Acórdão nº 1893/11.1TJCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução22 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

Os réus, A... e cônjuge, M..., impugnam, através do recurso ordinário de apelação, a sentença do Sra. Juíza de Direito da Secção Cível da Instância Central da Comarca de Coimbra, que, do mesmo passo:

  1. Julgou procedente por provada, a acção que contra eles foi proposta por F... e cônjuge, M..., I... e cônjuge, C... e V...

    e os condenou: I)- a reconhecer que nenhum direito lhes assiste sobre o prédio urbano dos autores, bem como sobre o poço aí existente e as suas águas; II) - a reconhecer a propriedade plena dos autores sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial de Coimbra sob o artigo ...; III) - a não praticar qualquer acto que afecte a demarcação da propriedade dos autores mantendo intactas as paredes e muros divisórios, não procedendo à abertura de qualquer porta ou passagem para o prédio urbano ..., propriedade dos autores; IV) - a não utilizar a água do poço dos autores; V)- a não passar para e pelo prédio dos autores.

  2. Julgou improcedente, por não provado, o pedido reconvencional deduzido – a declaração de que os réus têm um direito real de servidão nos termos expostos – constituição de servidão voluntária de aqueduto por destinação do pai de família - e em reconhecimento de tal direito, deverão os autores respeitar futuramente esse direito, abstendo-se os mesmos de praticar qualquer acção que de algum modo limite ou obstaculize o direito de condução das águas pelo seu prédio com destino ao prédio dos réus – dele absolvendo os autores.

    Os recorrentes – que pedem no recurso a revogação do Douto Acórdão recorrido e a sua substituição por outro que declarada (sic) a existência da servidão permanente de águas e de passam (sic) pelo prédio do Recorrente – remataram a sua alegação com estas conclusões: ...

    1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

      O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes precisos termos: 2.1. Matéria de facto provada.

      ...

    2. Fundamentos.

      3.1.

      Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

      Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada, mesmo que só tacitamente, no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3, do nCPC).

      A sentença impugnada notou, com correcção, que a forma de tutela jurisdicional requerida pelos autores para o seu direito real de propriedade se resolve numa actio negatoria. A actio negatoria é, realmente, aquela que pode ser intentada pelo titular de um direito real maior contra aquele que se arroga a titularidade de um direito real menor e tem, como condições de procedência: que o autor seja titular do direito real invocado; que o demandado não prove que o direito real menor existe[1].

      Todavia, com essa actio negatoria, cruzou-se, no processo, por via de reconvenção, uma actio confessoria. A acção confessória - que à semelhança da acção negatória, não constitui, no nosso direito, uma acção real típica[2] - pode ser definida como aquela em que o autor ou o réu reconvinte pretende afirmar contra o réu ou contra o autor reconvindo, respectivamente, a existência de um direito real menor que o demandado não aceita. A acção confessória é uma acção de simples apreciação em que a causa de pedir é, para quem entenda tratar-se de uma acção real, o facto jurídico constitutivo do direito, ou, para quem sustenta entendimento diverso, a relação jurídica real (artº 581 nº 4 do nCPC).

      A prova do facto de que emerge o direito real menor cabe aquele que se arroga a titularidade dele. A prova exigível é semelhante à prova diabólica: desde que se invoca a titularidade de um direito real sobre a coisa, tem que se provar o acto aquisitivo correspondente, se necessário reconstituindo a cadeia de titulares anteriores até uma aquisição originária.

      De harmonia com o princípio – instrumental - do processo civil da disponibilidade privada das partes sobre o objecto do processo – que é um corolário do princípio do dispositivo - é aquelas que incumbe a definição desse objecto e a realização da prova dos respectivos factos. Maneira que é ao autor – ou ao réu reconvinte – que cabe definir o pedido e invocar a causa de pedir, não podendo o tribunal como consequência do funcionamento do princípio apontado, conhecer de pedido diverso do formulado ou de causa de pedir diferente da invocada (artºs 467 nº 1 d), 661 nº 1 e 664 nº 2, 2ª parte, do CPC de 1961, 5 nºs 1 e 2, 552 nº 1, d) e e), e 615 nº 1, d) do nCPC). Como complemente desta delimitação privada do objecto processual incumbe às partes a realização da prova dos factos incluídos nesse objecto (artº 342 nºs 1 e 2 do Código Civil).

      A pretensão material contida no pedido dos reconvintes, apelantes, o direito subjectivo que através dele afirmam é este: o direito real menor de servidão de aqueduto. Realmente, o que os apelados pediram, por via da reconvenção, foi a declaração de que são titulares do direito real de servidão de aqueduto e a condenação dos apelados numa obrigação negativa: a de se absterem de qualquer conduta que de algum modo limite o direito de condução, pelo seu prédio, das águas, com destino ao prédio dos apelantes. E, para aquele direito real menor de gozo, deram este fundamento ou esta causa de pedir: a destinação do pai de família.

      A essência da servidão de aqueduto consiste na condução de água através de prédio de outrem, no direito de conduzir água por prédio alheio para uso e utilidade de prédio próprio[3]. O facto que, porém, constitui a existência da servidão de aqueduto e pelo qual se limita o direito de propriedade é o cano ou rego condutor que atravessa prédios alheios, entendendo-se pelas palavras cano ou rego, qualquer meio por que a água seja conduzida através de prédio alheio, dado que é indiferente o modo pelo qual se faz a condução da água. Ao aqueduto como servidão, constituída em proveito de um prédio, aplicam-se os princípios gerais sobre servidões quanto à determinação da sua natureza jurídica e dos seus caracteres.

      Todavia, uma coisa é o direito de conduzir a água por prédio alheio – que determina a servidão de aqueduto – outra coisa é o direito à água conduzida. Realmente, a servidão de aqueduto não confere qualquer direito à água objecto da condução, embora o pressuponha[4].

      Como a lei considera as águas coisas imóveis, compreende-se que os respectivos títulos aquisitivos sejam os mesmos da aquisição da propriedade sobre imóveis ou da constituição de servidões (artº 204 nº 1 b) e 1390 nº 1 do Código Civil).

      O direito à água que nasce em prédio alheio tanto pode ser um direito ao uso pleno da água, sem qualquer limitação, como apenas um direito de a aproveitar noutro prédio, com a consequente restrição às necessidades desse prédio: no primeiro caso, o direito constituído sobre a água, é o direito real de propriedade; no segundo, é limitadamente um direito real menor de servidão[5].

      Assim, se se adquiriu o poder de dispor livremente da água que nasce em prédio alheio – ou o direito de a captar subterraneamente – constitui-se um direito de propriedade ou de compropriedade; se qualquer daqueles direitos está limitado às necessidades de um outro prédio, a figura será a da servidão[6].

      Sobre a água existente ou nascida noutro prédio podem, assim, constituir-se dois tipos de situações: o direito de propriedade, sempre que, desintegrando a água da propriedade superficiária, o seu titular possa usá-la, frui-la e dispor dela livremente; o direito de servidão quando, continuando a água a pertencer ao dono do solo, ou de outro prédio, se concede a terceiro a possibilidade de aproveitá-la, em função das necessidades de um prédio diferente[7].

      A conclusão de que se está perante um ou outro daqueles direitos reais está, pois, na dependência estrita do respectivo título aquisitivo: se o direito for estabelecido em benefício de determinado prédio, se o titular dele tiver apenas a faculdade de afectar o aproveitamento da água, na estrita medida das necessidades de outro prédio, o caso será de servidão. Entre ambos os direitos reais existe, evidentemente, uma profunda diferença tanto no seu conteúdo, como na sua extensão ou dimensão; no primeiro caso, há um direito pleno e, em princípio, ilimitado sobre a coisa, que envolve a possibilidade do mais amplo aproveitamento, ao serviço de qualquer fim, de todas as utilidades que a água possa prestar; o segundo confere o seu titular apenas a possibilidade de efectuar o tipo...

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