Acórdão nº 2840/12.9TBFIG.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução14 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO S (…) intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo ordinário (a prosseguir como processo comum), contra A (…) Pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 30 000.00, acrescida de juros vencidos e vincendos, Alegando, para tal e em síntese: autora e réu foram casados entre si entre 19/02/2010 e 03/08/2012; em data anterior ao matrimónio, compraram um imóvel na F (...) , para cuja aquisição a autora contribuiu com € 10 000 e o réu com € 5 000, tendo sido o restante pago através de financiamento, pago por ambos, no decurso do matrimónio; após o divórcio, a autora vendeu ao réu a metade indivisa de tal imóvel, pelo preço de € 51.000, pago através de assunção de dívida, pelo réu, do débito atinente ao empréstimo concedido pela entidade bancária; mais se obrigou o réu a restituir à autora a quantia de € 10 000 que esta entregou a título de sinal para aquisição de tal imóvel e de € 5000 referente às despesas com escritura e outros; na constância do matrimónio, a autora adquiriu outro imóvel em L (...) , com quantias próprias, tendo sido acordado pelas partes, por ocasião do divórcio, que este imóvel ficaria para a autora; mais acordaram que o recheio do imóvel da F (...) ficaria para o réu, contra a obrigação deste pagar à autora a quantia de € 7500.00 por ter sido a mesma a adquirir a sua maior parte, o que foi aceite por este; na pendência do casamento, a autora emprestou ao réu a quantia de € 7000 para este repor dinheiro que tinha desaparecido da empresa municipal onde este trabalha, quantia por conta da qual o réu apenas devolveu à autora € 1250.00; a autora emprestou ainda ao réu a quantia de € 665.50, em 27 de Março de 2006 para que este pagasse e frequentasse um curso de treinadores de futebol; tendo como base os valores mencionados, autora e réu acordaram que este pagaria à autora a quantia de € 30000 e que se destinava a liquidar tais valores, a entregar através de cheque na data do divórcio, o que não veio a suceder.

O Réu apresenta o seu articulado de contestação/reconvenção, alegando, em síntese: desde a data da escritura atinente ao imóvel da F (...) até à data do divórcio foi o próprio a suportar o pagamento das prestações relativas ao empréstimo bancário, não podendo a autora peticionar a devolução do montante que entregou como sinal, uma vez que não o fez no momento da venda da sua metade indivisa neste imóvel ao réu, tendo acordado que a venda da metade indivisa seria efetuada sem qualquer contrapartida; quanto ao imóvel de L (...) , não obstante a invocação da autora do mesmo ter sido adquirido com quantias próprias, as mesmas sempre seriam fruto do trabalho, logo, comuns, pelo que o bem igualmente seria comum; por tal motivo é que acordaram que o réu ficaria com o imóvel da F (...) e a autora com o imóvel de L (...) , sem contrapartidas; nega ter sido acordado um valor quanto à partilha dos bens móveis.

nega a existência de qualquer empréstimo; a reposição dos 7.000,00 € junto da FD (...) s foi feita com dinheiro do património comum do casal; de qualquer modo, o devolveu à A. a totalidade de tal quantia que esta reputava como sendo só sua.

O Réu conclui pela improcedência da ação, deduzindo ainda reconvenção, por via da qual peticiona a condenação da autora no valor de € 1.140,00, correspondente a uma transferência efetuada pela autora de uma conta daquele para uma conta desta, sem a autorização respetiva.

Foi declarada a inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido reconvencional, a pedido do réu.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a: - julgar a ação totalmente procedente, condenando o Réu a pagar à Autora a quantia de € 30 000, acrescida dos juros de mora vencidos desde o dia 06/08/2012 até ao presente e dos vincendos, à taxa legal; - julgando improcedente o pedido de condenação da A. e do Réu como litigantes de má-fé.

* Inconformado com tal decisão, o Réu dela interpõe recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem parcialmente[1]: (…) * A autora apresentou contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.

Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes: 1. Impugnação da matéria de facto.

2. Se é de alterar o decidido.

III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Impugnação da matéria de facto Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto: “1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.” A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos: a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões; b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados; c) indicação, ou transcrição, exata das passagens da gravação erradamente valoradas. Estes requisitos visam assegurar a plena compreensão da impugnação deduzida à decisão sobre a matéria de facto, mediante a identificação concreta e precisa de quais os pontos incorretamente julgados e de quais os motivos de discordância, de modo a que se torne claro com base em que argumentação e em que elementos de prova, no entender do impugnante, se imporia decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal.

Tais exigências surgem como uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[2], assegurando a seriedade do próprio recurso intentado pelo impugnante.

* O apelante insurge-se contra a decisão proferida relativamente aos factos dados como provados sob os pontos 7 e 33: 7. O crédito ao banco foi pago por ambos os cônjuges, enquanto durou o casamento. 33. Por acordo entre ambos, a A. tinha uma conta bancária separada, utilizando a conta ordenado do Réu para proceder aos pagamentos de todos os encargos familiares, nomeadamente despesas com água, luz, gás, alimentação, vestuário, combustíveis, condomínio e inclusive a prestação da casa sita na F (...) , e respectivo seguro, aproveitando a conta bancária da A., na qual era depositado o vencimento da própria como poupança do casal.

Segundo o apelante, sendo manifesta a contradição entre o teor do ponto 7 e o ponto 33, o teor dos depoimentos de parte do autor e do réu e da testemunha (…), impunham que se desse o ponto 7 como “não provado”.

O juiz a quo justificou a convicção a que chegou relativamente a tais pontos da matéria de facto pelo seguinte modo: “Quanto ao facto 33, a resposta afirmativa teve por base os extratos de conta dos autos, bem como as declarações de parte.

O facto 7 encontrou sustentação nas regras de experiencia comum, conjugadas com as declarações de parte, bem como com os extractos dos autos, não sendo credível que, auferindo o reu o vencimento mensal de aproximadamente € 600, tal quantia fosse canalizada exclusivamente para o pagamento das despesas resultantes da economia comum do casal e prestação do imóvel da F (...) , sem necessidade de recurso ao vencimento da A.” Vejamos o que resulta da prova produzida nos autos.

Ouvidos os depoimentos de parte prestados pela autora, S (…)e pelo réu, A (…) na audiência final, logo se constata que o seu depoimento é absolutamente coincidente quanto à origem ou proveniência do dinheiro utilizado para pagamento da prestação mensal respeitante ao empréstimo...

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