Acórdão nº 4704/14.2T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução08 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

J (…), nascido em 13.12.934, intentou, em 12.12.2002, contra M (…), A (…) e M (…) ação de investigação de paternidade, sob a forma de processo comum ordinário.

Pediu: Seja reconhecido como filho de A (…) já falecido, ordenando-se o necessário averbamento, no que respeita à paternidade e avoenga paterna, ao seu registo de nascimento.

Para tanto alegou, em síntese: Nasceu das relações sexuais havidas, em exclusividade, entre sua mãe, M (…), e A (…) Sendo que este sempre o tratou como se seu filho fosse.

Contestaram os Réus.

Por exceção disseram que o Autor nasceu em 13/12/1934 tendo atingido a maioridade em 13 de Dezembro de 1955, verificando-se, assim, o decurso do prazo de caducidade atento o disposto no artº1817º, nº1, do CC e o disposto no artº19º do DL 47344, de 25/11, concluindo ter caducado em 31 de Maio de 1968 o direito do A. propor a ação de investigação de paternidade.

Por impugnação alegaram não ser verdade que o A (…) se tivesse relacionado sexualmente com a Mãe do autor e que o tratasse como seu filho ou que se considerasse pai dele.

Replicou o autor.

Pugnando pela improcedência caducidade invocando para tanto o disposto no artº1817º, nº4 do CC.

Por despacho de fls.168 v. e 169 relegou-se para final o conhecimento da exceção de caducidade.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos com vicissitudes várias, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Por todo o exposto, julgo totalmente procedente por provada a presente acção e em consequência determino que o autor J (…) seja reconhecido como filho de A (…) para todos os legais efeitos, ordenando consequentemente o necessário averbamento no que respeita à paternidade e avoenga paterna, ao registo de nascimento do A.».

  2. Inconformados recorreram os réus.

    Rematando as suas alegações com as seguintes, sintetizadas, conclusões: (…) Contra alegou o autor pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: (…) 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica e metodologicamente, as seguintes: 1ª – Caducidade do direito de propor a ação.

    1. - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    2. – (Im)procedência da ação.

    4.1.

    Primeira questão.

    4.1.1.

    As razões justificativas dos institutos da prescrição e da caducidade, radicam na protecção da certeza e segurança do tráfico jurídico, da estabilidade das relações entre os membros da comunidade, por razões de garantia e de confiança necessárias ao desenvolvimento, progresso económico e paz social, na conveniência de se evitarem os riscos e inconvenientes de uma apreciação judicial a longa distância - principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos - e, ainda, no fito da proteção do devedor evitando-se a onerosidade excessiva decorrente da exigência do pagamento a longo prazo, procurando-se assim obstar a situações de ruína económica – Baptista Machado, RLJ, 117º, 205, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 452, e Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 107º, pág. 285.

    Numa outra perspetiva, pode dizer-se que o decurso dos prazos da prescrição ou da caducidade apresenta-se como uma reação ou sanção da ordem jurídica contra a inércia e o desinteresse do titular do direito, entendendo-se que ele já não pretende a sua tutela, considerando-se assim a ordem jurídica desobrigada de a prestar – cfr. Pessoa Jorge, ob. e loc. Cits e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1979, p.814 e sgs.

    É assim comummente entendido que, por via de regra, em caso de conflito entre a proteção dos objetivos e valores pretendidos com tais institutos, e a concretização de outro fito da aplicação do direito, qual seja, a realização da justiça material do caso, impõe-se o sacrifício da justiça perante a segurança, exceto nos casos em que a injustiça do direito positivo atinja um tão alto grau que a segurança deixe de representar algo de positivo em confronto com esse grau de violação da justiça – cfr. Batista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.55 e sgs. (neste último trecho citando Radbruch) e Oliveira Ascensão, in O Direito, ed, Gulbenkian, 2ª ed., p.165 e sgs e Ac. da Relação do Porto de 12.02.2008, dgsi.pt, p.0726212.

    Por outro lado, o quid essencial diferenciador das figuras da prescrição e da caducidade é o seguinte: A prescrição tem mais a ver com os direito subjetivos disponíveis propriamente ditos, pois que, e p. ex. não pode ser conhecida ex officio, é suscetível de renuncia e está sujeita a causas interruptivas e suspensivas.

    A caducidade reporta-se mais a razões objetivas ditadas pela tutela do interesse social de definição das situações a que respeita, pelo que, por via de regra, o seu prazo não se suspende nem se interrompe – artº 328º do CC.

    O momento para aferir da caducidade do direito e das normas que quanto a tal exceção se reportam e que têm de ser consideradas, é a data da prática do ato.

    E sendo certo que, se for o caso de sucessão de leis no tempo, a regra é ade que a lei só dispõe para o futuro.

    4.1.2.

    No caso vertente.

    4.1.2.1.

    Vista a petição inicial verifica-se que o autor fundou a sua pretensão em dois fundamentos ou duas causas de pedir: a procriação e a posse de estado.

    Esta cumulação não é despicienda para o efeito que nos ocupa, pois que o prazo de caducidade é diferente para cada uma das causas – artº 1817º nº1 e 4 do CC na redação então vigente à data da propositura da ação – 2002.

    Os réus disso se deram conta e invocaram a caducidade do direito do autor ao abrigo do disposto no nº1 do artº 1817º do CC, na redação naquele ano vigente, que apenas permitia a propositura da ação de investigação nos dois anos posteriores à maioridade do investigante.

    Destarte, consideraram que, tendo esta ocorrido em 1955, o autor, ao abrigo do disposto no artº 19º do DL 47334 que aprovou o atual CC, apenas poderia instaurar a ação até 31.05.1968.

    Quanto ao prazo concedido pelo nº4 do artº 1817º, entenderam que o mesmo não pode ser concedido, pois que o A (…) não tratou o autor como filho.

    Ora no despacho saneador, e versus o expendido na sentença ora recorrida com base em Acordão desta relação de fls. 175 e sgs. do apenso B), o juiz tomou posição quanto à caducidade relativa ao fundamento procriação.

    Pois que em tal despacho plasmou adrede: «nos termos do nº1 do artº 1817º do C. Civil… Tendo o autor atingido a maioridade em 1955, teria caducado o direito do autor em intentar esta ação se fosse aplicável o citado nº1 do artº 1817º.

    Porém, como refere o autor, o fundamento desta ação é o tratamento de filho que o pai dispensou ao longo da sua vida até à morte, sendo que a factualidade alegada para prova de tal fundamento foi impugnada.

    Esta factualidade constitui a exceção prevista no nº4 do citado artigo 1817º… A ser assim relega-se para decisão final o conhecimento da invocada exceção».

    Ou seja, o juiz considerou – mal, como se viu – que o autor apenas invocou como causa petendi, o tratamento como filho, e não já a procriação.

    Mas disse claramente que se tivesse sido invocada esta causa, o direito do autor estava prescrito.

    Mas essa causa foi invocada, como se viu.

    Pelo que, indireta e implicitamente, mas – que é o que interessa – em função do modo como o autor fundamentou a sua pretensão – ele pronunciou-se quanto à caducidade do direito do autor em instaurar a ação, tendo-a declarado.

    Urge aqui uma palavra para a problemática da declaração/decisão tácita ou implícita.

    Na verdade, tal como uma declaração negocial, também uma decisão ou um articulado da parte devem ser devidamente analisados e interpretados de sorte a que deles se retire o seu real e verdadeiro fundamento, sentido e fito.

    Nesta conformidade, o intérprete deve partir do texto e do seu sentido perfunctório, liminar e heurístico para, através de adequada hermenêutica jurídica alcançar o real e essencial pensamento, a ratio e teleologia do quid interpretando, pois que só assim se consecute a finalidade suprema a alcançar pela aplicação concreta do direito: a realização efetiva da justiça material – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 05.11.1998, p. 98B712 in dgsi.pt.

    Este vislumbre último pode não advir, desde logo e como é preferível, da letra da declaração adrede consignada, sendo pois, por vezes, necessário efetivar um esforço hermenéutico/exegético para o alcançar, máxime se aquele verdadeiro fundamento e finalidade se indiciarem tácitos ou implícitos.

    Ora: «A declaração negocial tácita deve deduzir-se de factos que com toda a probabilidade a revelem» -artigo 217.º, n.º 1 do CC.

    Assim: «a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido de auto regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade …A univocidade dos “facta concludentia” deve ser aferida por um critério prático que não de acordo com um critério estritamente lógico. Há que buscar um grau de probabilidade da vida da pessoa comum, de os factos serem praticados com determinado significado negocial.

    Já a autorização ou aceitação implícita não tem de se inferir de factos por inequivocamente se conter na declaração integrando-se na vontade que esta exprime» - Ac. do STJ de 01.07.2008, p. 08A1920 in dgsi.pt, citando Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed., 425.

    Neste sentido, ainda, e mutatis mutandis: «Transitada em julgado a decisão que negou o juízo de inconstitucionalidade relativamente à norma do nº 1 do art. 1817º do CC, na sua actual redacção …e prosseguindo a acção exclusivamente para apreciação da caducidade em função do decurso ou não do prazo adicional de 3 anos previsto no art. 1817º, nº 3, al. c) …está precludida a possibilidade de ser retomada a questão da inconstitucionalidade daquele primeiro normativo, ainda que com...

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