Acórdão nº 3501/14.0T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelRAMALHO PINTO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: A...

instaurou a presente acção com processo comum contra Casa de Saúde (...), S.A, pedindo que: a- seja anulada a sanção disciplinar decidida e aplicada pela Ré à Autora de suspensão do trabalho pelo período de 20 dias úteis com perda de retribuição e antiguidade; b- seja declarada abusiva essa mesma sanção, nos termos e para os efeitos previstos no artº 331º, nº 1, al. b) e d) e nº 3 e 5 do CT, designadamente para efeitos de condenação da Ré no pagamento à Autora de indemnização não inferior a 10 vezes a retribuição perdida, o que se computa em € 5.030,00 (503,00 x 10); c- caso se não entenda abusiva a sanção disciplinar decidida e aplicada pela Ré à Autora, e improceda o pedido formulado em b) mas proceda o pedido formulado em a), requer-se a condenação da Ré no pagamento à Autora da importância de € 503,00, referente à perda de retribuição correspondente a 20 dias úteis.

d) seja a Ré condenada a pagar à Autora juros de mora à taxa legal sobre a referida importância desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento.

Para fundamentar os seus pedidos alegou, em síntese e tal como consta da sentença recorrida, que é trabalhadora da Ré desde 17 de Março de 1982, exercendo funções correspondentes à categoria profissional de cozinheira, classificada como cozinheira de 2ª.

Em 28 de Abril de 2014, no âmbito de processo disciplinar que lhe instaurou, a Ré aplicou à Autora a sanção disciplinar de suspensão do trabalho pelo período de vinte dias úteis, com perda de retribuição e antiguidade, a qual implicou a perda de retribuição no montante de € 503,00.

Contudo o relatório e a decisão proferida no processo disciplinar são nulos por violação do artº 357º do CT e a sanção aplicada é ilícita, por abusiva, nos termos do disposto no artº 331º, nº 1, al.s a), b) e d) do CT, ou sempre será ilícita por violar o princípio da proporcionalidade previsto no artº 330º do CT.

Efectivamente, na decisão final são dados como provados factos que não constavam da nota de culpa, sendo que na nota de culpa se referem a factos alegadamente praticados no dia 22 de Abril de 2014 e na decisão final referem-se factos alegadamente praticados a partir do dia 22 de Abril, pelo que a Autora não pôde exercer o seu direito de defesa quanto aos factos que constam da decisão final por não constarem da nota de culpa.

Por outro lado as funções que foram determinadas pela Ré configuram uma alteração substancial da posição laboral, não consentida e implicam uma desvalorização profissional e mudança para categoria profissional inferior, sendo certo que continua a existir trabalho para a Autora no seu posto de trabalho.

Assim, a ordem que foi dada à Autora é ilegítima, não se verificando os requisitos para a mobilidade funcional, pelo que inexistia qualquer dever de obediência da Autora às ordens em questão, motivo pelo qual a sanção que lhe foi aplicada é ilícita, para além de abusiva e desproporcional.

Na contestação que apresentou, a Ré pugnou pela inexistência de qualquer nulidade do processo disciplinar, sendo que a sanção se mostra adequada e proporcional aos factos praticados, porquanto se mostravam preenchidos os requisitos previstos no artº 120º do CT para a mobilidade funcional da Autora, pelo que a ordem que emitiu é legítima, à qual a Autora devia obediência, sendo que a sua desobediência à mesma é ilegítima e passível de sanção disciplinar.

Conclui assim pela validade e legitimidade da aplicação da sanção disciplinar e consequente improcedência da acção.

Instruída e julgada a causa foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver a Ré do pedido.

x Inconformada, veio a Autora interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: […] A Ré apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do julgado.

Foram colhidos os vistos legais, tendo a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer fundamentado no sentido da procedência do recurso.

x Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como questões em discussão: - se a sanção aplicada se baseou em factos não constantes da nota de culpa; - se é lícita a sanção disciplinar aplicada à Autora; - se essa sanção se mostra adequada à infracção e se tem a natureza de sanção abusiva.

x A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: […] X - o direito: - a primeira questão – se a sanção aplicada se baseou em factos não constantes da nota de culpa: Considera a recorrente que na nota de culpa não se imputava em nenhum lado e de todo à recorrente a não realização de trabalhos de limpeza nos quartos e andares superiores das instalações da recorrida após a realização da reunião com o Dr. C... ocorrida a 23/4/2014.

A este propósito escreveu-se na sentença recorrida: “No caso em apreço, a Ré instaurou procedimento disciplinar com vista ao despedimento com justa causa da Autora, pelo que apesar de, na sequência da instrução do processo ter vindo a aplicar à Autora sanção diversa do despedimento, na tramitação do respectivo processo encontrava-se obrigada a proceder em conformidade com o regime estabelecido para o despedimento da trabalhadora com invocação de justa causa regulado nos artºs 352º a 358º do CT.

Assim, exige a lei que o empregador elabore nota de culpa, estabelecendo o artº 353º, nº 1 do CT que “No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.” Exige-se, desta forma, que a nota de culpa delimite os comportamentos censuráveis ao trabalhador, passíveis de serem reapreciados judicialmente, quanto à sua gravidade e alcance, sendo que em sede judicial não podem ser aditados ou alterados os factos, sob pena de o trabalhador se ver confrontado com factos novos.

A nota de culpa deverá, dessa forma, descrever os factos enquadrando-os no seu contexto de tempo, modo e lugar, individualizando-os e especificando-os, para permitir ao trabalhador a sua refutação.

No entanto, como se refere no Ac. do STJ de 08-02-2001, no proc. 00S110 in www.dgsi.pt “Para garantir o direito de defesa do trabalhador a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada do tempo, lugar e modo da prática dos factos imputados ao trabalhador, mas tal não é necessário quando se mostre que o trabalhador compreendeu perfeitamente a acusação e dela se defendeu.” Por sua vez o artº 357º do CT, referindo-se aos requisitos da decisão disciplinar, dispõe nos seus nºs 4 e 5, que “Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no nº 3 do artº 351º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.” (nº4) e “A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito.” (nº 5).

Contudo, como se refere no Ac. do STJ de 17-12-2014, no proc. 1552/07.0TTLSB.S1, in www.dgsi.pt “ A desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão final que conclui pelo despedimento não conduz, de modo necessário, à declaração de invalidade de todo o procedimento disciplinar, cumprindo averiguar na economia de ambas as peças processuais, em que factos assenta tal desconformidade e em que medida eles se reflectem no direito de defesa do trabalhador. Detetada uma desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão de despedimento, com a identificação de factos novos de natureza não atenuativa da responsabilidade do trabalhador, a consequência a retirar é a impossibilidade de considerar esses factos na formulação do juízo da justa causa de despedimento. (…) Assim se afasta a possibilidade de o juízo de invalidade se estender a todo o procedimento, a menos, claro, na remota hipótese de a decisão de despedimento conter factos totalmente distintos, todos eles, dos invocados na nota de culpa.” Também no Ac. da RC de 18-10-2007, no proc. 555/06.6TTCBR.C1, in www.dgsi.pt se refere que «O facto da decisão final do procedimento disciplinar considerar factos não constantes da nota de culpa não gera a invalidade do procedimento disciplinar, sendo situação não integrada naquele elenco taxativo.» [o previsto no actual artº 382º, nº 2 do CT]. «A invocação de “factos novos” não constantes da nota de culpa torna ineficaz a declaração negocial de despedimento relativamente a eles próprios, mas não gera a invalidade do procedimento disciplinar.» (cfr. no mesmo sentido entre outros os Acs. da RP de 07-06-2010, no proc. 338/09.1TTBCL.A. P1, de 21-05-2012 no proc. 1212/09.7TTGMR.P1 e de 17- 06-2013 no proc. 422/12.4TTVNG.P1, todos in www.dgsi.pt).

Assim sendo, no caso em apreço, contrariamente ao defendido pela Autora, o facto de na decisão disciplinar constarem factos que não constavam da nota de culpa, não gera a invalidade ou nulidade do processo disciplinar, nem do relatório ou decisão final proferida, apenas tendo como consequência, caso se considere que se trata de factos novos a sua ineficácia e não atendibilidade dos mesmos para a formulação do juízo de existência de justa causa conducente à aplicação da concreta sanção disciplinar.

Contudo, no presente caso, pese embora da decisão final constem como provados factos que não estavam discriminados na nota de culpa, não pode considerar-se que se trate de factos novos sobre os quais a Autora não pôde exercer o contraditório e o seu direito de defesa.

Efectivamente, confrontando os factos que constam da nota de culpa com os constantes da decisão disciplinar que aplicou a sanção, verifica-se que os factos que constam da decisão disciplinar não constituem desconformidades com os factos que constavam da nota de culpa, apenas se encontrando os factos imputados à Autora mais detalhados e circunstanciados na...

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