Acórdão nº 2057/16.3T9STR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução22 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I 1.

Nos autos de processo (inquérito) supra referenciados, o Ministério Público requereu que se tomem declarações para memória futura a A... , nos seguintes termos e com os seguintes fundamentos: “Nos presentes autos, o arguido B... está indiciado da prática de crimes de abuso sexual de crianças, na forma agravada, p. e p. pelos artigos 171.°, n.º 1 e não[1] 2 do Código Penal.

De acordo com o art. 271°, nº 2 do CPP, no caso de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda maior.

Assim, em face do supra exposto, atendendo aos factos denunciados, ao resultado das diligências de inquérito já levadas a cabo, à idade da vítima e considerando que o bem jurídico protegido pela incriminação do artigo 171º, nº 1, do CP é precisamente a liberdade de autodeterminação sexual da criança, isto é, do menor de idade, considera-se encontrarem-se reunidos os requisitos da tomada de declarações para memória futura, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 271°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal. Afigurando-se ser necessário, desde já, a tomada de declarações à mesma, o que assim se requer, remeta os autos ao Meritíssimo JIC, nos termos do disposto no artigo 271°, n°s 1 e 2, 269°, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, com a proposta que se tomem declarações para memória futura a A... , a qual deverá ser questionada sobre a factualidade constante do relatório policial de fls. 39 a fls. 43, bem como a constante do relatório pericial constante de fls. 73 a fls. 82.

* 2. Por despacho judicial de 14.9.2017, foi esta diligência indeferida, sendo o seguinte, o teor do despacho então proferido: “O Ministério Público veio requerer que se proceda à tomada de declarações para memória futura à ofendida A... a qual nasceu no dia 13 de Abril de 2005, contando actualmente com 12 anos de idade.

De acordo com a promoção do M.P. investigam-se nestes autos factos susceptíveis de integrarem em abstracto a prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº. 1 do Código Penal, sendo suspeito da prática de tais factos B... , o qual não foi ainda constituído como arguido nos presentes autos.

Requer o M.P. que a menor seja questionada sobre a factualidade constante no relatório policial de fls. 39 a 43, bem como sobre a factualidade constante no relatório pericial de fls. 73 a 82. Ora de acordo com o disposto no art. 271º, nº. 1 do CPP “ 1 – Em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, bem como nos caso de vítima de crime de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, o Juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou das partes civis, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.” Nos termos do nº. 2 da mesma disposição legal “ 2 - No caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido, no decurso do inquérito, desde que a vitima não seja ainda maior”.

O carácter excepcional da tomada de declarações para memória futura advém do facto de a prestação das mesmas constituir uma excepção ao princípio constitucional da imediação. A tomada de declarações para memória futura tem natureza excepcional e só deve ser determinada quando se encontrem verificados os pressupostos legais da diligência.

A circunstância de ainda não haver constituição de arguido não invalida só por si a realização da diligência promovida, uma vez que a sua realização é presidida pelo Juiz de instrução e na sua realização deverá ser assegurado o contraditório possível com a presença do defensor nomeado.

No entanto e para que tal contraditório seja assegurado e a diligência assuma utilidade, tendo em vista a recolha de prova e a necessidade de evitar que a menor seja sujeita a vários interrogatórios, impõe-se que o objecto da diligência se encontre minimamente determinado, nomeadamente por referência aos factos em investigação, às circunstâncias de tempo e lugar em que os mesmos ocorreram, ao grau de participação nos mesmos por parte do suspeito, mesmo que essa referência seja feita em termos genéricos face ao estado actual da investigação e se ainda não for possível a sua concretização.

Do relatório policial constante de fls. 39 e ss elaborado pelo inspector da polícia judiciária consta uma descrição das diligências já realizadas no inquérito, sendo feito um resumo das declarações prestadas pelas testemunhas já inquiridas.

Tendo por fundamento os depoimentos já prestados é sugerido que se proceda à realização de exame pericial a incidir sobre a personalidade da menor e que a mesma preste declarações para memória futura.

O exame pericial constante de fls. 74 e ss apresenta uma descrição da avaliação feita à menor e do seu percurso de vida, com referência a alguns episódios relacionados com a investigação em curso, sendo que com base nessa análise foram elaboradas pelo perito médico as conclusões que constam de fls. 80 a 81.

Do exposto resulta que para a realização da diligência promovida se impõe que previamente o MP determine o objecto da diligência a realizar, indicando as questões que importa colocar à menor e que assumam relevância para a investigação em curso.

Resulta do que se deixa exposto que essa determinação não se encontra feita.

Pelo exposto entende-se que não se encontram reunidas as condições para que se proceda à realização da diligência nos termos em que a mesma foi promovida, razão pela qual se indefere a sua realização, sem prejuízo de nova ponderação caso o MP indique os factos sobre os quais deverá incidir o depoimento da menor e susceptíveis de integrarem a prática do crime em investigação.

** Notifique e após devolva ao DIAP competente”.

3. Deste despacho judicial recorre o Ministério Público que formula as seguintes conclusões: 1. A Meritíssima Juiz de Instrução Criminal devolveu os autos ao Ministério Público, na sequência do despacho do Ministério Público de 11.09.2017 que requereu a tomada de declarações para memória futura à menor A... , vítima de crime contra a liberdade e autodeterminação...

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