Acórdão nº 1430/13.3TBFIG-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução16 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO Declarada a insolvência de T..., SA, requereu J..., credor da insolvente, a abertura do incidente de qualificação e, tendo imputado aos administradores da devedora condutas integradoras da previsão legal do art.º 186.º, n.ºs 2 e 3 do CIRE, propôs a qualificação da insolvência como culposa.

    O Sr. AI emitiu parecer nos termos do disposto no art.º 188.º, n.º 3, no sentido de que os administradores da insolvente, com a actuação que descreveu, i. criaram e agravaram passivos e prejuízos com a celebração de negócios ruinosos em seu proveito e no de pessoas (empresas) com eles especialmente relacionadas; ii. fizeram dos bens da devedora uso contrário aos interesses desta, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outras empresas nas quais têm interesse directo ou indirecto; iii. prosseguiram, no seu interesse pessoal ou de terceiros, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com uma grande probabilidade, a uma situação de insolvência; iv. deram sumiço a diversos bens da insolvente. Porque tais condutas preenchem a previsão típica das als. a), b), f) e g) do n.º 2 e ainda da al. a) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE, pronunciou-se no sentido da insolvência dever ser qualificada culposa, declaração que, em seu entender, deve afectar todos os administradores.

    Em idêntico sentido foi o parecer emitido pelo M.P..

    Citados, os requeridos P..., R... e H... deduziram oposição à qualificação proposta.

    Para o que ora releva, invocou o requerido P... que em Maio de 2010 foi contactado por M..., o então “proprietário” da insolvente, tendo tomado conhecimento de que esta se encontrava paralisada há cerca de 8 dias, em situação de total ruptura de tesouraria e sem acesso ao crédito, com dívidas à segurança social e aos trabalhadores, apresentando capitais próprios negativos em €115.052,19, em resultado dos resultados transitados no valor negativo de €1.317.716,54.

    Não obstante, interessou-se o oponente pela empresa insolvente, dado que gozava ainda de bom nome na praça, atenta a qualidade dos serviços que prestava, tendo aceitado o desafio de a recuperar. Com tal objectivo em mente, adquiriu em Maio de 2010 a totalidade de capital social da insolvente e constituiu um Conselho de Administração, presidido por si próprio, não tendo todavia conseguido implementar o plano de recuperação no imediato, uma vez que lhe foi descoberta doença grave, que obrigou a uma intervenção cirúrgica de urgência e subsequente período de convalescença. Ainda assim, subscreveu e realizou na íntegra um aumento de capital social no valor de €500.000,00 e financiou a empresa, por meio de contratos de suprimento, com uma quantia superior a €100.000,00. Apresentou-se ainda perante os credores, negociando novas formas de pagamento, tendo em alguns casos avalizado as dívidas.

    Por outro lado, sendo titular de participações de outras empresas que laboram no mesmo sector, tentou maximizar as sinergias entre elas, concedendo à insolvente, em alguns casos, linhas de crédito para poder continuar a manter as suas operações diárias, conseguindo, também por esta via, melhor a situação daquela.

    A partir do exercício fiscal e económico de 2011 encabeçou e aplicou o plano de reestruturação e redimensionamento da insolvente que tinha projectado, mas o mesmo foi afectado pelo aumento do preço dos combustíveis e pelo aumento do preço das portagens, com o inerente aumento de custos, que não foi compensado com o aumento das receitas, o que o levou a redimensionar a empresa e cortar nos custos, o que teve como consequência a redução no volume de negócios, ainda que acompanhada de diminuição do passivo. Procedeu também à alienação de parte da frota envelhecida da insolvente, que se encontrava amortizada, tendo estas alienações, realizadas a preços de mercado, contribuído positivamente para os seus resultados, na medida em que lhe permitiram liquidar as suas obrigações perante trabalhadores e credores em geral. Reconhecendo que tinha e tem interesses próprios em alguns dos compradores, sublinhou a inexistência de qualquer favorecimento, posto que os preços praticados foram rigorosamente os de mercado, tendo em atenção o estado das coisas.

    Mais alegou ter sempre actuado com honradez, movido pela intenção de recuperar a insolvente, e que, não obstante o falhanço do seu projecto, não teve qualquer benefício, mas apenas prejuízos, decorrentes do capital que investiu e das dívidas pelas quais irá responder enquanto garante.

    Sustentou que não criou nem agravou a situação de insolvência, a qual já existia quando iniciou as suas funções, esclarecendo que apenas se apresentou à insolvência em Junho de 2013 porque se os créditos por si detidos e avalizados fossem considerados como aporte de capital próprio, a situação da insolvente seria melhor que aquando do início do processo de reestruturação, rácio que apenas se alterou em 2013.

    Refutando ter actuado por qualquer modo em prejuízo da insolvente, concluiu que a insolvência deve ser qualificada como fortuita.

    Respondeu o credor requerente, mantendo quanto alegara inicialmente, mais imputando à requerida R... conduta processual merecedora de sanção, assim requerendo a condenação da mesma como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização a seu favor.

    Dispensada a realização da audiência prévia, foram saneados os autos, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, sem reclamação das partes.

    Teve depois lugar a realização da audiência de julgamento, que culminou com a prolação de sentença na qual, além do mais, tendo-se dado por preenchidas as als. a), d) e f) do n.º 2 e também a al. a) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE, foi a insolvência qualificada como culposa e considerado afectado por essa qualificação apenas o requerido P... Em consequência, foi decretada a sua inibição para a administração de patrimónios alheios e para o exercício do comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 3 anos, determinando-se a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo mesmo e condenando-o na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos, mais o condenando finalmente a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, correspondente ao valor dos créditos reconhecidos deduzido do montante que vier a ser pago no âmbito do processo da insolvência, até às forças do respectivo património.

    Inconformado com a decisão, apelou o requerido P... e, tendo desenvolvido em doutas alegações as razões da sua discordância, formulou a final as seguintes conclusões: ...

    Contra alegou o M.P. no sentido de ao recorrente estar vedado colocar em causa matéria que já havia sido, em momento anterior, considerada assente, caso dos factos constantes dos n.ºs 17 a 21, 27, 28 e 29 da sentença apelada, defendendo, quanto ao mais, o acerto da decisão.

    Questão prévia Da admissibilidade dos documentos agora oferecidos Com as alegações procedeu o apelante ao oferecimento de dois documentos, a saber: certidão emitida pela SS no dia 10 de Fevereiro de 2015, demonstrando ser a dívida a esta entidade inferior ao montante especificado no ponto 17. da sentença apelada, e cópia do despacho saneador e do destinado a identificar o objecto do litígio e enunciar os temas da prova a que alude o art.º 596.º do CPC proferido no apenso de verificação e graduação de créditos, cuja admissibilidade cabe, assim, decidir previamente.

    Destinando-se os documentos a fazer prova dos factos (vide o art.º 341.º do Código Civil), consoante se destinem à prova dos fundamentos da acção ou da defesa, assim devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, consoante dispõe o n.º 1 do art.º 423.º do CPC. No entanto, logo o n.º 2 do preceito prevê a possibilidade da junção até ao 20.º dia anterior à data em que se realize a audiência final (ficando embora a parte sujeita a condenação em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado respectivo).

    Fora do âmbito de aplicação do citado art.º 423.º, só nos casos escolhidos previstos no n.º 1 do art.º 651.º é permitido às partes juntar documentos às alegações. Tais situações excepcionais são, por força da remissão para o art.º 425.º, aquelas em que a junção dos documentos não foi possível até ao encerramento da discussão (por impossibilidade ou superveniência), ou ainda quando a sua apresentação se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

    No caso em apreço, e no que se refere ao primeiro documento que acompanha as alegações de recurso, não invocou o recorrente qualquer justificação para a sua apresentação neste momento processual, sendo certo que o obteve em data muito anterior à da realização da audiência. Acresce que, conforme vem sendo uniformemente entendido, a excepção consagrada na segunda parte do n.º 1 do art.º 651.º “pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o “thema decidendum”[1]. Tal é precisamente o que ocorre em relação aos factos visados demonstrar com a referida certidão, do que decorre a manifesta intempestividade do seu oferecimento.

    Já quanto à cópia do despacho proferido no apenso da verificação e graduação de créditos, atenta a data da sua prolação -posterior ao encerramento da audiência nestes autos, cumprido se mostra o requisito da superveniência, sendo certo que assume pertinência, termos em que se admite a sua junção.

    Atento o exposto, por claramente intempestivo o respectivo oferecimento, não se admite a certidão emitida pela SS, cujo desentranhamento e entrega se...

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