Acórdão nº 469/12.0PBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução07 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I 1.

Nos autos de processo comum supra identificados, em que é arguido A...

, solteiro, desempregado, natural de Coimbra, nascido a 20 de Março de 1967, filho de (...) e de (...) , residente na Rua (...) , Cantanhede, sendo-lhe imputado pelo Ministério Público: - um crime de violência depois da subtração p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 210.º, nº1 e 211º do C. Penal e - um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º do C. Penal Procedeu-se a julgamento e a final foi decidido: I. Condenar o arguido A... pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, pp. nos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e) e 22.º do Código Penal, do Código Penal, em 20 (vinte) meses de prisão; II. Condenar o mesmo arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, pp. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, em 18 (dezoito) meses de prisão; III. Condenar o arguido A... , em cúmulo das penas identificadas em I. e II., na pena única de 2 anos (dois) e 4 (quatro) meses de prisão efetiva.

IV. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por B... , condenando A... a pagar-lhe a quantia global de € 3.000,00 (três mil euros).

V. Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo CHUC, EPE, condenando A... a pagar-lhe a quantia de € 569,50 (quinhentos e sessenta e nove euros e cinquenta cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

2. Desta sentença recorre o arguido A... , apresentando as seguintes conclusões: A.

Com o presente recurso, a versar sobre reapreciação da matéria de facto e prova gravada bem como matéria de Direito, na vertente penal e cível, não pretende o recorrente colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de “manifestação de posição contrária”, traduzido no direito de recorrer [art. 61º n.º 1 i) CPP e n.º 1 do art. 32º da CRP]; B.

Entende o recorrente que deverá ser absolvido do crime de ofensa à integridade física simples, atenta a sua natureza semi-pública e em razão da declaração de não desejo de prossecução criminal contra o arguido, manifestado pela filha do ofendido, B... , e na qualidade de única herdeira do mesmo após o seu falecimento, como decorre de fls. 132 verso e 133 dos autos, em auto de inquirição datado de 21 de Janeiro de 2014, constante de fls. 136 dos autos, e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido; C.

Tem-se por incorretamente julgado o ponto de facto n.º 7 por, ser desde logo contrário à própria ordem das coisas que um quintal com um portão/porta possa ser considerado local fechado para efeitos de tal qualificativa, importando o teor das declarações prestadas pela testemunha/ofendida C... pela segunda vez, ou seja, com início pelas 15:21:12, segmento a que pertencerão todas as passagens infra [tal testemunha C... foi peremptória ao afirmar que o local tinha uma rede, assim uma coisa artesanal com uma porta de madeira e um cadeado (passagem 00:55 a 01:05), referindo que apenas uma porta de madeira e era só na porta que tinha rede pois o demais tinha silvas, árvores e uma vala (passagem 02:48 a 03:07) e que o local não estava murado, não tinha muros em cimento e se alguém quisesse entrar, entrava (passagem 03.08 a 03:16)] pois, salvo o devido respeito, erra o Tribunal ao afirmar no ponto 7 da matéria de facto provada que o “o local se mostrava vedado”; D.

Ademais, tal corresponde a um conceito de direito e sempre se impunha ao Tribunal dar como provados os factos e não conclusões jurídicas pelo que o máximo até onde poderia ir era referir que “aquele local se mostrava delimitado por uma porta de madeira, com cadeado bem como por rede artesanal em tal porta e sendo o demais delimitado por silvas, árvores e uma vala, sem qualquer construção ou muros” pois não faz sentido que uma vala, silvas e árvores constituam vedação em sentido técnico-jurídico; E.

Julga-se poder concluir seguramente que não se mostra preenchido o tipo legal qualificador pasmado na alínea e) do art. 204º CP que alude a “espaço fechado” e um quintal, tal como é conhecido pelas regras da experiência e da vida, não poderá consubstanciar “espaço fechado” em termos de Direito sendo que aquele que está em causa nos autos não se mostrava murado em toda a volta mas apenas tinha uma porta de madeira na entrada, uma vala, silvas e árvores, não se mostrando assim preenchida tal qualificativa legal dado que “fechado” significará ausência de qualquer abertura e in casu o quintal era não só aberto pelo ar como pelos lados, à exceção da dita porta, a ponto de a ofendida expressamente ter referido que “quem lá quisesse lá entrar... entrava”; F.

Por outro lado, o Tribunal apenas deu como provado que o local se mostrava “vedado”, não que se mostrasse “fechado” e a norma legal pela qual o arguido veio a ser condenado aponta para “fechado” e não em “vedado”, pelo que, em razão de tais conceitos não serem sinónimos não há assim, também por esta via, preenchimento integral do elemento qualificador, uma vez que sob pena de violação do princípio da igualdade, não se pode comparar um quintal a uma garagem, habitação, fábrica ou estabelecimento comercial ou industrial, sendo deveras elucidativos os sumários dos doutos acórdãos citados em sede de motivação e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido; G.

Temos assim por não preenchida tal qualificação legal restando a punição a título de crime simples, sendo que cumulativamente poderia haver a punição pelo dano provocado ao cadeado bem como pela prática do crime de introdução em lugar vedado, nos termos conjugados dos arts. 203º n.º 1, 212º n.º 1 e 191º CP mas deverá o arguido ser absolvido atenta a desistência de queixa por parte da ofendida C... , como decorre expressamente de fls. 3 da ata relativa à sessão de 10 de Novembro de 2016; H.

Olhada toda a factualidade subjacente aos presentes autos, é possível formular duas conclusões seguras: I) o arguido não ficou com nenhum bem, não tendo havido produto do alegado furto nem qualquer prejuízo para a proprietária; a ponto de II) a ofendida desistiu da queixa; e III) o bem a subtrair não tinha valor assim especialmente relevante pois era inferior a 1/5 do que se considera valor elevado bem como o teor dos factos provados 24 a 28 e retirados do seu relatório social, como seja o facto o arguido ter deixado de consumir produtos estupefacientes, ter apoio familiar e manifestar bom comportamento no estabelecimento prisional, não podem deixar de se considerar majoradas e injustas as penas parcelares e únicas impostas ao arguido; I.

Sendo um mês o limite mínimo das molduras aplicáveis concluiremos que o Tribunal não foi brando e aplicou acréscimos de 19 e 17 meses (ou seja, mais de um ano e meio de prisão num caso e quase um ano e meio no outro!) para um crime de furto qualificado tentado e outro de ofensa à integridade física simples, havendo assim manifestamente almofadas para atenuar tais penas por serem injustas e majoradas, não conformes à culpa e consequências dos factos (basta notar que igualmente o arguido foi agredido e necessitou de receber assistência hospitalar, sendo que por essa razão não foi julgado em processo sumário, como consta expressa e cristalinamente dos autos), sendo que a visão de conjunto dos factos não permitirá a aplicação de penas superiores a 9 meses de prisão pela prática de qualquer dos crimes e num eventual concurso não deverá a pena única ir além dos 14 meses; J.

Atenta a que se espera absolvição face ao crime de ofensa à integridade física simples, na sequência da declaração de não desejo de prossecução criminal por parte da única herdeira do ofendido, outra solução não restará que ser o demandado recorrente absolvido da instância cível, com revogação da douta decisão condenatória em razão da ausência de suporte factual, inutilidade superveniente e ilegitimidade; K.

Mostram-se violadas as seguintes I) normas jurídicas: nomeadamente arts. 49º e 51º CPP; arts. 1º n.

os 1 e 3, 40º, 71º n.

os 1 e 2 a), b), c) d) e f), 191º, 203º n.º 1, 204º n.º 2 e), 212º n.º 1º CP; art. 9º CC; art. 412º CPC; bem como os seguintes II) Princípios jurídicos: da oficialidade, da legalidade, da tipicidade, da proibição de recurso à analogia, da proteção da confiança e da segurança jurídicas, da materialidade, da igualdade, da apreciação da prova, da presunção de inocência, da culpa, da proporcionalidade e dos fins das penas bem como da legitimidade.

Destarte, Sempre com o V/ mui douto suprimento, requer-se, mui respeitosamente a V/ Exas., a procedência do presente recurso e a consequente revogação do douto acórdão condenatório, em razão de I) Vícios decisórios geradores de ausência de conformidade legal, atenta a prévia declaração da única herdeira do ofendido V (...) a atestar o propósito de não pretender continuar com o procedimento criminal (fls. 136 dos autos) e condenação a título de prática de crime semi-público (ofensa à integridade física simples); II) errónea apreciação da matéria de facto (maxime ponto de facto n.º 7!), com base na peticionada reapreciação da prova gravada; III) desacertada subsunção jurídica [maxime ao nível de convocação de norma legal qualificadora do furto tentado – art. 204º n.º 2 e) – por ausência de preenchimento e densificação do que seja “espaço fechado” e no campo interpretativo]; IV) manifesta majoração da responsabilidade penal assacada (dosimetria penal), quer ao nível das penas parcelares quer da pena única, pois numa visão global de conjunto será manifestamente disforme à justiça e culpa a aplicação ao arguido das penas em que se mostra condenado; e V) ausência de fundamento/conformidade legal para condenação em sede cível na eventualidade de procedência da absolvição penal face ao crime de ofensa à...

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