Acórdão nº 238/17.1YRCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução08 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na 4ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra: I 1.

No processo supra identificado, vem a Srª Juíza A..., a exercer funções no Juízo de Competência Genérica da Lousã, Juiz 2, da Comarca de Coimbra, suscitar o incidente de escusa para intervir/proceder ao julgamento nos presentes autos, invocando para o efeito os seguintes fundamentos: “O Processo Comum Singular n.º 25/1 7.7GBLSA, em que foi pronunciado o arguido J... e foi requerida a constituição como assistente por L... , a qual deduziu pedido de indemnização civil e constituiu advogada nos autos, foi distribuído à ora requerente.

O arguido juntou procuração a favor da sociedade de advogados C... e Associados — Sociedade de Advogado, RL, representada pelos sócios Srs. Drs. D... , C... , E... e F... , e dos Srs. Drs. G... , H... e I... , todos com escritório na Rua J (...) Coimbra.

Os referidos Senhores Advogados exercem actividade profissional no âmbito da referida sociedade de advogados, à qual o cônjuge da ora requerente, também advogado, presta serviços de advocacia.

Ora, entende a requerente que as decisões que sejam proferidas nos autos supra identificados podem reflectir-se na confiança que os destinatários e os demais cidadãos têm na administração da justiça.

Efectivamente, a requerente considera que não lhe basta ser e saber que é séria e imparcial, tendo também que objectivamente o parecer perante a comunidade em nome da qual tem o poder de julgar.

No caso, não está em questão a imparcialidade na sua vertente subjectiva, pois não tem a requerente qualquer dúvida em sublinhar que, a improceder o presente requerimento, lidará com a situação nos termos habituais, isto é, com total imparcialidade e com a máxima objectividade que estiver ao seu alcance. Está em questão, sim, a imparcialidade na sua vertente objectiva, pois aos olhos da comunidade pode parecer estranho que a juiz que tramita e julga o presente pleito seja casada com um advogado que presta serviços de advocacia à sociedade a que pertencem os Mandatários do arguido e no âmbito da qual exercem a sua actividade profissional.

Termos em que, Requer a V.s Ex.as se dignem escusá-la de intervir no processo, com as legais consequências”.

  1. Pela Srª Juíza foi junta certidão do seu assento de nascimento onde se encontra averbado o seu casamento com B... – doc. De fls. 12 e 13.

    Juntou ainda declaração da sociedade de advogados C... e Associados — Sociedade de Advogado, RL, com o seguinte teor: “Para os efeitos tidos por convenientes C... e Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL, registada na Ordem dos Advogados sob o n° (...) , com sede na Rua (...) , em Coimbra, vem declarar que o Sr. Dr. B... , com a cédula profissional n° (...) presta serviços de advocacia a esta sociedade”.

  2. Por despacho de 18.10.2017 – v. fls. 16 -, decidiu-se notificar C... e Associados Sociedade de Advogados, SP, RL para esclarecer: - Se o Sr. Dr. B... também é sócio/associado da Sociedade de Advogados.

    - E caso não o fosse, a que título são prestados os serviços pelo Sr. Dr. B... à Sociedade de Advogados nomeadamente se existe algum vínculo laboral ou prestação de serviços regular e em que circunstâncias.

  3. Na sequência da notificação, por C... e Associados Sociedade de Advogados foi informado o seguinte: “O Dr. B... , que usa o nome profissional de BB... , mantém com esta Sociedade uma prestação de serviços com carácter regular, exercendo na mesma a função de advogado e jurisconsulto que, potencialmente, se pode efetivar em toda a atividade forense objeto desta mesma sociedade, podendo, assim, e casuisticamente, ter intervenção na qualidade e/ou papel sobreditos, em qualquer processo judicial em que a mesma seja mandatada a participar.

    Mais informa que o mesmo advogado tem domicílio profissional nas instalações desta sociedade, como melhor resulta da sua ficha constante nos registos da Ordem dos Advogados, de que se junta cópia”.

  4. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

    II Apreciando Considerações gerais: 1.

    Sobre o pedido de escusa de juiz regula o artigo 43º do Código de Processo Penal, que diz o seguinte: “ 1. A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

    ( ... ) 3. A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis.

  5. O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verifiquem as condições dos nºs 1 e 2”.

  6. O incidente processual de escusa (bem como o de recusa) de juiz tem por base princípios e direitos fundamentais das pessoas, próprios de um Estado de Direito Democrático e visa assegurar a imparcialidade dos tribunais, o que se traduz numa exigência de independência e garantia de imparcialidade dos próprios juízes, titulares daqueles.

    Uma das regras basilares dessa mesma garantia é o princípio do juiz natural consagrado no art. 32º, nº 9, da mesma CRP, sendo uma das garantias de defesa em processo penal, com o alcance de proibir a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso submetido a juízo, em ordem a assegurar uma decisão imparcial e isenta.

    Luís Osório, no Comentário do Código de Processo Penal Português, II, Coimbra, 1932, pág. 225, afirmava: “Quanto às pessoas, que intervêm no processo, se exige um comportamento imparcial e independente, a capacidade em concreto pode faltar pela presença duma circunstância especial da causa que ameaça aquela imparcialidade e independência.

    Chegamos assim aos impedimentos e suspeições.

    Nestes casos falta a capacidade específica por existir motivo especial que inibe a pessoa de exercer a função num determinado caso.

    Os impedimentos distinguem-se das suspeições porque naqueles como causas se englobam as circunstâncias que segundo o legislador, afectam sempre a imparcialidade ou a independência do julgador e que, por isso, devem ser denunciadas pelos impedidos; já as causas de suspeições são aquelas que podem afectar essa imparcialidade ou independência e só pelas partes devem ser arguidas, só elas sendo juízes para determinarem se aquela possibilidade se pode tornar ou não em realidade”.

    Manuel Cavaleiro de Ferreira, in Curso de Processo Penal, I, Lisboa, 1955, a págs. 234/5, afirmava: "A...

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