Acórdão nº 808/14.0TBCVL-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução01 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Face à simplicidade da questão e atento o que dispõe o art. 656 do Código de Processo Civil, passa-se a conhecer do recurso através de decisão singular.

Relatório No Tribunal da Comarca de Castelo Branco – Instância Local Cível da Covilhã - J1, o executado R... deduziu oposição à execução contra si movida pelo Banco P..., SA, invocando que interveio como avalista no mútuo celebrado entre o exequente e a sociedade R..., S.A., no âmbito do qual foi entregue ao exequente a livrança dada à execução como título executivo; em 21.12.2013, a sociedade R..., S.A. requereu, no Tribunal Judicial da Covilhã, um processo especial de revitalização, com o intuito de encetar negociações com os seus credores conducentes à sua revitalização económica e financeira, processo no âmbito do qual foi aprovado pelos credores um plano especial de revitalização, com vista à recuperação e viabilidade económica daquela, plano esse que contou com o voto favorável do exequente; no âmbito do plano especial de revitalização foi acordado que os créditos referentes a Bancos e outras Instituições Financeiras, onde se inclui o crédito do exequente, serão acordados nos seguintes termos: «Período de carência de capital de 24 meses contados a partir da data da decisão de homologação do presente plano de Revitalização; • Primeira prestação de capital 27 (24+3) meses após a data da decisão de homologação do presente plano de Revitalização (prestações postecipadas trimestrais de capital); • Primeira prestação de juros 6 meses após a data da decisão de homologação do presente plano de Revitalização Amortização dos montantes reconhecidos por um período de 10 anos, com amortizações variáveis trimestrais postecipadas Valor residual (Bullet) equivalente a 30% da total da dívida reconhecida; • Possibilidade de renegociar o valor residual a partir do último ano de amortização da dívida reconhecida; • Foi considerado o vencimento de juros, em função de uma taxa de juro variável, calculada através das taxas foward da Euribor a 3M e um spread de 3,5»; a sociedade R..., S.A. e o exequente acordaram ainda que as garantias anteriormente prestadas pela empresa e por terceiros manter-se-ão como garantia do cumprimento das novas obrigações decorrentes do presente Plano; o plano de recuperação foi homologado por sentença datada de 06.10.2014.; ao instaurar a presente execução contra o executado, o exequente violou o pacto de preenchimento da livrança, na medida em que ficou apenas autorizado a preencher a mesma pelo valor da dívida em caso de incumprimento da sociedade o que não se verifica; o preenchimento da livrança em branco com violação do pacto de preenchimento constitui preenchimento abusivo, gerando a nulidade da livrança e, em consequência, a inexequibilidade do título executivo; ainda que assim não se entenda, o procedimento do exequente constitui abuso de direito, pois que, ao votar favoravelmente um plano que prevê expressamente a alteração do prazo de pagamento da dívida e a manutenção das garantias prestadas, o exequente criou a legítima expectativa, quer da sociedade, quer do executado, de que não iria exigir o pagamento antecipado do financiamento.

O exequente deduziu contestação invocando que a obrigação do avalista é uma obrigação materialmente autónoma, ainda que formalmente dependente da obrigação do avalizado, sendo que a obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, razão pela qual o avalista não pode opor ao credor o pagamento da livrança, pese embora possa opor o preenchimento abusivo do título; a pendência do processo de insolvência e o plano de revitalização não constituem causa superveniente que torne inexigível a obrigação do avalista; não existe preenchimento abusivo da livrança, porquanto este pressupõe um preenchimento contrário a acordos realizados.

Considerando poder conhecer do mérito da causa no saneador o tribunal recorrido julgou a oposição à execução improcedente, por não provada, e, em consequência, decidiu absolver o exequente de tudo quanto contra si foi peticionado nestes autos.

Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso o oponente concluindo que: ...

O recorrido Banco Popular Portugal SA apresentou contra alegações nas quais defende que seja conformada sem alteração a decisão recorrida.

Cumpre decidir.

Fundamentação O tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: … … Além de delimitado pelo objecto da acção; pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

De harmonia com o despacho que admitiu o presente recurso ordinário de Apelação, por referência às conclusões nele expostas, o objecto deste remete, para a apreciação da validade e eficácia do Plano de Revitalização da executada, relativamente ao recorrente avalista e, ainda, para a configuração como abuso de direito da dedução de oposição por parte do exequente relativamente ao avalista quando esse mesmo exequente aprovou o plano de revitalização da avalizada.

Iniciando o estudo das questões enunciadas observamos que o ora recorrente interveio como avalista no mútuo celebrado entre o exequente e a sociedade R..., S.A., no âmbito do qual foi entregue ao exequente a livrança dada à execução como título executivo sendo que mais tarde, em 21.12.2013 esta sociedade requereu a sua Revitalização através de processo em tribunal, tendo sido aprovado um plano com vista à sua recuperação e viabilidade, que contou com o voto favorável do exequente.

Como refere Pedro Pais de Vasconcelos[1] “O aval é o negócio cambiário unilateral e abstracto que tem por conteúdo uma promessa de pagar e por função a garantia desse pagamento. O aval pode ser prestado por um terceiro ou por um signatário da letra, art. 30.º/2 LULL e tem de ser prestado a favor de um dos obrigados”.

Na previsão do normativo contido no art. 30 citado o avalista é sempre um terceiro, o qual pode, ou não ser interveniente na relação causal que serviu de base à emissão do título. Porém, esta eventual intervenção não significa que o avalista seja sujeito da relação jurídica existente entre o portador imediato e o subscritor da livrança, mas apenas o é da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o seu avalizado.

Esta distinção parece-nos importante porquanto nela se centra um dos argumentos do recorrente que pretendia que, como avalista, fosse considerado como interveniente no próprio mútuo que constitui a relação subjacente entre mutuante Banco P... e a mutuária R..., SA (subscritor da livrança), se bem que, como advertimos, em verdade, ele não pode ser considerado sujeito dessa relação jurídica de mútuo. Aliás para certificar esta distinção basta observar que com o seu aval ele não se torna sujeito dos direitos e das obrigações desse mútuo mas sim das que decorrem do contrato que ele mesmo firma, aí sim como sujeito, e que é o do aval[2]-[3].

O carácter autónomo das obrigações do avalista relativo à obrigação subjacente estabelecida entre o credor e o devedor por força de determinado negócio jurídico, não significa que a obrigação do avalista, em termos de extensão e conteúdo, não tenha que ser aferida pela do avalizado. Contudo, o que se afirma é que a obrigação do avalista, ainda que com essa relação referente à obrigação do devedor, vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade desta provier de um vício de forma (art. 32 da LULL)[4].

É neste sentido definidor que o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2013[5], ao discorrer sobre a figura, refere que o aval se consubstancia como “um acto pelo qual uma pessoa que não está obrigada por qualquer razão a pagar uma letra (ou outro título de crédito) aceita fazê-lo para garantir a responsabilidade de um dos obrigados, sacador, subscritor ou endossante. Parece, por outro lado, acertado conceber esta figura como um acto unilateral (de vontade não receptício) conferido por escrito na letra, ou em folha anexa a ela, vinculado a uma obrigação cartular formalmente válida, que converte quem a outorga, em responsável cambiário no pagamento do documento.” Tendo por referência tais considerações, o avalista não pode valer-se das excepções pessoais do avalizado (contrariamente ao...

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