executados/Opoentes quem litiga de má fé.

Notificada da contestação, os Executados/Opoentes nada vieram dizer.

Seguindo o processo os termos do processo sumário de declaração, foi proferido despacho datado de 27.09.2012, onde se proferiu despacho saneador tabelar e o Tribunal se absteve de proceder à seleção da matéria de facto.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, à qual se procedeu, como consta das respetivas atas, com a inteira observância do formalismo legal aplicável.

Finda a qual, o Tribunal, por despacho de fls.426-431 dos autos, declarou quais os factos que julgava provados e não provados, decisão da qual não foram formuladas quaisquer reclamações, tendo os Executados/Opoentes, ulteriormente, e ao abrigo do disposto no artigo 657.º do C.P.C., oferecido as suas alegações por escrito (cfr. a fls.439-451 dos autos).

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 452 a 459, na qual se decidiu o seguinte: “Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, 3.1. julgo procedente, por provada, a presente oposição à execução e, em consequência 3.1. 1. determino a extinção da execução principal de que é apenso para pagamento das quantias inscritas na letras de câmbio dadas à execução; e 3.1.2. condeno a sociedade Exequente/Oposta no pagamento das custas processuais devidas pela presente oposição à execução, por a ela ter dado causa (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do novo C.P.C.); e 3.2. julgo procedente por provado o incidente de condenação como litigante de má fé da sociedade Exequente/Oposta e, consequentemente 3.2.1. condeno-a no pagamento de uma multa no montante de 4 (quatro) UC’s; 3.2.1. convido os Executados/Opoentes a, no prazo de 10 dias, liquidarem discriminadamente as suas despesas judiciais acarretadas e prejuízos sofridos conforme supra exposto; e 3.2.2. condeno a sociedade Exequente/Oposta no pagamento das correspondentes custas processuais (cfr. o artigo 539.º, n.º1, in fine do novo C.P.C.).”.

Notificados da mesma, vieram os executados-opoentes, cf. seu requerimento de fl.s 460 a 463, requerer a respectiva aclaração, com o fundamento em da mesma não resultar se a condenação por litigância de má fé abrange apenas a sociedade ou também os seus sócios gerentes, defendendo que assim deve ser e solicitando, em conformidade, fosse proferido despacho “no sentido de que essa mesma condenação englobe a condenação como litigantes de má fé dos seus legais representantes.”.

De seguida, cf. requerimento de fl.s 465 a 476 (posteriormente rectificado através do requerimento de fl.s 480 a 492, o que foi aceite), os executados-opoentes vieram quantificar as despesas e os prejuízos sofridos em consequência da actuação dolosa da exequente, cf. ordenado na sentença acima já referida, peticionando a condenação da exequente e dos seus representantes, no pagamento de uma indemnização por litigância de má fé, no montante global de 29.283,40 € e de acordo com as parcelas mencionadas a fl.s 491 v.º e 492.

Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, esta, como consta de fl.s 498 a 499, no tocante ao supra referido requerimento de aclaração, decidiu o seguinte: “I. Da aclaração da sentença [a condenação da sociedade e/ou dos seus representantes legais?] Vieram os Executados/Opoentes requerer a “aclaração da sentença no sentido de evitar interpretações dúbias e assim de novas questões processuais a serem levantadas, por forma a tornar indiscutível a responsabilidade daqueles mesmos representantes”, arguindo que “tal condenação como litigante de má-fé da ora exequente abrange, nos termos do artigo 458ºdo CPC, os seus representantes, pelo que a responsabilidade pelo pagamento da indemnização é também desses mesmos Representantes”.

* Lê-se no atual artigo 544.º do novo Código de Processo Civil (com correspondência, ainda que não integral conforme, precisamente, se salientará, no antigo 458.º do C.P.C.), que, «[q]uando a parte for um incapaz, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má-fé na causa».

Por referência ao anteriormente consagrado no referido artigo 458.º do C.P.C., os tribunais portugueses, de uma forma geral, entendiam que, «[q]uando [fosse] parte na causa um incapaz ou uma pessoa colectiva, a actividade processual que conta é a do respectivo representante. É este que age em nome do representado; se no exercício da acção ou da defesa puder descobrir-se dolo substancial ou instrumental, há-de imputar-se ao representante, e não ao próprio incapaz ou à pessoa colectiva» (assim, e inter alia, o aresto do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.03.2009, processo n.º8176/2008-1, Maria Rosário Barbosa, onde se concluiu que «não pode a Sociedade A. ser condenada como litigante de má-fé pois no caso não podemos deixar de reconhecer que os autos não contém quaisquer elementos que permitam determinar a que representante da R. poderia ser imputável a má-fé»).

Contudo, e justamente, «[o] artº 544º, do novo CPC, que alterou o artº 458º do anterior, passou a admitir a possibilidade de condenação, como litigantes de má fé, das pessoas colectivas e sociedades e eliminou a responsabilização do representante que estivesse de má fé na causa», sendo «[t]al norma (…) de aplicação imediata, pelo que, apreciando-se em recurso uma tal condenação, esta não pode subsistir». Com efeito, «[n]o domínio do Código de Processo Civil que vigorou até 31-08-2013, dispunha o artº 458º que, na hipótese de a parte litigante de má fé ser uma sociedade, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização previstas no artº 456º, recai sobre a pessoa do seu representante que esteja de má fé na causa. As consequências da conduta típica e censurável da pessoa colectiva manifestada no processo, violadora dos interesses públicos fundamentais que o inspiram (artºs 456º, nº 2, e 266º-A[1]) eram, portanto, imputadas a quem, agindo processualmente em nome da sociedade, corporizou e subjectivou (com dolo ou negligência grave) os inerentes actos, ou seja, a quem, na realidade, esteve de má fé na causa. Era assim em face da especial natureza da parte litigante que, só se considerando pessoa enquanto como tal ficcionada pelo Direito, não tem vida, acção e vontade próprias, no sentido físico e psíquico, qualidades pressupostas da acção praticada e a cujo agente se dirige a reprovação...

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