Acórdão nº 422/13.7TBVIS-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Março de 2015
Magistrado Responsável | HENRIQUE ANTUNES |
Data da Resolução | 17 de Março de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.
Relatório.
Banco S…, SA promoveu, no 1º Juízo Cível da Comarca de Viseu – actualmente Instância Central, Secção de Execução, da Comarca de Viseu – por requerimento apresentado por via electrónica no dia 7 de Fevereiro de 2013[1], contra T…, Lda., a acção executiva para pagamento de quantia certa, para da última haver a quantia de € 498.765,00 e juros de mora, à taxa legal para juros comerciais, contados desde a data do vencimento das facturas, no valor de € 22.956,56.
Fundamentou esta pretensão executiva no facto de, em 2 de Maio de 2006, ter sido celebrado, entre E…, SA e T… – Instituição Financeira, SA – hoje Banco S…, SA – um contrato de factoring, nos termos do qual a primeira cedeu à segunda, todos os créditos resultantes de fornecimento dos seus produtos/serviços à executada, e de, em resultado de tal cessão, que a executada aceitou e reconheceu, ter passado a ser seu credor relativamente às facturas …, nos valores de € 298.890,00 e € 199.875,00, vencidas em 15 de Julho e 20 de Agosto de 2012, respectivamente, que, até à data, não foram pagas pela executada.
A executada opôs-se à execução pedindo a sua absolvição do pedido exequendo.
Alegou, como fundamento da oposição, que entre a exequente e a E… – aderente - foi celebrado um contrato de factoring com recurso, que foi convencionado entre as partes – factor e aderente – a contabilização dos créditos e débitos deste contrato em conta corrente, que legitimava o factor – exequente – a exigir o saldo devedor à aderente, só ela podendo dizer se aquele podia legitimamente reclamar um crédito, tanto sobre o aderente como sobre terceiro/devedor, que, além de não ter sido junta aquela conta corrente, não foi alegada aquela legitimidade por parte do factor, que existia um limite no montante dos adiantamentos que a exequente podia fazer à aderente, que não foi alegado se a exequente adiantou o financiamento à aderente, que peticiona um valor muito superior ao que poderia adiantar à aderente, desconhecendo-se se debitou esse valor à última e se esta pagou, e se a interpelou para pagar, pelo que os documentos apresentados pela exequente não consubstanciam título executivo, que o negócio celebrado entre a executada e cedente visava a aquisição de veículos pesados de mercadorias e prestação de serviços, sob a condição, que a cedente aceitou, de se vir a verificar um novo serviço com determinando cliente, condição que não veio a concretizar-se, pelo que comunicou à cedente que o negócio ficava sem efeito, facto que a última aceitou, não detendo, por isso, a exequente, qualquer crédito.
O exequente afirmou, em contestação, que a executada, em documentos, assinados por si, assume ser devedora das quantias de € 298.890,00 e de 199.875,00, documentos que, por importarem a constituição de uma obrigação pecuniária, cujo montante é determinado, constituem título executivo.
O despacho saneador concluiu, sem margem para dúvidas, que o exequente ofereceu dois títulos executivos recognitivos de obrigações pecuniárias, líquidas e exigíveis (a própria executa declarou nos títulos que reconhece a existência e a exigibilidade), em razão do que indeferiu a excepção invocada pela executada.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, a sentença final da causa – com fundamento designadamente, em que não se provou a tese da condição suspensiva, de cuja verificação ficou dependente a produção dos efeitos do negócio de compra e venda de veículos e prestação de serviço de assistência/manutenção de veículos, celebrado entre a executada e a E… – julgou totalmente improcedente a oposição.
É esta decisão, bem como a contida no despacho saneador, que a executada impugna no recurso ordinário de apelação – no qual pede a alteração, em conformidade, do despacho saneador e a sua absolvição do pedido executivo, ou, caso assim não se entenda, a alteração, em conformidade, daquela sentença, devendo a oposição julgar-se procedente, com a sua absolvição do pedido executivo e a declaração de extinção da execução – tendo rematado a sua alegação com estas conclusões: ...
O exequente concluiu, na resposta ao recurso, pela improcedência dele.
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Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
2.1. O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes termos: Factos provados: … 2.2. O decisor da 1ª instância, adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1., esta motivação: A resposta afirmativa aos pontos 1.º a 5.° da Base Instrutória (BI) é clara e não oferece polémica, estribada sobretudo nos documentos de fls. 92 (nota de débito) e 93 fatura), conjugados com os documentos de fls. 49 a 53 da execução (que, diga-se, não foram autuados pela ordem sequencial de folhas) e nos testemunhos de … Em suma, a oponente comprou à E… os veículos usados cujas matrículas constam da fatura de fls. 93. A E… assumia ainda a manutenção de tais veículos e da restante frota da oponente, a que corresponde a nota de débito de fls. 92. A aquisição de tais veículos tinha em vista transportes para países nórdicos. A oponente não consumou esse negócio de transportes com esse cliente.
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Fundamentos.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão – ou decisões - impugnadas que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, objectivo do recurso pode ser limitado, expressa ou tacitamente, pelo próprio recorrente, tanto requerimento de interposição como nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do nCPC)[2].
Maneira que, face à vinculação temática desta Relação ao conteúdo das decisões impugnadas e da alegação da recorrente, as duas questões que importa decidir são as de saber se: a) Os documentos que servem de base à execução são extrinsecamente exequíveis; b) A obrigação exequenda é intrinsecamente inexequível, por força de qualquer impeditivo ou extintivo, alegado pela executada, que exclua essa exequibilidade.
A resolução destes problemas vincula ao exame, ainda que breve, da condição da acção executiva representada pela exequibilidade extrínseca – que respeita à incorporação da pretensão num título executivo – e pela exequibilidade intrínseca, i.e., a subsistência de um dever de prestar, por ausência de qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito à prestação constitutivamente documentada naquele título.
Este último problema tem implícito um outro: o de error in iudicando, por erro na avaliação ou aferição das provas, dos enunciados de facto alegados pela recorrente relativos à condição que, de harmonia com a sua alegação, foi aposta ao contrato de compra e venda e prestação de serviços que concluiu com a cedente.
3.2.
Exequibilidade extrínseca da pretensão.
A acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (artºs 2, 4 nº 3 e 45 nº 1 do CPC de 1961).
A exequibilidade extrínseca da pretensão é atribuída pela incorporação da pretensão no título executivo, i.e., num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (artº 45 nº 1 do CPC de 1961) O título executivo é o documento da qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização da correspondente pretensão através de uma acção executiva. Este título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação[3].
O título executivo exerce, assim, desde logo, uma função constitutiva – dado que atribui exequibilidade a uma pretensão, permitindo que a correspondente prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal.
A acção executiva visa a realização coactiva de uma prestação ou de um seu equivalente pecuniário. A exequibilidade da pretensão, na qual se contém a faculdade de exigir a prestação, e, portanto, a possibilidade de realização coactiva desta prestação, deve resultar do título.
O título deve, portanto, incorporar o direito de execução, quer dizer o direito do credor de obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação.
Nestas condições não pode ser reconhecido valor executivo ao documento que não contenha, ao menos implicitamente, a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação e o correspondente dever de cumprimento. Para que possa ser usado como título executivo o documento deve incorporar o direito a uma prestação; quando isso não ocorre, nada há a prestar por um sujeito passivo e, por isso, nada há a executar.
Nos casos em que documento que serve de suporte ao accionamento executivo não incorpora a faculdade de exigir o cumprimento de uma prestação, o título correspondente é extrinsecamente inexequível.
A inexequibilidade extrínseca do título constitui idóneo fundamento de contestação da execução (artºs 814 a), 2ª parte, e 816 do CPC de 1961). Se for considerado procedente, esse fundamento traduz-se na falta de um pressuposto processual da execução, o que conduz à extinção da instância executiva bem como à caducidade de todos os efeitos produzidos...
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