Acórdão nº 208/08.0TBPNH.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Fevereiro de 2015
Magistrado Responsável | CARVALHO MARTINS |
Data da Resolução | 10 de Fevereiro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I - A Causa: R (…) e L (…), residentes (…), Coimbra, intentaram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra “J (...)” com sede em Santa Eufémia e “E (….), S.A” com sede na Rua (...), Lisboa, pedindo a condenação solidária das rés a pagar aos autores a quantia global de € 416.859,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude da morte, respectivamente, do seu marido e pai.
Alegam, para tanto, e em síntese, que no dia 7 de Novembro de 2004, F (…), foi para Santa-Eufêmia caçar, numa zona que incluía um terreno propriedade da ré Comissão J (...) (…) denominado “T (...)”, encontrando-se tal terreno afecto ao regime de caça livre.
Nesse dia, os seus companheiros acabaram por dar pela sua falta, e, tendo-se iniciado buscas foi encontrado no dia seguinte, no interior de um poço, envolto em vegetação e tapado por um manto de fetos, com uma profundidade de cerca de 8 metros, cheio de água, que não se encontrava tapado ou equipado com qualquer cobertura eficaz, mas antes encoberto pela vegetação e dificilmente detectável a olho nu.
Alegam ainda os autores que a morte se deveu a asfixia por afogamento, por ter caído no poço que, em violação do disposto no artigo 42º nº1 do DL 310/2002 de 18 de Dezembro, não se encontrava tapado.
Acrescentam que o poço era propriedade da Comissão J (...), mas havia servido a exploração mineira até 1982 ou 1984, sendo um anexo da mina de urânio para bombear água e que, aquando da entrega do terreno, deveria ter sido fechado com placa sólida.
Mais alegam que a mina para explorar urânio no terreno referido estava inicialmente a cargo da N (...) , seguindo-se-lhe depois a EE (...) , que foi integrada na E (...) , actualmente responsável pelas jazidas minerais.
Sustentam que o encerramento da exploração mineira não aconteceu, ou não teve a aprovação da tutela ministerial, pelo que não tendo havido tal encerramento homologado pela tutela, a exploração mineira continua ainda a pertencer actualmente à E (...) e integra-se em área incluída no projecto para medidas de recuperação ambiental nos termos do DL 198-A/2001 de 06/07, lançado no ano de 2007.
Entendem ainda os autores que, se a E (...) tivesse implementado o atempado encerramento com recuperação ambiental na zona onde estava o poço, não teria ocorrido o acidente, pelo que, nessa medida, é responsável pelo mesmo.
Por outro lado, acrescentam, que nem a proprietária, nem a entidade mineira impediram que aí se pudesse empreender o regime de caça livre, a primeira sabendo que a entrega da propriedade não fora devidamente homologada e a segunda que entregou sem o devido tratamento a que estava obrigado, pelo que são as duas rés responsáveis pelo facto ocorrido.
Alegam as consequências do acidente, designadamente em termos de danos cujo ressarcimento pretendem e concluem pela procedência da acção.
*** A ré “E (…), S.A” vem apresentar a sua contestação, nos termos de fls. 153 e ss., sustentando, em síntese, não ter qualquer responsabilidade pelo sucedido.
Alega não ser verdade o referido pelos autores, desde logo porque os terrenos arrendados pela Ex- N (...) à J (...) de (…) não abrangem o local onde se situa o poço, não se situando, sequer, este no prédio rústico que foi arrendado, conforme levantamento topográfico efectuado.
Mas ainda que assim fosse, nunca a E (...) teria qualquer responsabilidade, na medida em que, quando a Ex- N (...) cessou a exploração mineira subterrânea, passando as suas actividades a resumir-se à lixiviação estática a céu aberto e em velhos desmontes de antiga mina, pelo que em 1977 a EE (...) prosseguiu apenas com estas actividades que cessaram total e definitivamente no ano de 1982, não tendo o poço sido aberto por nenhuma delas.
Refere ainda que após 1982, a EE (...) procedeu aos trabalhos de segurança necessários antes do encerramento das minas e que a área arrendada foi restituída em 1984 à Comissão J (...), tendo esta declarado aceitar o imóvel na situação em que se encontrava, sendo certo que, ao contrário do referido pelos autores, a extinta EE (...) não carecia de aprovação ministerial para aprovação do plano de fecho da mina.
Por outro lado, alega que o poço em causa não era um anexo mineiro e ainda que, de uma ou outra forma, nunca a E (...) , por via de sucessão, poderia ser responsável pelo acidente ocorrido nos autos, dado que nunca foi integrada na EE (...) e à data em que foi efectuada a transmissão dos activos e passivos (2005) a EE (...) não era, sequer, responsável pela exploração mineira, sendo que as concessões de exploração mineira caducam com a extinção das concessionárias.
Alega também que apenas depois de ter sido regulamentada a recuperação ambiental das áreas mineiras degradadas, com o DL 198-A/2001, serviço público que foi atribuída à Exmin, S.A, hoje pertença da E (...) , a recuperação ambiental, não lhe podendo ser assacados ou imputados quaisquer danos, dado que se limita a recuperar zonas mineiras por cuja exploração não foi responsável.
Impugna os valores peticionados e conclui pela improcedência da acção no que a si concerne.
*** A ré “ J (...) (…)” apresentou na sua contestação, a fls. 217 e ss.
Reconhece ser proprietária do terreno em causa, mas desde 1965 e até à presente data deixou de ter o seu uso, bem como deixou de exercer qualquer utilização no prédio, dado que sempre serviu para a exploração mineira de Urânio, através do competente contrato celebrado com a então N (...) , segundo refere, actual E (...) .
Assim, nunca exerceu sobre o prédio qualquer acto próprio de proprietário e, mesmo depois do fim da exploração mineira, não tomou posse directa sobre o imóvel, dado que nunca existiu o acto de encerramento homologado pela tutela, continuando a exploração mineira a pertencer à entidade mineira, actualmente E (...) , sendo esta a entidade responsável pelas jazidas minerais, dado que aceitou todos os activos e passivos da EE (...) , com os correspondentes direitos e obrigações.
Acrescenta que, independentemente de ter ou não havido acto de homologação, a EE (...) deveria ter procedido à aplicação de todas as medidas de higiene e segurança, nomeadamente com vedação e sinalização de toda a área e, no caso dos poços, fecho das suas bocas, sendo sempre tal tratamento da responsabilidade do explorador.
Mais alega que os membros da Comissão J (...) desconheciam a existência do poço, sendo certo que, tendo os actuais membros sucedido àqueles que inicialmente cederam a exploração do terreno, sempre estariam convencidos de que, a existir um poço, teria o mesmo sido convenientemente tapado pela entidade mineira responsável.
Conclui pela sua ilegitimidade e, a não se entender assim, pelo improcedência da acção no que a si respeita.
*** Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que «Por tudo o exposto, decide-se: Julgar improcedente a presente acção e, em consequência: - Absolver a ré “ J (...) (…)” dos pedidos contra si deduzidos pelos autores R (…) e L (…) - Absolver a ré “E (…), SGPS, S.A” dos pedidos contra si deduzidos pelos autores, R (…) e L (…) Custas : Pelos autores».
- R (…) e L (…), AA.
nos autos em referência, intentados contra J (...) de (…), e E (….)S.A., não se conformando com a douta Sentença proferida em 17.06.2014 e notificada pelo oficio, com a Refª. do 488355 Citius, de 23/06/2014, que julgou improcedente a presente ação judicial, vieram interpor recurso de apelação, abrangendo a decisão da matéria de facto e a decisão da matéria de Direito, para o efeito alegando e concluindo que: (…) ** Legal e tempestivamente notificada, veio a recorrida E (…) SA, apresentar as suas contra-alegações, por sua vez concluindo que (…) II. Os Fundamentos: Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida: FACTOS PROVADOS » A autópsia médico-legal realizada concluiu que a morte de F (…) foi devida a asfixia mecânica com intromissão de água nas vias aéreas, ou seja, afogamento (alínea A) dos Factos Assentes).
» O terreno onde se situava o poço era, à data dos factos, propriedade da Comissão J (...) de (…) (alínea B) dos Factos Assentes).
» Desde 1965, até esta data, a 1ª R. deixou de ter uso, bem como deixou de exercer qualquer utilização no prédio referido em B) (alínea C) dos Factos Assentes).
» Por despacho proferido pelos serviços do Ministério Público, junto do Tribunal Judicial de Pinhel, no âmbito do processo de Inquérito com o NUIPC nº100/04.8 TBPNH, em 24.11.2007, foi arquivado o inquérito instaurado na sequência do óbito referido em A) - cfr. doc. de fls. 236 a 250 (alínea D) dos Factos Assentes) » Os membros da Comissão J (...) desconheciam a existência do poço, a quantidade e tipo de estruturas que existiam no terreno (alínea E) dos Factos Assentes).
» No dia 7 de Novembro de 2004, F (…) deslocou-se à localidade de Santa Eufémia – Pinhel, onde chegou por volta das 6:45 da manhã para se dedicar à caça (resposta ao facto 1º da base instrutória) » Titular da carta de caçador nº (...) e de licença de caça nº (...) caçava habitualmente com a arma de caça marca “Benelli” nº C478614, calibre 12 de um cano e carregamento automático a que corresponde o Livrete de Manifesto de Armas nº (...) (resposta ao facto 2º da base instrutória) » Terá iniciado a prática da caça por volta das 7:00 da manhã, com um grupo de amigos sendo habitual caçarem nessa Zona de Sta. Eufémia – Pinhel (resposta ao facto 3º da base instrutória).
» Zona que incluía um terreno propriedade da Comissão J (...) denominado “T (...)”, sito na freguesia do S (...) (resposta ao facto 4º da base instrutória).
» Tal terreno estava afecto ao regime de caça livre (resposta ao facto 5º da base instrutória).
» Pelas 9:15 do dia referido em 1. os companheiros de caça de F (…), que o acompanhavam, deram pela sua falta (resposta ao facto 6º da base instrutória).
» Após terem levado...
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