Acórdão nº 357/13.3TBTND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório

A… e cônjuge, M…; C… e cônjuge, S…; J… e cônjuge, O…, pediram ao Sr. Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, que condenasse M… e cônjuge, C…, e D… - esta na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu cônjuge - no reconhecimento da existência de uma servidão de passagem, a pé e de tractor, constituída por usucapião, a favor de indicados seus prédios, que onera o prédio dos demandados, e a absterem-se de praticar actos que impeçam ou dificultem a passagem para os seus prédios, e a condenação dos primeiros réus a tapar o buraco e a repor a servidão/caminho no estado em que se encontrava e, subsidiariamente, a declaração da constituição de uma servidão de passagem, a pé e de carro, por sobre os prédios dos demandados, com uma extensão de aproximadamente 86 metros de comprimento e um leito de, no mínimo, 2,50 metros de largura. Fundamentaram estas pretensões no facto de … Só os réus M… e cônjuge contestaram, por impugnação, invocando o desconhecimento dos factos alegados pelos autores como aquisitivos dos seus prédios e a falsidade dos factos relativos à constituição da servidão de passagem por usucapião, e afirmando que existe um caminho aberto nos seus prédios, aberto, há 15 anos, pelo madeireiro A…, que lhes pediu para fazer uma abertura no seu pinhal para retirar as árvores que comprou, abertura que foi feita a expensas daquele e que ficou para os réus para seu único e exclusivo uso, pedindo alguns dos autores, ao réu, de quando em vez, para passar pela abertura para os seus pinhais, e que os prédios dos autores têm acesso para a via pública através de um caminho de pé, com cerca de 80 cm, que se inicia naquela via e atravessa todos os prédios

Dispensada a realização da audiência prévia e enunciados os temas da prova, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento – com registo sonoro dos actos de prova levados a cabo oralmente – no âmbito da qual se procedeu à inspecção do local, tendo o Sr. Juiz de Direito constatado presencialmente, designadamente, que o buraco se encontra num local onde há sinais visíveis de um leito de passagem, que o trilho logo a seguir ao buraco tem uma largura de 2,40 cm e, ponto mais estreito, 1,90 m, que ao longo do percurso realizado constata-se a existência de um trilho com sinais de passagem não recente, que o trilho se prolonga para além dos prédios dos autores e réus, no sentido Janardo/Cabrieira, prolongamento que a partir do último dos prédios é pedonal

A sentença final da causa julgou a acção procedente

É esta sentença que os réus M… e cônjuge, impugnam através do recurso ordinário de apelação no qual pedem a revogação dela e a sua absolvição do reconhecimento da existência de uma servidão de pé e de carro ou tractor – tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões: … Na resposta ao recurso, os apelados concluíram, naturalmente, pela improcedência dele

Prevenindo a eventualidade do conhecimento do pedido subsidiário ou eventual – apreciação para a qual o processo fornece os necessários elementos – e apesar das questões a ele relativas já se mostrarem debatidas, com inteira suficiência, nos articulados e nas alegações de recurso, o Relator promoveu a audição prévia das partes sobre o ponto

2. Factos provados e não provados

… 2.3. O Sr. Juiz de Direito explanou, para justificar o julgamento referido em 2.1. e 2.2., designadamente, esta fundamentação: (…) Quanto à descrição do caminho no auto de inspeção ao local, cujo teor consta de fls. 127 e que permitiu ao tribunal fazer uma observação atenta, tendo em conta a orografia do terreno, verificar a existência ou não de outros acessos, com sinais de serem usados, e que fez constar em acta. Com efeito o local que é uma floresta de montanha, cujo solo tem uma forte inclinação, apenas permite que haja acesos de máquinas por caminhos diagonais aproveitando as curvas de nível. Não foi exibido pelos réus qual o caminho que dizem dar acesso aos prédios dos autores, em virtude de estes se situarem quase todos em faixas paralelas à estrada situando-se os prédios os réus junto à estrada e ao início do caminho descrito pelos autores. Por outro lado no depoimento das testemunhas: … 3. Fundamentos

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, objectivo do recurso pode ser limitado, expressa ou tacitamente, pelo próprio recorrente, tanto requerimento de interposição como nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do nCPC)

Os apelados deduziram, na instância de que provém o recurso, dois pedidos: um pedido principal – a declaração da existência de uma servidão de passagem, a pé e de tractor, com cerca de 86 metros de comprimento e 2,30 a 2,50 metros de largura, constituída, por usucapião, a favor dos seus prédios e que grava os dos apelantes e da demandada não contestante, e a condenação destes a abster-se de impedir a passagem e dos apelantes na reposição do caminho ao seu estado anterior; um pedido subsidiário – a constituição de uma servidão, a pé e de carro, com cerca de 86 metros de cumprimento e um leito de, no mínimo, 2,50 metros

O primeiro daqueles pedidos resolve-se, nitidamente, numa acção confessória, dado que os apelados pretendem afirmar contra os demandados um direito real menor de gozo – a servidão de passagem – que os últimos não aceitam. Esta acção – que não constitui entre nós uma acção real típica – sendo discutível se é mesmo uma acção real - resolve-se numa acção de simples apreciação positiva, que visa o reconhecimento judicial da existência do direito real menor alegado (artº 10 nºs 1, 2 e 3, a) do nCPC). O autor está vinculado ao ónus da prova do direito real - titularidade que é a única condição de procedência da acção. Prova que é semelhante à probatio diabolica: o autor tem de provar o facto aquisitivo respectivo, reconstituindo, se necessário, a cadeia de titulares anteriores até uma aquisição originária – excepto se puder invocar, ele mesmo, um facto aquisitivo originário – como, v.g., a usucapião; neste caso, tudo se reduz à demonstração do facto aduzido como aquisitivo do direito alegado na acção. Essa prova é feita nos termos gerais: se o autor não beneficiar de qualquer presunção – a fundada no registo ou na posse – tem de desenvolver a actividade probatória tendente à demonstração daquela titularidade (artºs 7 do Código de Registo Predial, 342 nºs 1 e 2, 350 nºs 1 e 2 e 1268 do Código Civil). Esta acção diferencia-se da acção de reivindicação dado que não envolve qualquer pedido de entrega da coisa: se se pedir essa entrega, a acção é de revindicação (artº 1311 do Código Civil)

Realmente, a acção de reivindicação, de nítida feição condenatória, compreende dois pedidos concomitantes – o pedido de reconhecimento de determinado direito; o pedido de entrega da coisa objecto desse direito – e a sua causa de pedir é o facto de que derive o direito real alegado (artº 1311 nº 1 do Código Civil e 581, nº 4, 2ª parte, do nCPC)[1]. Se limitadamente se pedir a declaração da existência do direito, quer porque já se tem a posse da coisa e se pretende o reconhecimento de que essa posse coincide com a titularidade do direito respectivo ou, porque não se tem a posse, e se pretende a declaração judicial do direito menor para poder iniciar ou retomar, de seguida o seu exercício – a acção é confessória e não de reivindicação

Constituída uma servidão positiva – como é, decerto, a servidão de passagem, de trânsito ou de acesso – o titular pode praticar certos actos – transitar, passar – correspondendo a esse direito, no proprietário do prédio serviente, a obrigação de não se opor a essa prática, de não a embaraçar: o que este último perde pela constituição da servidão é o direito de se opor a que o titular dela pratique determinados actos, de embaraçar o exercício da servidão. Por isso, quando se pede a declaração da existência daquele direito real menor e a condenação do demandado a não embaraçar o seu exercício, a acção é nitidamente uma actio confessoria

Já o pedido subsidiário – i.e., deduzido para a hipótese de não vingar o pedido principal – tem uma nítida feição constitutiva, tendo por objecto uma servidão coactiva – a servidão legal de passagem – resultante do exercício do direito potestativo que a lei reconhece, designadamente, ao proprietário de prédio encravado – absoluta ou relativamente – de impor a constituição da servidão sobre um ou mais prédios vizinhos, contanto que estes possibilitem a comunicação que falta àquele prédio para chegar à via pública (artºs 10 nºs 1, 2 e 3 c), do nCPC e 1550 do Código Civil)

Serve isto para dizer que, ao contrário do que sustentam os apelantes na sua alegação, os apelados não deduziram, na instância recorrida, um pedido alternativo – dado que as pretensões que formularam não dizem respeito a direitos e obrigações que por sua natureza ou origem são alternativos nem a direitos e obrigações que puderem resolver-se em alternativa – nem a tutela que requereram para o direito real menor de servidão de trânsito ou passagem alegado se resolve numa acção de reivindicação (artº 553 nº 1 do nCPC)

E como a sentença impugnada se limitou a julgar procedente o pedido principal – a declaração da existência daquele direito real menor adquirido por usucapião – temos por certo que não violou o princípio do dispositivo

De harmonia com princípio da disponibilidade privada sobre o objecto do processo – que é um corolário irrecusável do princípio do dispositivo – é às partes que incumbe a definição daquele objecto e a demonstração dos factos correspondentes. Deste modo cabe ao autor definir o pedido e descrever a respectiva causa petendi, não podendo o tribunal, como consequência daquele princípio, conhecer de pedido diverso do formulado ou de causa de pedir diferente da...

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