Acórdão nº 1067/12.4TVLSB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Março de 2015
Magistrado Responsável | MARIA JO |
Data da Resolução | 03 de Março de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO AA (…) e mulher, AI (…), intentam a presente ação de condenação, sob a forma ordinária contra o BANCO (…), S.A., alegando, em síntese: os autores eram sócios gerentes, da sociedade por quotas “M (…), Ld.ª”, sediada na Figueira da Foz, que veio a ser declarada insolvente por sentença de 17/8/2011, tal como eram sócios em partes iguais e gerentes da sociedade por quotas “A (…), Ld.ª; a M (…) contraiu em 2006 um empréstimo de €2.000.000 no Banco Réu, com vista a um empreendimento imobiliário em Coimbra e um outro empréstimo no valor de €500.000, para a conclusão de duas moradias em Buarcos, Figueira da Foz; na sequência de tais operações de financiamento, o A. marido, por imposição do banco réu foi compelido a constituir uma aplicação de 350.000,00 €, do seu aforro pessoal, denominado “Seguro Prime Investimento”, e uma outra aplicação de 300.000,00 €, denominada “X (...) Seguros Rendimento Campeão”, para garantia de contas correntes caucionadas da sociedade do mesmo valor; no início de 2008, o autor solicitou um pedido de esclarecimento por não terem sido creditados juros desses investimentos, ao qual a ré não deu qualquer resposta; gerada a crise no sector imobiliário, os Autores negociaram com o Banco Réu, com o empreiteiro da obra de Coimbra e com outra empresa do grupo do empreiteiro, soluções para os problemas que lhes surgiram em resultado daquela crise geral, até que o empreiteiro, em vez de substituir uma letra de cerca de € 790.000, sacada por si e aceite pela M (…), por outra de reforma, no valor de €590.000, apresentou aquela a desconto no Banco Y (...) ., que por sua vez a remeteu ao Banco Réu para cobrança; a M (…) tinha então saldo negativo na conta à ordem existente no Banco Réu mas, ainda assim, este pagou ao Y (...) . a dita letra, em vez de a devolver, gerando um descoberto de valor idêntico ao da letra na conta da M (…); levando a que a dita empresa imobiliária entrasse em colapso financeiro, sendo obrigada a vender o empreendimento de Coimbra e as vivendas da Figueira da Foz por preço inferior ao estimado anteriormente, para saldar as suas dívidas perante o Banco Réu e o empreiteiro, obrigando a M (…) e os próprios Autores a alienar todos os seus bens de valor, tudo abaixo do preço que mereciam, mas com novos contratos de permeio com o Banco Réu, com que este visou assegurar melhor os seus créditos, escudando-se num erro informático para justificar o pagamento da dita letra com a conta a descoberto; o A. marido foi, assim, obrigado a resgatar as duas referidas aplicações financeiras de 650.000,00 €, cedendo-as ao Banco R. por 514.875,53 €, o que equivaleu a um prejuízo de 135.124,47 €, sendo que, à data da constituição dessas aplicações, garantia o capital e pagaria juros crescentes à taxa anual líquida, média de 3,6%, o que nunca aconteceu; os AA. foram obrigados a transferir para o Banco réu, através de dação, o imóvel onde tinham instalada a casa de morada de família, pelo valor de 457.100,00 €, quando tinha sido avaliado pelo próprio Banco em 650.000,00 €; os Autores deixaram na garagem da casa de morada da família um conjunto de bens que não cabiam na casa cedida por pessoa de família, mas o Banco Réu, sem aviso, retirou-os entretanto dali e depositou-os num armazém da Maia, ficando os Autores e os seus filhos menores sem acesso a um conjunto vasto de bens pessoais; o Banco Réu beneficiou-se a si próprio e beneficiou as empresas suas clientes do grupo do empreiteiro, prejudicando deliberadamente a M (…), conduzindo esta à insolvência, donde decorreram enormes prejuízos patrimoniais e não patrimoniais para os Autores, que se repercutiram nos seus filhos.
Concluem pedindo a condenação da Ré a: a) pagar ao Autor o montante, desde já liquido de € 3.059.086,20 e à Autora a verba de € 925.000, ambas com juros de mora desde a citação; b) entregar de imediato aos AA. o conjunto de bens móveis de que se viram desapossados, no valor estimado de € 45.000, que o Réu detém abusivamente; c) a anular o débito de € 713,67 que abusivamente lançou na conta à ordem daqueles.
O Banco Réu contesta alegando, em síntese: do que resulta da p.i., a Centro (…) é que terá violado os acordos celebrados com a M (…) e, em vez de reformar a letra de 787.935,05 €, não o fez, o que determinou que o Y (...) (banco descontante da letra) a tivesse apresentado a pagamento junto do banco R., onde estava domiciliada; a Centro (…) ter-se-á aproveitado do facto de ter recebido o valor da letra para violar os acordos com a M (...) , fazendo baixar o preço da compra e venda do empreendimento “Quinta da Z (...) e de duas moradias em Buarcos; como tal, teria sido a empresa futuramente compradora quem violara o acordo e deveria ter sido demandada, sendo o Banco Réu parte ilegítima; de qualquer modo, a M (…) beneficiou do desconto, uma vez que pagou uma dívida sem dinheiro para a pagar; a letra foi paga por um lapso informático, dado que num seu balcão de Coimbra persistia uma autorização para tanto e, ao ser detetado, foi cancelada a autorização em 10/3/2009, mas o Y (...) . recusou-se a anular a operação e a letra ficou paga; todavia, a situação foi resolvida no encontro de contas entre a P (…) e a M (…) tendo aquela pago ao X (...) o descoberto na conta da M (…) gerado pelo pagamento da letra e demais encargos, nenhum prejuízo tendo aquela com o pagamento a descoberto da letra; à data da dação em pagamento, 23.09.201, a dívida resultante do empréstimo para a aquisição de tal moradia ascendia a 503.250,57 €, sendo que a diferença entre o valor da dívida e o valor atribuído ao prédio (457.100,00 €) extinguiu a dívida; quanto às aplicações financeiras, o Banco R. concedeu dois empréstimos – um de 350.000,00 € e outro de 300.000,00 € – à M (…) e, simultaneamente, os AA. trouxeram para o Banco R. o dinheiro e adquiriram aplicações financeiras que, depois, ficaram a caucionar o bom cumprimento dos dois financiamentos de 350.000,00 € e de 300.000,00 €; relativamente a tais financiamentos, o A. marido ordenou a desmobilização das aplicações que o caucionavam e mandou pagar os respetivos financiamentos; as operações bancárias que fez são regulares, não havendo juros das aplicações de swap, dependentes da Euribor, cuja queda em fins de 2008 gerou perdas para a M (…), que entretanto recebera juros dos financiamentos, adiantados pelo réu e que seriam a cobrir mais tarde, tal não sucedendo, todavia, em resultado da queda continuada da Euribor; Conclui pela improcedência da ação.
Foi apresentada réplica pelos autores.
Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, condenando o Réu a ressarcir os Autores, pagando-lhes as seguintes verbas: a) Ao autor a quantia de € 218.338,81; b) À autora a quantia de € 83.214,34; acrescidas de juros de mora à taxa legal sobre cada uma daquelas quantias, desde a citação até integral pagamento.
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a devolver à sua custa, aos Autores, todos os bens móveis que retirou da anterior residência dos mesmos, designadamente os mencionados supra sob os nºs 130 e 134 da renumeração dos factos provados.
Absolvendo o Réu do demais pedido pelos Autores.
Não se conformando com a mesma, o Réu dela interpôs recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula[1]: (…) Os autores apresentam contra-alegações no sentido da manutenção do decidido.
Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo[2] –, as questões a decidir são unicamente as seguintes: 1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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Responsabilidade da ré pela diferença entre o valor de aquisição e o valor de cedência das aplicações financeiras.
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Condenação na diferença entre o valor estimado/presumido do prédio entregue em dação em cumprimento ao apelante e o valor atribuído à dação.
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Condenação na restituição dos 713,67 € cobrados a título de prémios de seguros.
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Montante da indemnização pela retirada dos bens móveis.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
(…) Manter-se-á, assim inalterada, a decisão sobre a matéria de facto.
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Subsunção dos factos ao direito.
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Matéria de Facto São os seguintes os factos dados como provados pelo tribunal a quo e que aqui se reproduzem parcialmente, na parte em que possam ter algum interesse para as questões objeto do presente recurso: 1. [A] Os AA. são casados entre si no regime da separação de bens.
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[B] Dessa união nasceram dois filhos, L (…) e A (…), respetivamente com 15 e 12 anos de idade.
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[C] O A. marido, fruto de anterior matrimónio, é pai de L (…), atualmente com 25 anos.
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[D] Os AA. eram os únicos sócios e gerentes da sociedade comercial por quotas que girava sob a firma “M (…), Lda., que teve a sua sede na Rua (...) , na Figueira da Foz, e cujo objecto social consistia na promoção imobiliária, indústria de construção civil, empreitadas particulares, urbanizações, conceção, edificação e exploração de empreendimentos turísticos e imobiliários, compra e venda de prédios rústicos e urbanos e revenda dos adquiridos para esse fim e arrendamento de imóveis - CAE 41200-R3.
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[E] Sendo o seu capital social de €1.000.000,00, distribuído na proporção de 70% para o A. marido e 30% para a A. mulher.
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[F] A referida sociedade foi declarada insolvente por sentença de 17/08/2011, transitada, no âmbito do processo nº 1891/11.5TBFIG do 1º Juízo deste Tribunal.
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[G] Na Assembleia de Credores a que alude o art. 156º do CIRE e realizada em 28/10/2011, não foi alcançada, conforme então proposto, percentagem de votos bastante a possibilitar a apresentação de plano de insolvência por...
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