Acórdão nº 1583/16.9T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelALICE SANTOS
Data da Resolução26 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.

A... , por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária foi-lhe aplicada a sanção acessória de inibição de condução pelo período de 30 dias que se suspendeu pelo período de 180 dias, não condicionada a prestação de boa conduta, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artsº 27º, nº 2, al a)-2, , artº 28º nº 5 e 138º e 145º, al c) todos do Código da Estrada.

Impugnou tal decisão junto do Tribunal Judicial da Guarda.

Recebidos os autos no Tribunal Judicial da Guarda e proferido despacho ao abrigo do disposto no artº 64º nº 1 e 2 do DL nº 433/82 de 27/10 foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso e, em consequência, manteve na íntegra a decisão administrativa recorrida.

Inconformado, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação: 1. A decisão administrativa de fls. aplicou ao Recorrente uma sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspensa na sua execução por um período de 180 dias, tendo o MM. Juiz “A QUO”, proferido despacho a fls., mantendo a decisão administrativa nos seus exactos termos.

2. Decisão que ora se impugna, já que se considera que i) a sentença padece de erro notório na apreciação da prova; ii) insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; iii) a sentença viola o princípio da pessoalidade das penas.

3.

Do erro notório na apreciação da prova: Considerou o MM. Juiz “A QUO” não se ter dado como provado que: “a) o condutor do veículo nas circunstâncias descritas acima não era o Recorrente/Arguido; b) à data dos factos o Recorrente/Arguido se encontrava nos Estados Unidos da América; c) o Recorrente/Arguido tenha viajado para o Estados Unidos da América no dia 13 de Janeiro de 2014 e apenas tenha regressado a Portugal no dia 1 de Maio de 2014.” Consideramos que da leitura e observação da prova documental junta, i.e. do passaporte em conjugação com os bilhetes de avião resulta indubitavelmente que o Recorrido A... foi para os EUA em 13/01/2014 (data constante do carimbo de entrada nos EUA aposto no passaporte), apenas tendo regressado a Portugal no dia 1 de Maio de 2014, pelo que, não poderia estar no dia 24 de Março de 2014, na cidade da Guarda. Pelo que, deveria ter sido dado como provado que: “c) o Recorrente/Arguido tenha viajado para o Estados Unidos da América no dia 13 de Janeiro de 2014 e apenas tenha regressado a Portugal no dia 1 de Maio de 2014.

” E, consequentemente que, “a) o condutor do veículo nas circunstâncias descritas acima não era o Recorrente/Arguido; b) à data dos factos o Recorrente/Arguido se encontrava nos Estados Unidos da América..

” 4.

Existe assim, segundo cremos, um erro notório na apreciação da prova, conducente às alterações dos factos provados sendo certo que o passaporte é elemento essencial para um cidadão português, como é o caso do Recorrente, entrar legalmente em território dos Estados Unidos da América.

5.

Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada: Não resultou provado que o condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula (...) 62, no dia 24 de Março de 2014, pelas 8:26, na VIGEC, na cidade da Guarda, fosse o Recorrente, sendo certo que apenas foi dado como provado que era o Recorrente o proprietário do veículo.

6. Face ao exposto, consideramos não serem insuficientes os factos provados para que se possa concluir pela manutenção da decisão da autoridade administrativa, designadamente na condenação do Arguido/Recorrente sendo claro que da sentença recorrida não é possível recolher elementos que permitam formular um juízo seguro de condenação.

7. .

Da violação do princípio da pessoalidade das penas: Considerou o MM.º Juiz “A Quo” que “ainda que o Recorrente tivesse provado que não foi ele o condutor do veículo no momento dos factos, ainda assim a decisão de recurso seria exactamente a mesma, no sentido da sua improcedência.” Acrescentando que, “(…) neste tipo de casos impõe-se que o recorrente alegue e prove não só que não foi o próprio que conduziu o veículo no momento dos factos, como também impõe que se alegue e prove que o real condutor foi outra determinada pessoa que seja concretamente identificada. (…)” e ainda que “esta mera ausência de identificação por parte do recorrente da pessoa que tinha sido o alegado e real condutor, por si só, logo levaria (como leva) à improcedência do presente recurso”.

Tal afigura-se-nos como uma clara violação do princípio da pessoalidade das penas pois o n.º 2, do art. 171.º do Código da Estrada, não pretende mais do que consagrar um pressuposto processual de legitimidade passiva do proprietário do veículo, baseando-se na presunção natural de que se o proprietário não indica quem conduzia o veículo no momento da prática da contraordenação é porque era ele mesmo a conduzi-lo. Todavia, parece-nos ilegítimo partir-se daí para se derrogar o princípio da pessoalidade das penas. Pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 27/04/2009, proc. 897/08-1 que, “apesar de se aceitar que o direito contraordenacional e o direito penal constituem ramos de direito autónomos e que há entre eles uma diferente natureza, também é certo que, por ora, é no direito penal que o direito contraordenacional tem encontrado as bases de onde a sua própria autonomia se tem vindo e continuará a ir-se progressivamente afirmando. É assim que os artigos 32.º e 41.º, ambos do Decreto-Lei n.º433/82, de 27 de Outubro (DL 433/82), estabelecem, respectivamente, que o Código Penal e Código de Processo Penal são diplomas de aplicação subsidiária ao Regime Geral da Contraordenações.

Pode, sem receio, afirmar-se que o direito de mera ordenação social é, como o direito penal, um direito do facto – do facto e do seu autor – assente, além do mais, nos princípios da tipicidade, da ilicitude e da culpa. Só pode ser punido quem praticar um facto legalmente tipificado, com dolo ou, no caso especialmente previstos, com culpa. (…)” 8. Também Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, em nota ao art. 7.º do DL 433/82, consignam o seguinte: “ 2- A legislação penal portuguesa consagra o princípio da individualidade da responsabilidade criminal (art. 11.° do Código Penal), o qual, aliado ao princípio da intransmissibilidade (art. 30.º, n.º 3 da Constituição e 127.° do Código Penal), conforma o princípio da pessoalidade das penas.” 9. Acresce que, como consta dos autos, o Recorrente não indicou a pessoa que no dia, hora e local dos factos conduzia efetivamente o veículo uma vez que estando o Recorrente ausente nos EUA e o seu veículo em Portugal, não lhe é possível saber quem de facto era o condutor.

10. Ao não se dar como provado que quem conduzia o automóvel era o Recorrente, está inviabilizada a possibilidade de ao mesmo ser aplicada uma sanção acessória de inibição de conduzir, uma vez que isso corresponderia a responsabilizar objectivamente o Recorrente por uma conduta que não cometeu, mediante um nexo de imputação...

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