Acórdão nº 3974/16.6T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Junho de 2017
Magistrado Responsável | PAULA DO PA |
Data da Resolução | 30 de Junho de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório A...
intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra B... , S.A.
, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe: a) A quantia de € 11.083,92 relativa à prestação designada por “remuneração adicional”, que deixou de lhe ser paga pela R., a partir de agosto de 2010 até à propositura da presente ação; b) Todas as quantias que se vierem a vencer a tal título, a partir de julho de 2016 até integral regularização da situação retributiva da A., correspondente ao valor da prestação trimestral de € 461,83 e cujas datas de vencimento ocorrerão nos meses de outubro de 2016 e janeiro, abril, julho e outubro dos anos subsequentes; c) Juros de mora, à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma das prestações referidas em a) e até integral pagamento, totalizando os vencidos em 20/05/2016, o valor de € 1.161,13; d) Juros de mora, à taxa legal sobre todas as demais quantias que se vencerem a partir da citação da R. e até integral pagamento.
Em muito breve síntese, alegou que a partir do 3.º trimestre de 2010, a entidade empregadora, a ora R., deixou de pagar a prestação designada por “remuneração adicional” que ao longo de mais de onze anos foi liquidada com caracter regular e periódico como contrapartida do trabalho prestado. O comportamento assumido viola o princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que a A. se considera titular dos créditos peticionados.
Realizada a audiência de partes, frustrou-se a tentativa de conciliação.
Contestou a R., propondo que o valor da causa fosse fixado em € 30.000,01 e impugnando a alegada violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, concluindo pela sua absolvição No âmbito do incidente do valor da causa deduzido, veio o tribunal de 1.ª Instância a fixar o valor da ação em € 30.000,01.
Foi proferido despacho saneador tabelar.
Finda a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o dispositivo que se transcreve: «Por todo o atrás exposto, julgo a ação totalmente procedente, e em consequência: 1) Condena-se a R. “ B... , S.A” a pagar à A. – A...-, a quantia de 12.007,58 € (doze mil e sete euros, e cinquenta e oito cêntimos); 2) Mais se condena a R. durante a vigência da relação de trabalho a pagar à A. todas as quantias que vierem a vencer-se a título de prestação trimestral no valor de 461,83 € (quatrocentos e sessenta e um euros, e oitenta e três cêntimos), com vencimentos sucessivos a ocorrerem nos meses de janeiro, abril, julho e outubro dos anos subsequentes; 3) Sobre tais quantias, acrescem os juros de mora, à taxa legal (4%) vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das prestações em apreço, até efetivo e integral pagamento; 4) Custas a cargo da R..» Inconformada com esta decisão, veio a R. interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: […] Contra-alegou a recorrida, concluindo no final: […] O recurso foi admitido pelo tribunal de 1.ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo por ter sido prestada caução.
Tendo os autos subido ao Tribunal da Relação e mantido o recurso, foi dado cumprimento ao preceituado no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer que faz fls. 287 a 290, propugnando pela improcedência do recurso.
Não foi oferecida resposta a tal parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
* II. Objeto do Recurso É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso que importam dilucidar e resolver são: 1.ª Existência de contradição insanável entre a materialidade constante dos pontos factuais provados 17 e 18 e a descrita no ponto 31 dos factos provados; 2.ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; 3.ª Não violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
* III. Matéria de Facto O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: […] * IV. Questões suscitadas no recurso 1. Contradição na decisão sobre a matéria de facto Alega a recorrente que em sede de decisão sobre a matéria de facto, se verifica uma contradição insanável entre a materialidade constante dos pontos factuais provados 17 e 18 e a descrita no ponto 31 dos factos provados.
Analisemos a questão.
O artigo 662.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral consagra um poder-dever de apreciação da decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
No exercício de tal competência, pode a Relação, mesmo oficiosamente, anular a decisão recorrida, quando, não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute, deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta, nos termos previstos pela alínea c) do n.º 2 do mencionado preceito legal.
Relativamente à mencionada “contradição”, ensina-nos Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. IV, pág.553: «as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente.» No Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06/10/1988, BMJ 380º/559, mencionado por Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 239, escreveu-se: «a contradição…implica a existência de “colisão” entre a matéria de facto constante de uma das respostas e a matéria de facto constante de outra das respostas, ou então com a factualidade provada, no seu conjunto, de tal modo que uma delas seja contrária da outra.» Estes entendimentos (doutrinário e jurisprudencial), foram manifestados à luz do anterior regime processual civil que implicava a formulação de uma “Especificação” e a organização de um “Questionário”.
Todavia, os mesmos mostram-se atuais, desde que adaptados ao atual regime processual. Assim, verifica-se o vício da contradição contemplado na aludida alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º, quando a decisão da 1ª instância contiver uma oposição, uma incoerência sobre pontos determinados da matéria de facto.
Ou seja, no âmbito do aludido normativo, a contradição ou incoerência tem de resultar da própria decisão, dando-se, por exemplo, por provado um facto e o seu contrário ou como provado e não provado o mesmo facto.
Apreciando em concreto os pontos factuais invocados pela recorrente, temos em causa a materialidade que se passa a transcrever: 17) Em janeiro de 1999, a A. passou a receber da...
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