Acórdão nº 145/12.4TBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelFALC
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I - 1) – M… e mulher, G… intentaram, em 12/01/2012, no Tribunal Judicial de Pombal, acção declarativa, de condenação, com processo sumário, contra S… e mulher, R…, alegando, em síntese, que, sendo proprietários de um prédio urbano (onde têm a sua habitação), vedado em todo o seu redor, numa extensão aproximada de 58 metros de comprimento, com muro em alvenaria de 2,00 m de altura, bem como de um prédio rústico, com terra de regadio e um poço, os RR são donos de um prédio contíguo onde têm eucaliptos e ciprestes plantados e radicados no respectivo terreno, a menos de 20/30 metros daqueles prédios, bem assim como pinheiros, mato e silvas, o que, além de lhes causar a eles, ora AA, danos patrimoniais e morais, constitui, por si só, um sério risco e perigo para a sua integridade física e segurança.

Acresce que os RR, intencionalmente, vêm colocando terra junto da valeta, para não permitir a passagem por onde se faz o normal escoamento, pelo aqueduto ali existente, junto à estrada e à casa dos AA., terra essa que não permite a passagem das águas, que se vão acumulando e, subindo de nível, acabam por galgar a valeta e escorrer para o interior do prédio dos AA, provocando-lhes prejuízos, com o encharcamento do solo, nomeadamente, na zona da passagem e entrada da habitação.

Invocando, como fundamento “violação ilícita e culposa dos direitos de personalidade e, da propriedade, além de danos causados”, terminaram pedindo a condenação dos RR:

  1. A procederem ao arranque imediato de todos os eucaliptos e ciprestes plantados e radicados no terreno deles (RR), a menos de 30 metros dos prédios dos AA, identificados no art. 1º da p.i.; b) A procederem ao corte e à limpeza dos pinheiros, do mato, de arbustos existentes no mesmo terreno deles, ora RR, até, pelo menos, aquela distância; c) A removerem as terras colocadas junto à valeta pública, que impedem a livre e normal escorrência para o aqueduto, aí existente; d) A indemnizarem os AA dos danos patrimoniais e morais causados, no montante de € 5.000,00, acrescido do valor que se vier a liquidar em execução de sentença; e) A absterem-se, doravante, por qualquer forma lesarem os AA; f) Em sanção compulsória de € 50,00 diários, por incumprimento da decisão a proferir; g) Nas custas e procuradoria condigna.

    2) - Os RR, contestando, para além de se terem defendido por impugnação, invocaram quer a sua ilegitimidade, quer a dos AA, e deduziram reconvenção, Terminaram, pedindo, além do mais, a sua absolvição do pedido.

    3) - Respondendo, os Autores vieram pugnar pela improcedência da matéria de excepção e pela inadmissibilidade da reconvenção, mais pedindo a condenação do RR como litigantes de má fé.

    4) - No despacho saneador, proferido em 13/12/2012, decidiu-se: - Não admitir a reconvenção; - Fixar-se o valor da causa em € 10.000,02; - Julgar-se improcedente a excepcionada ilegitimidade, considerando AA e RR partes legítimas.

    Foram fixados os factos que se tinham já como assentes e foi elaborada a base instrutória; 5) - Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, veio a ter lugar, com gravação da prova, a audiência final, após o que, em 13/02/2014, foi proferida sentença, que, na parcial procedência da acção, absolvendo-os do demais peticionado, condenou os RR “a proceder ao arranque dos 8 eucaliptos que se encontram a menos de 20 metros do prédio rústico dos autores identificado no ponto 2 dos factos provados.

    ”.

    II - Inconformados com tal sentença, na parte que lhes foi desfavorável, os AA., no recurso que dela interpuseram - e que veio a ser recebido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - ofereceram, a finalizar a respectiva alegação, as seguintes conclusões: … III - a) - O Relator, no despacho de fls. 504, dizendo que aplicando-se o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho[1], se lhe afigurava que os Apelantes, na impugnação da matéria de facto, não haviam efectuado a indicação exigida pelo artº 640º, nº 2, a), desse Código, quanto às passagens da gravação, o que levaria rejeição do recurso, nessa parte, determinou a notificação das partes para que sobre isso se pronunciassem, querendo.

  2. - Os Apelantes vieram defender ter dado cabal cumprimento ao disposto no referido artº 640º, referindo, designadamente, que, para além da transcrição integral dos depoimentos em causa, tinham procedido, na fundamentação do recurso, “à própria transcrição integral dos excertos dos depoimentos tidos por relevantes”.

    Terminaram requerendo que o recurso fosse admitido também no que concerne à impugnação da matéria de facto.

    IV - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

    Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, no âmbito das normas correspondentes do direito processual pretérito, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B35863)[2].

    Assim, a questão que cumpre solucionar no presente recurso, para além da atinente à impugnação da matéria de facto, consiste em saber se, em face da factualidade que se tenha como provada, é de revogar a sentença na parte em que julgou a acção improcedente.

    V - Fundamentação:

    1. Os factos.

  3. - Na sentença da 1.ª Instância, no que respeita à decisão da matéria de facto, consignou-se: … b) - A impugnação da matéria de facto.

    Tendo a audiência de julgamento sido objecto de registo, através de gravação sonora (artº 155º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013), os AA, nas alegações do recurso que interpuseram dessa sentença, pediram, entre o mais, a reapreciação da matéria de facto, defendendo que os factos elencados na sentença, dados como não provados, sob os pontos os pontos 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10, 11), 12); 14) e 16), “deveriam receber resposta positiva de provado”.

    Para defender o pretendido quanto à matéria de facto, pugnaram pela correcta apreciação da prova produzida, designadamente, da prova pericial, dos “registos documentais, incluindo fotográfico”, bem como, da planta aérea, certificada pelo Instituto Geográfico Português”, assim como dos depoimentos das testemunhas … Desses depoimentos, cuja reapreciação requereram, os Apelantes juntaram a transcrição integral, com a alegação de recurso, tendo, no corpo desta alegação, reproduzido os trechos que entenderam relevantes para alcançar o apontado desiderato.

    Estabelece o artº 662º, nº 1, do NCPC, que a Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.

    Tendo-se procedido à gravação dos depoimentos prestados na audiência, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre matéria de facto é susceptível de ser alterada pela Relação, tendo, para esse efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, especificar, sob pena de rejeição, “Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (artº 640º, nº 1, a), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, a), do CPC), bem como “Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (artº 640º, nº 1, b), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, b), do CPC).

    Por outro lado, ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados - v.g., declarações das parte e dos peritos, e depoimentos das testemunhas -, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a), do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685-B do CPC).

    Por outro lado, sendo-lhe imprescindível fazer a indicação exata que se apontou e que mais abaixo se irá abordar em pormenor, importa, também, que o Recorrente, ofereça alegação que se mostre hábil a uma cabal impugnação da matéria de facto.

    Isto porque a alegação em causa tem de se alicerçar em erro que se aponte à convicção do Tribunal que determinou o sentido das respostas que este deu quanto à matéria de facto, sendo que uma tal alegação não se basta com a mera discordância do Apelante quanto ao facto de não terem sido atendidas as declarações das testemunhas de cujos depoimentos se serve para, no recurso, impugnar a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” quanto à matéria de facto.

    O erro que é mister o recorrente evidenciar ao proceder, em recurso, à impugnação da decisão da matéria de facto - saliente-se que estamos ainda no plano da alegação e não em sede de apreciação do mérito ou demérito do teor dos depoimentos para provocarem a alteração factual pretendida - é, note-se, o que enferma o processo valorativo do Tribunal “a quo” relativamente à prova produzida, não residindo, pois, na mera consequência dessa putativa deficiente valoração, que se traduz na circunstância de a(s) resposta(s) dada(s), ser(em) contrária(s) ou diversa(s), daquela(s) que o Recorrente defende merecer a base instrutória.

    Torna-se, pois, necessário, que o recorrente alegue um erro de valoração da prova escorado em fundamento que o evidencie, para que o Tribunal de recurso...

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