Acórdão nº 77/13.9TBOLR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (…), CRL, instaurou, no Tribunal Judicial de Oleiros, a presente acção ordinária de impugnação pauliana contra IA (…) e mulher, MS (…) (1ºs Réus); IJ (…), menor, representado pelos seus pais, IM (…) e mulher, MJ (…) (2º Réu); LC (…) e marido, PA (…) (3ºs Réus); e M (…)S. A. (4ª Ré), pedindo que sejam declarados ineficazes em relação a si, as doações e vendas referidas nos art.ºs 29º a 38º da petição inicial (p. i.) e, consequentemente, que os Réus sejam condenados à restituição dos imóveis transaccionados na medida do interesse da A., para que esta os possa executar no património dos Réus adquirentes (donatário e compradores) por forma a obter a satisfação dos seus créditos, referidos nos art.ºs 14º e 19º a 24º da p. i., por cujo pagamento os 1ºs Réus são responsáveis, com as legais consequências relativamente ao registo.

Alegou, em síntese: em 30.5.2008, no exercício da sua actividade, concedeu um empréstimo no valor de € 860 000, pelo prazo de 15 anos, à J (…), Lda., na qualidade de mutuária, intervindo nesse negócio os 1ºs Réus, na qualidade de fiadores e principais pagadores, com renúncia ao benefício da excussão; para garantia do contrato e das obrigações acessórias, a “J (…) hipotecou o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de Castelo Branco sob o n.º 5882 da freguesia de Castelo Branco; apenas foram pagas algumas das prestações acordadas, a última das quais em 30.10.2008, ficando, nessa data, em dívida, a quantia de € 847 142,94, sendo que, entraram em mora na data do pagamento da prestação seguinte (30.11.2008), altura em que ficaram ainda em dívida juros remuneratórios, juros moratórios e despesas, tudo no montante total de € 1 022 827,80; instaurou então, para cobrança desses créditos, a acção executiva que corre termos com o n.º 56/10.8TBOLR e em que são executados os 1ºs Réus; foi também instaurado o processo de execução fiscal n.º 0604200901003275 que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, onde o prédio hipotecado foi vendido por € 516 000, tendo a A. recebido em 29.7.2010, na sequência de reclamação de créditos efectuada, a quantia de € 512 977,70, estando em dívida € 516 253,68 a essa mesma data, acrescida de juros de mora e despesas; os 1ºs Réus, em 13.7.2009, doaram ao 2º Réu, seu neto, com reserva de usufruto, o prédio urbano sito na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Oleiros, inscrito na matriz sob o artigo 749 da referida freguesia; o prédio rústico sito no lugar de Tojal da dita freguesia de (...), concelho de Oleiros, inscrito na matriz sob o artigo 2704 da mesma freguesia, e o prédio rústico, sito no lugar de Tojal da freguesia de (...), concelho de Oleiros, inscrito na matriz sob o artigo 2705 da mesma freguesia, sendo que, sobre o primeiro, se encontra já inscrito um arresto em 08.02.2010 para pagamento da quantia de € 60 694,65; nesse mesmo dia, doaram ao 2º Réu, com reserva de usufruto, o prédio rústico descrito na CRP de Castelo Branco sob o n.° 9 851 da freguesia de Castelo Branco, o prédio rústico, descrito na CRP de Castelo Branco sob o n.° 9 852 da freguesia de Castelo Branco, sendo que sobre o prédio descrito sob o n.º 9851 já incide uma penhora, registada em 2010.07.09, para pagamento da quantia de € 60 694,65 euros, e sobre o prédio descrito sob o n.° 9852 também já incide o registo de penhor, efectuado em 2010.07.09, para pagamento de quantia de € 60 694,65; no dia 28.8.2009 os 1ºs Réus doaram ao 2ª Réu, com reserva de usufruto, o prédio urbano sito no lugar de (...), freguesia e concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 14434, bem como o prédio urbano sito no lugar de (...), freguesia e concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 14435, prédios sobre os quais incidem arrestos e penhoras dos usufrutos; no dia 01.10.2009 os 1ºs Réus doaram ao 2º Réu, com reserva de usufruto, metade do prédio rústico descrito na CRP de Castelo Branco sob o n.º 6303 da freguesia de Castelo Branco; em 11.5.2010 os 1ºs Réus venderam aos 3ºs Réus metade do prédio urbano descrito na CRP de (...), sob o n.° 2396-A-3/19900416, sobre o qual já incide um arresto registado em 2009/11/12, para garantia do pagamento de € 60 694,65 euros; e em 23.6.2009 venderam os mesmos Réus à 4ª Ré o prédio urbano descrito na CRP de Oleiros sob o n.° 686-D da mesma freguesia; os 1ºs Réus desfizeram-se dos seus bens de maior valor, tornando impossível à A. obter a satisfação integral ou parcial dos seus créditos através da venda dos bens não alienados; os mencionados Réus tinham ainda consciência de que a garantia hipotecária concedida pela sociedade de que o 1º Réu era sócio e gerente não era suficiente para pagar à A. e que só através da venda do respectivo património era possível garantir o pagamento do crédito desta; sabiam que as doações causavam prejuízo à A.; nas escrituras de compra e venda quer vendedores, quer compradores, actuaram conscientes do prejuízo que causavam à A., com o intuito de evitar a cobrança dos créditos sobre os Réus, agindo com má fé e intenção de a prejudicar.

Os 3ºs Réus contestaram, por impugnação, alegando, em síntese: que a aquisição da fracção se deveu a um acordo celebrado na sequência da compra da mesma, em compropriedade, pelo contestante e pelo 1º Réu no âmbito de uma acção executiva na qual este era exequente, não tendo havido qualquer simulação, tendo passado, após a celebração do prévio contrato-promessa de compra e venda a usufruir de toda a fracção como proprietário; só em 20.11.2009, o 3º Réu teve conhecimento da situação financeira do 1º Réu, vindo a contrato de compra e venda referente à fracção a ser outorgado em 11.5.2010, na sequência da procedência dos embargos deduzidos ao arresto de metade da fracção ao 1º Réu; na sequência desse contrato, entrou no património dos 1ºs Réus a quantia correspondente à aquisição de metade da fracção, não tendo o respectivo património ficado diminuído. Terminam pedindo a sua absolvição do pedido.

A 4ª Ré também contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção, deduzindo excepção dilatória de incompetência territorial.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção dilatória de incompetência territorial; seleccionou-se a matéria de facto (assente e controvertida), objecto de reclamações, por parte da A. e dos 3ºs Réus, que foram desatendidas.

Na pendência da acção, os 1ºs Réus foram declarados insolventes, tendo a Sra. Administradora da Insolvência resolvido as doações feitas, o mesmo sucedendo com o contrato de compra e venda à 4ª Ré, encontrando-se os bens apreendidos à ordem da massa insolvente.

Por sua vez, a A. veio desistir dos pedidos formulados, à excepção da venda referida na al. a) do art.º 38º da p. i..

Nessa sequência e por despacho de 10.4.2013, foi julgada válida tal desistência, prosseguindo os autos para apreciação do pedido formulado contra os 1ºs e 3ºs Réus.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal julgou a acção procedente e, em consequência, declarou procedente a impugnação do contrato de compra e venda celebrado entre os 1ºs e 3ºs Réus, referido no art.º 38º al. a) da petição inicial, declarando o mesmo ineficaz em relação à A. para efeitos de poder executar o imóvel no património dos Réus compradores, na medida do necessário para obter a satisfação completa do seu crédito.

Inconformados e pugnando pela improcedência da acção, os 3ºs Réus interpuseram a presente apelação formulando as seguintes conclusões: (…) A A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar, principalmente, se existe, ou não, erro na apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido [problemática decisiva para o acerto (ou desacerto) da decisão de mérito]; concluindo-se pela sua inexistência, importará depois apreciar a questão do “abuso do direito”; por último, afirmado o exercício legítimo do direito da A., se é ainda possível a produção de prova sobre a situação patrimonial dos 1ºs Réus à data do negócio impugnado.

* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: a) A A. é uma instituição de crédito sob a forma de cooperativa, cujo objecto é o exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados, bem como a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária. (A) b) Escritura intitulada de “Mútuo com hipoteca, fiança e mandato”, e documento complementar, de 30.5.2008, entre a A., na qualidade de 1º outorgante, no exercício da actividade referida em II. 1. a), e os 1ºs Réus, JA (…)MF (…) e JM (…), na qualidade de 2ºs outorgantes, por si e na qualidade de únicos sócios e em representação da sociedade J (…), Lda., de fls. 31-48. (B) c) Na sequência do referido em II. 1. b), a sociedade J (…)Lda., representada pelos seus sócios gerentes, referidos em II. 1. b), subscreveram e entregaram à A. a proposta de crédito n.º 41316913, de fls. 51-52 do PP, para concessão do mútuo de € 860 000, a serem pagos em 180 prestações mensais, com vencimento da primeira prestação em 30.6.2008 e com vencimento de juros à taxa anual acordada, na base de 360 dias, que a essa data era de 7,7 % o ano, proposta que foi aceite pela A. no mesmo dia; a taxa de juro foi alterada para 7,875 % ao ano, desde 30.9.2008. (C) d) Na sequência do referido em II. 1. a) a c), a J (…)Lda., recebeu da A. a quantia de € 860 000, em 30.5.2008. (D) e) Na sequência do referido em II. 1. a) a d), foram pagas prestações até à prestação de 30.10.2008, ficando por pagar € 847 142,94, não tendo sido pagas as prestações de 30.11.2008 e...

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