Acórdão nº 73/14.9JALRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Fevereiro de 2015
Magistrado Responsável | ALICE SANTOS |
Data da Resolução | 04 de Fevereiro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra O Ministério Público, não se conformando com o despacho proferido pela Mma Juiz que indeferiu: - o pedido de solicitação à Meo da remessa de, todas as comunicações recebidas (chamadas, SMS e MMS), no período compreendido entre 22/12/2013 e a presente data (abrangendo expressamente o dia 19/3/2014 e demais períodos que já haviam sido judicialmente determinados), por referência aos MSISDN`s 967 203 786 e 967 997 896; a indicação do IMEI em que se encontrava a operar no dia 19/03/2014 o MSISDN 967 203 786 e as comunicações ocorridas (chamadas telefónicas, SMS`s e MMS`s efectuadas e recebidas) bem como a localização celular deste IMEI no período compreendido nos últimos seis meses, abrangendo expressamente a data de 19/03/2014; - o pedido de solicitação à Vodafone da remessa de, todas as comunicações recebidas (chamadas, SMS e MMS), no período compreendido entre 22/12/2013 e a presente data e as comunicações efectuadas entre 11/2/2014 e a presente data (abrangendo expressamente o dia 19/3/2014 e demais períodos que já haviam sido judicialmente determinados), por referência aos MSISDN`s 916 867 914: - o pedido de solicitação à A..., com sede na (...), Lisboa, da remessa de, todas as comunicações recebidas (chamadas, SMS e MMS), no período compreendido nos últimos seis meses, salvaguardando-se, com urgência, a data de 19/3/2014, por referência aos MSISDN`s 920 357 518, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões: 1º Nos presentes autos investiga-se a eventual prática de factos susceptíveis de serem qualificados como burla informática, p. e p. no art. 221°. n.º 1, do Código Penal, em concurso real com o crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo art.º 6.°, n.° 1 en.° 3 da Lei do Cibercrime.
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Por decisão de fls. 240 a 242-verso, indeferiu o Mmo. Juiz de Instrução 2. junto da Comarca de Leiria, indeferiu a promoção de fls. 230-233, onde se solicitava a obtenção de dados de tráfego relativo a comunicações de telemóveis.
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Existe discussão quanto a decisão do tribunal a quo, ao considerar que compete ao Ministério Público solicitar as informações pretendidas, não se justificando a intervenção do Juiz de Instrução Criminal.
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A informação solicitada a diversos operadores de telecomunicações de todas as chamadas, SMS's e MMS's, recebidas, num dado período temporal constituem dados de tráfego, já que permitem a identificação da fonte e destinatários de diversas comunicações, data, hora, duração, tipo de comunicação e identificação do equipamento de telecomunicação.
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Investigando-se, designadamente um crime de acesso ilegítimo, nos termos do art.º 6.°, n.ºs 1 e 3 da Lei do Cibercrime, é-lhe aplicável o regime especial de preservação, pesquisa, apreensão e intercessão de comunicações e à recolha de prova em suporte eletrónico, constante da mesma, mormente o art.º 18.º; VI. A decisão recorrida postergou em absoluto a aplicação do citado art.º 18.º da lei do cibercrime, pretendendo a aplicação dos art.°s 13.º a 15.º da referida Lei; VII. Os art.°s 13.° a 15.° da Lei do Cibercrime, não se aplicam a dados de tráfego: o artigo 13.°, conjugado com o art.º 12.° (preservação expedita de dados), refere-se ao pedido de preservação e conservação de dados, que deve ser efetuada pela autoridade judiciária competente, sob pena dos mesmos se perderem, alterarem-se, ou deixarem de estar disponíveis; o art.º 14.°, refere expressamente no seu n.° 4 que o referido artigo se aplica a "qualquer informação diferente dos dados relativos ao tráfego"; o art.º 15.º, por sua vez, refere-se a "dados informáticos específicos e determinados", não cabendo tal descrição, aos dados de tráfego solicitados pelo Ministério Público.
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Por aplicação do art.º 18.°, n.° 1, al. a), da Lei do Cibercrime, "é admissível o recurso à interceção de comunicações em processos relativos a crimes previstos na presente lei", aplicando-se quer à intercepção e o registo de transmissões de dados informáticos só podendo ser obtidos, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público (n.° 2 do citado normativo).
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Nos termos do n.° 3 do referido art.º 18.º da Lei do Cibercrime, a interceção pode destinar-se ao registo de dados relativos ao conteúdo das comunicações ou visar apenas a recolha e registo de dados de tráfego, como sucede in casu; X. Finalmente estabelece o art.º 18.º, n.° 4 da Lei do Cibercrime que, em tudo o que não for contrariado pelo referido artigo, à interceção e registo de transmissão de dados informáticos é aplicável o regime de interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas constantes dos art.°s 187.°, 188.° e 190.° do Código de Processo penal.
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A possibilidade de obtenção e junção aos autos destes dados de tráfego, e a sua validade está dependente da intervenção do Juiz de Instrução, conforme prescreve o art.º 190.° do Código do Processo Penal, aplicável ex vi, art.º 18.º, n.º 4, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, e que comina com nulidade a obtenção de prova fora dos requisitos previstos no art.º 187.º e 1 89.° do mesmo diploma legal, do citado art.º 18.º, n.º 2 da Lei do Cibercrime e ainda do art.º 34.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
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Só assim se cumpre a mens 1egis1atoris, e a coerência do sistema, ao atribuir-se ao "juiz das liberdades e garantias", poderes para decidir, através de uma ponderação dos interesses em jogo, decisão essa, subordinada aos princípios da proporcionalidade, da necessidade, da adequação e da subsidiariedade, que no caso se reputam existir.
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A decisão recorrida, salvo melhor entendimento, violou e interpretou de forma incorreta o disposto nos art.ºs 13.º a 15.º e 18.º da Lei n.º 109/2009, bem como art.°s 169.º, n.º 1, al. e), 187.°, 189.º, 2 e 190.º do Código Processo Penal.
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O Tribunal a quo, deveria ter interpretado o disposto nos supra citados preceitos legais no sentido de que os elementos pretendidos pelo Ministério Público, na promoção de fls. 230-233, dizem respeitos a dados de tráfegos e que a validade da sua obtenção e junção está dependente da autorização do Juiz de Instrução Criminal.
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A promoção do Ministério Público foi no sentido de se dar exequibilidade a anterior decisão judicial e não de colocar, nessa parte, novas questões.
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A nova reforma judicial não atribui poderes de sindicância ou de revisão não suscitada a Juiz de Instrução quando já foi judicialmente determinado o mesmo efeito e existiu defeito no cumprimento por operadora de...
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