Acórdão nº 725/14.3TTCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Maio de 2015
Magistrado Responsável | AZEVEDO MENDES |
Data da Resolução | 21 de Maio de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
O Ministério Público veio instaurar acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 26º, nº 1, al. i), e 186º-K, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, ambos com as alterações introduzidas pela Lei nº 63/2013, de 27 de Agosto, contra a ré, pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a ré e A... , fixando-se a data do seu início desde em 2/09/2013.
A acção fundou-se em auto por “utilização indevida de contrato de prestação de serviços”, relativo à alegada trabalhadora, levantado no dia 11/06/2014 pela ACT. O Ministério Público alegou, em síntese, factos para sustentar o entendimento de que a actividade profissional por aquela desenvolvida para a ré assume todas as características de contrato de trabalho subordinado.
Citada a Ré, esta apresentou contestação, apresentando defesa por impugnação e sustentando que o contrato em causa é um contrato de prestação de serviço. Arguiu também a inconstitucionalidade das normas processuais que atribuem ao Ministério Público legitimidade para a acção desacompanhado pelo trabalhador, por violação dos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual, e suscitando por isso a incompetência material do tribunal.
Foi dado cumprimento ao disposto no art. 186.º-L n.º 4 do CPT, e a alegada trabalhadora constitui mandatário, mas sem apresentar articulado próprio.
Respondeu o Ministério Público à contestação da ré, invocando os mecanismos instituídos pela Lei nº 63/2013 de 27-08 para a salvaguarda de interesses supra individuais, na defesa do interesse público de conformidade entre as relações de facto e as relações jurídicas que incumbe ao Estado assegurar, como fundamento para a competência material atribuída à jurisdição laboral.
Em audiência realizada, presentes e representadas a ré e a alegada trabalhadora, estas conciliaram-se no sentido de considerarem estarem perante um contrato de prestação de serviços. O Ministério Público opôs-se à homologação do acordo naqueles termos e nesse sentido foi a decisão do tribunal da 1.ª instância Prosseguindo o processo, veio a ser proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, declarou que entre a ré e A... existe um contrato de trabalho, o qual vigora desde 2 de Setembro de 2013.
Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: […] O Ministério Público apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões: […] A Sr.ª juíza do tribunal a quo, perante a arguição de nulidade da sentença, sustentou que não se verifica a nulidade apontada pela apelante.
* II- FUNDAMENTAÇÃO A- Factos considerados como provados pela 1.ª instância.
Da decisão relativa à matéria de facto, foram considerados como provados os seguintes factos: […] B.
Apreciação.
É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma: - se a sentença recorrida padece de nulidade; - se as normas constantes dos artigos 26.º/1, alínea i) e 186.º-K a 186.º-O do CPT, na redacção dada pela Lei n.º 63/2013, se encontram feridas de inconstitucionalidade; - se ao não homologar a conciliação obtida entre a alegada trabalhadora e a apelante em sede de tentativa de conciliação que precedeu a audiência de julgamento, a sentença violou o disposto no art. 186.º-O do CPT; - se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada.
- se o vínculo contratual entre a ré e a alegada trabalhadora A... podia ou não ser qualificado como contrato de trabalho.
B.1. Quanto à questão da nulidade da sentença: A apelante defende que a sentença recorrida se encontra ferida de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, uma vez que não procedeu à apreciação da matéria de facto alegada nos artigos 17.º, 19.º a 21.º, 37.º, 39.º, 45.º, 59.º e 107.º da contestação.
A arguição teve lugar na forma imposta pelo artigo 77º, nº 1, do CPT – expressa e separadamente (“a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”).
A norma invocada (615.º, n.º 1, al. d), do CPCivil) prescreve que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
A invocação da nulidade em causa está limitada à omissão de pronúncia na sentença sobre “questões” colocadas, sendo estas as relativas à conjugação dos pontos essenciais de facto e de direito em que as partes baseiam as suas pretensões, na acção ou na defesa, e que sejam relevantes para essa apreciação.
Observada a sentença, na parte em que se reporta à decisão relativa à matéria de facto, podemos observar que o tribunal elencou expressamente determinados factos como provados e não provados e quanto aos demais referiu que à “restante factualidade alegada pelas partes não se responde por se tratar de matéria conclusiva ou de direito não atendível para a apreciação do mérito da causa”.
Não houve assim “omissão de pronúncia” quanto aos demais factos. Simplesmente o tribunal considerou que se tratava de matéria conclusiva ou de direito não atendível para a apreciação do mérito da causa.
Saber se assim ajuizou correctamente ou não é uma questão que se prende com um eventual erro de julgamento e não uma questão de omissão de pronúncia. O erro de julgamento poderá ser corrigido em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o meio próprio para obter a sua correcção, não o meio da invocação de nulidade da sentença como a apelante o pretende utilizar.
Deste modo, improcede a arguição de nulidade da sentença.
B.2. Quanto à questão da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 26.º/1, alínea i) e 186.º-K a 186.º-O do CPT, na redacção dada pela Lei n.º 63/2013: A apelante defende que as normas constantes dos artigos 26.º n.º 1, alínea i) e 186.º-K a 186.º-O do CPT, na redacção dada pela Lei n.º 63/2013, encontram-se feridas de inconstitucionalidade, por violação do princípio do Estado de Direito Democrático, do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança, da liberdade de escolha do género de trabalho, do direito de acção e do direito a tutela jurisdicional efectiva mediante processo equitativo, do direito a advogado, do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, da liberdade de iniciativa económica, do princípio da autonomia do Ministério Público e do princípio da igualdade, previstos, respectivamente, nos artigos 2.º, 47.º n.º 1, 20.º n.ºs 1 e 4, 20.º n.º 2, 26.º n.º 1, 27.º n.º 1, 61.º n.º 1, 219.º n.º 2 e 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Defende como pedra angular da sua argumentação que não pode identificar-se um interesse público na iniciativa desse tipo de acção.
Os Acórdão desta Relação vêm consistentemente a afirmar esse mesmo interesse público, salientando-se como os mais recentes os Ac. de 26/3/2015, proc. 848/14.9TTCBR.C1, e de 8/5/2015, proc. 859/14.4T8CTB.C1 (Relator: Ramalho Pinto), disponíveis em www.dgsi.pt.
Importa transcrever aqui, para melhor compreensão do que se irá expor, os arts 186.º- L a 186.º-O do CPT, aditados pela Lei nº 63/2013, de 27/8: «Artigo 186.º -L Petição inicial e contestação 1 — Na petição inicial, o Ministério Público expõe sucintamente a pretensão e os respetivos fundamentos, devendo juntar todos os elementos de prova recolhidos até ao momento.
2 — O empregador é citado para contestar no prazo de 10 dias.
3 — A petição inicial e a contestação não carecem de forma articulada, devendo ser apresentados em duplicado, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
4 — O duplicado da petição inicial e da contestação são remetidos ao trabalhador simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento, com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário.
Artigo 186.º -M Falta de contestação Se o empregador não contestar, o juiz profere, no prazo de 10 dias, decisão condenatória, a não ser que ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente.
Artigo 186.º -N Termos posteriores aos articulados 1 — Se a ação tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa.
2 — A audiência de julgamento realiza -se dentro de 30 dias, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 151.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
3 — As provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas.
Artigo 186.º -O Audiência de partes e julgamento 1 — Se o empregador e o trabalhador estiverem presentes ou representados, o juiz realiza a audiência de partes, procurando conciliá-los.
2 — Frustrando -se a conciliação, inicia -se imediatamente o julgamento, produzindo -se as provas que ao caso couberem.
3 — Não é motivo de adiamento a falta, ainda que justificada, de qualquer das partes ou dos seus mandatários.
4 — Quando as partes não tenham constituído mandatário judicial ou este não comparecer, a inquirição das testemunhas é efetuada pelo juiz.
5 — Se ao juiz parecer indispensável, para boa decisão da causa, que se proceda a alguma diligência suspende a audiência na altura que reputar mais conveniente e marca logo dia para a sua continuação, devendo o julgamento concluir -se dentro de 30 dias.
6 — Finda a produção de prova, pode cada um dos mandatários fazer uma breve alegação oral.
7 — A sentença, sucintamente fundamentada, é logo ditada para a ata.
8 — A sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral.
9 — A...
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