Acórdão nº 738/16.0T8ACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução04 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

E (…), S.A. apresentou-se a processo especial de revitalização.

Foi nomeado administrador judicial provisório tendo aquele junto oportunamente uma lista provisória de créditos.

A qual veio a ser convertida em lista definitiva a 2 de Maio de 2016.

O prazo de dois meses para conclusão das negociações foi prorrogado por um mês, mediante acordo prévio entre o administrador judicial provisório e a devedora tendo as mesmas terminado no dia 2 de Agosto de 2016.

Concluídas as negociações deu entrada no processo, no dia 4 de Agosto de 2016 (fl. 1000), um auto de abertura de votos relativo ao plano de revitalização datado de 2 de Agosto de 2016, do qual resulta que o plano foi votado favoravelmente por 75,68% dos créditos incondicionais constantes da mencionada lista de credores, dos quais apenas 5,59% dos créditos são subordinados, registando-se abstenções representativas de 2.007.826,71 € (de um total de créditos na ordem de 21.331.984,09 €) e votaram contra o plano proposto 24,32% dos créditos reconhecidos.

No que para o caso releva, a credora A (…), S.A (n.º 23 da lista de credores) veio por antecipação requerer a não homologação do plano de revitalização (fls. 615 e ss 1221 e ss).

Alegando, em suma, que o mesmo viola regras procedimentais não negligenciáveis.

Para tanto refere que o Sr. AJP reconheceu o credor F (…), n.º 46 da lista de credores, como sendo titular de créditos de natureza garantida e comuns quando deveria ter sido atribuído a estes últimos créditos a natureza de subordinados nos termos do art. 48.º al. a) e 49.º n.º 2, al a), do CIRE, por desde 24.07.2014 ser titular de 52,53% do capital social da devedora.

Do que decorre que os seus créditos no valor de 8.424.527,34 € influam decisivamente no quórum de aprovação deliberativo (art.17-D n.º 3 e 4 do CIRE), pois que, se os votos tivessem sido corretamente calculados, nomeadamente quanto à sua natureza, não se teria verificado a maioria prevista no art. 17.º-F, n.º3, al. a) do CIRE.

Mais expendeu que o plano viola normas aplicáveis ao seu conteúdo, em especial o disposto no art. 25.º da Segunda Diretiva do Capital, na medida em que restringe o direito de preferência dos acionistas na realização de novas entradas em dinheiro no aumento do capital da sociedade em detrimento de um terceiro não identificado, à revelia da assembleia geral de acionistas da devedora, o que no seu entender constitui condição suspensiva da aprovação do plano, em violação do disposto no art. 198.º n.º 5, 201.º e 215.º do CIRE e art. 458.º do Código das Sociedades Comerciais.

Em resposta a devedora opôs-se invocando: - (i) extemporaneidade da impugnação da natureza do crédito do credor n.º 46; (ii) a manutenção da aprovação do plano de revitalização e a falta de relevância da natureza atribuída aos créditos do credor n.º 46; (iii) o credor n.º 46 não é uma pessoa especialmente relacionada com a devedora para efeitos do art. 48.º al. a) e 49.º n.º 2 do CIRE; (iv) não aposição no plano de revitalização de nenhuma condição suspensiva que deva verificar-se antes da não homologação do plano de revitalização nos termos do art.201.º do CIRE; (v) que este consagre um aumento do capital social à revelia da assembleia geral da devedora e com supressão do direito de preferência dos seus atuais acionistas.

  1. A fls. 1799 foi proferida decisão na qual: I)Se julgou extemporânea a impugnação da lista provisória de credores que foi apresentada pela A (…), S.A.

    II) Se considerou constituir verdadeira condição suspensiva do plano o aí previsto e aprovado aumento do capital social da devedora, por novas entradas em dinheiro e sua imediata subscrição no valor de €200.000,00, ordenando a convocação de uma assembleia geral de acionistas com vista a tal deliberação, a realizar no prazo máximo de 30 dias, sob pena de não homologação do plano.

    Inconformada recorreu a requerente A (…) no que tange ao primeiro segmento decisório.

    Posteriormente, e dando cumprimento ao ordenado no segundo segmento, a devedora informou ter realizado o aumento do capital social previsto no plano de recuperação, juntando cópia da ata da assembleia geral de acionistas, realizada a 21/12/2016 para o efeito.

    Tal assembleia geral de 21/12/2016 assumiu a modalidade de assembleia universal (artigo 54.º do Código das Sociedades Comerciais – que permite a reunião em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, desde que todos os sócios estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto).

    E tendo reunido com a presença de uma única acionista, representativa da totalidade do capital social.

    Pois que em 15/12/2016 foi registada uma redução de capital, no montante de €73.413,00, por amortização de ações da A (…). com base em deliberação de 12/12/2016.

    A credora A (…), sócia da devedora à data da prolação do despacho de fls. 1799 e ss informou não ter tomado parte na assembleia geral de 21/12/2016, da qual não teve conhecimento e que foi irregularmente convocada.

    E que, por isso, instaurou procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, a correr termos sob o n.º 32/17.0T8ACB pela 2.ª Secção do Juízo de Comércio de Alcobaça.

    Mais disse que a amortização da totalidade das ações por si detidas na devedora traduz uma alteração subjetiva superveniente na própria estrutura societária que não é indiferente para os credores e com forte implicação no processo especial de revitalização, comprometendo o potencial de viabilidade do plano de recuperação proposto pela devedora e votado pelos credores.

    Também com esse fundamento requereu seja recusada a homologação do plano de recuperação.

    Em resposta, a devedora veio esclarecer que a assembleia geral do passado dia 12/12/2016 foi regularmente convocada, nos termos legais e estatutários aplicáveis, tendo deliberado a amortização das ações da acionista «A (…)» com base no disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea i) dos Estatutos da devedora em vigor à data de tal deliberação, aprovados pela «A (…), que permitia a amortização de ações, independentemente do consentimento dos respetivos titulares, nos casos de insolvência do titular.

    Seguidamente foi proferida decisão que homologou o plano de recuperação.

  2. Mais uma vez inconformada com esta decisão, recorreu a credora A (…) E não apenas da decisão de homologação, mas ainda, à cautela, e para o caso de se entender que o recurso da decisão de extemporaneidade de impugnação da natureza do crédito do F (…) apenas poderia ser interposto a final com o recurso da decisão de homologação, outrossim recorreu daquela decisão.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) - DO RECURDO DO DESPACHO DE 06.01.2017 (…) Contra alegou a devedora pugnando pela manutenção do decidido.

  3. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª - Alteração da natureza dos créditos do credor Fundo (…) de garantidos e comuns, para subordinados, nos termos do artigo 48.º, alínea a), e 49.º, n.º 2, al. a), do CIRE.

    1. – Não homologação do plano por alteração da estrutura subjetiva societária da devedora.

  4. Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra.

  5. Apreciando.

    6.1.

    Primeira questão.

    6.1.1.

    A ratio e teleologia do CIRE, na sua redação matricial, qual seja a liquidação imediata do seu património do devedor com a satisfação dos direitos e interesses dos credores, na mais ampla perspetiva, deu lugar, com a alteração ao processo de insolvência, introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, que aditou as normas reguladoras do PER, a que o fito primeiro e fulcral do processo de insolvência, passasse a ser a recuperação do devedor.

    Assim, o objetivo do legislador do CIRE, na sua redação inicial, de desjudicializar o processo e perspetivar este, essencialmente, como um processo em que aos interessados é facultada a possibilidade de modelarem as suas pretensões, parece ter-se acentuado.

    Efetivamente, e como dimana dos seus preceitos atinentes – artº 17º A e segs -, todo o processo do PER, ainda que com intervenção, ativa e atual, do Sr. administrador judicial provisório e uma fiscalização, mais a posteriori, do Juiz, assume-se e consubstancia-se, na sua vertente material ou substancial, como uma negociação entre devedor e credores.

    Por conseguinte, é evidente que os princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade assumem uma importância acrescida.

    Ou, noutra perspetiva: «Nesses normativos ( artigos 17º-A a 17º-I do CIRE) veio-se a consagrar dois processos especialíssimos, urgentes, antecipatórios do estado de insolvência do devedor, com vista à sua obstaculização: o primeiro, prevenido nos artigos 17º-A a 17º-H, destinado à obtenção de um acordo entre o devedor e os credores, com vista à sua conclusão para recuperação daquele; o segundo, prevenido no artigo 17º-I, é o processo que visa a homologação do acordo havido entre o devedor e os credores extrajudicialmente… A estrutura destes dois processos é híbrida (hibrid procedures do direito inglês), porque fazendo apelo à autonomia privada do devedor e dos credores, deixa-lhes uma grande margem de manobra, com vista à composição dos respectivos interesses, embora sempre pautados pelos princípios orientadores, maxime, da boa fé, da cooperação, da igualdade e da transparência...- Ac. do STJ de 19.04.2016, p.

    7543/14.7T8SNT.L1.S1.

    (sublinhado nosso).

    6.1.2.

    Na verdade, toda a essência do normativo atinente ao PER demonstra a celeridade que se pretende ver incutida no seu processado.

    Assim: Artigo 17.º-C Requerimento e formalidades 1 - O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.

    2 - A...

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