Acórdão nº 1148/16.5T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução28 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. A (…) instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda (Instância Central - Secção Cível e Criminal), a presente acção comum contra L (…), S. A., pedindo que seja decretada a invalidade, por nulidade ou anulabilidade, das deliberações do Conselho de Administração (CA) da Ré de 22.6.2016, e bem assim seja ordenada a suspensão de todos os efeitos dos actos praticados por tal órgão em execução de tais deliberações, incluindo eventuais registos.

Alegou, nomeadamente e em síntese: a provisoriedade das funções de tal CA, cujos administradores foram provisoriamente nomeados em decisão judicial cautelar, e com poderes de mera administração, pelo que não podiam revogar, como o fizeram em 22.6.2016, deliberações anteriores de CA legitimamente eleito (no dizer do A., aquele CA visava apenas assegurar o regular funcionamento do negócio social enquanto não for definitivamente decidida a acção no âmbito da qual foi tomada a medida cautelar de nomeação provisória ou até que o pleno dos accionistas da sociedade, na respectiva assembleia geral, seja chamado a deliberar acerca da eleição de novo órgão de administração)[1]; as deliberações em causa[2] não se confinam à prática de actos de gestão corrente e imediata dos negócios sociais; foram violados, designadamente, os estatutos da sociedade, os bons costumes e o dever de lealdade, com o desrespeito, entre outros, dos art.ºs 58º, n.º 1, b) e 64º, n.º 1, b), do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

A Ré contestou, invocando, além do mais, que o A. não pode impugnar directamente para os tribunais as deliberações do CA (por tais deliberações não o afectarem directamente, nem incidirem directamente sobre os seus interesses); impugnou a matéria alegada pelo A..

O A. respondeu, sustentando a impugnabilidade directa de tais deliberações para o tribunal.

Em 15.12.2016, foi proferido despacho saneador-sentença julgando improcedente a acção e absolvendo a Ré do pedido, por a lei não facultar a impugnação judicial directa das deliberações tomadas, pelo Conselho de Administração, no dia 22.6.2016.

Inconformado, o A. apelou formulando as seguintes conclusões: (…) A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, a única questão a resolver é a seguinte: se, ou em que circunstâncias, é admissível a impugnação judicial directa de deliberação do CA de uma sociedade anónima.

* II. 1.

Para a decisão do recurso releva a tramitação e o quadro fáctico supra referidos (ponto I).

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Relativamente à arguição da invalidade de deliberações do CA das sociedades anónimas, estabelece o art.º 412º do CSC (aprovado pelo DL n.º 262/86, de 02.9, e na redacção conferida pelo DL n.º 76-A/2006, de 29.3) que o próprio conselho ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular deliberações do conselho viciadas, a requerimento de qualquer administrador, do conselho fiscal ou de qualquer accionista com direito de voto, dentro do prazo de um ano a partir do conhecimento da irregularidade, mas não depois de decorridos três anos a contar da data da deliberação (n.º 1), prazos estes que não se aplicam quando se trate de apreciação pela assembleia geral de actos de administradores, podendo então a assembleia deliberar sobre a declaração de nulidade ou anulação, mesmo que o assunto não conste da convocatória (n.º 2); a assembleia geral dos accionistas pode, contudo, ratificar qualquer deliberação anulável do conselho de administração ou substituir por uma deliberação sua a deliberação nula, desde que esta não verse sobre matéria da exclusiva competência do conselho de administração (n.º 3); os administradores não devem executar ou consentir que sejam executadas deliberações nulas (n.º 4).

E prevê o art.º 411º do mesmo Código (sob a epígrafe “invalidade de deliberações”): São nulas as deliberações do conselho de administração: a) Tomadas em conselho não convocado, salvo se todos os administradores tiverem estado presentes ou representados, ou, caso o contrato o permita, tiverem votado por correspondência; b) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação do conselho de administração; c) Cujo conteúdo seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais imperativos (n.º 1).

É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 56º (n.º 2).

São anuláveis as deliberações que violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, quer do contrato de sociedade (n.º 3).

[3] 3. É assim lícito a qualquer sócio/accionista requerer à assembleia geral a declaração de nulidade ou a anulação de decisão do CA, podendo igualmente aquele órgão, quando se trate de apreciação geral de actos de administradores, deliberar sobre a declaração de nulidade ou anulação, independentemente de o assunto constar, ou não, da convocatória (art.º 412º, do CSC).

4. Desde há muito que a questão da impugnabilidade das decisões dos administradores (lato sensu) das sociedades tem sido discutida na jurisprudência e na doutrina.

Temos, de um lado, aqueles que defendem que a acção anulatória (e o acto preventivo da suspensão) não poderá ser utilizada contra deliberações tomadas pelos órgãos administrativos propriamente ditos (gerência, direcção, administração), mas apenas contra deliberações tomadas em reuniões ou em assembleias gerais de sócios [a questão deverá ser colocada, previamente, perante a assembleia geral da sociedade podendo, depois, e em face do deliberado, recorrer-se à via judicial][4]; de outro lado, quem se pronuncie em sentido diametralmente oposto [admitindo, sempre, a impugnação judicial directa – por exemplo, as decisões de um conselho de administração de uma sociedade anónima podem ser impugnadas directamente para os tribunais]; finalmente, os que propendem para o entendimento de que se a primeira perspectiva será de adoptar na generalidade das situações/em regra, situações haverá, quiçá pela sua gravidade ou excepcionalidade, em que não deverá ser recusada a impugnação directa das deliberações ditas nulas ou anuláveis de outros órgãos sociais (que não o plenário de sócios, reunido em assembleia geral).

[5] [6] 5. Admitindo-se que as deliberações, por exemplo, do conselho de administração ou do conselho fiscal de uma sociedade são deliberações sociais[7], perfilha-se, à luz do regime jurídico vigente, aquela última perspectiva, o que, cremos, também potenciará uma mais razoável e racional utilização dos meios de impugnação judicial, desiderato, aliás, bem presente em muitas normas de direito adjectivo (veja-se, por exemplo, o art.º 380º, n.ºs 1, in fine, e 3 do CPC[8]).

6. Assim, em princípio, não são susceptíveis de impugnação judicial directa as deliberações do conselho de administração duma sociedade anónima, podendo a sua nulidade ou anulabilidade ser submetida à apreciação da assembleia geral (art.º 412º, n.º 1 do CSC) e só da deliberação desta cabendo acção judicial.

A simples formulação do art.º 412, n.º 1, do CSC, parece querer significar que, ao menos, em princípio, o procedimento a seguir por qualquer administrador que pretenda arguir a invalidade de uma deliberação do conselho será o nele previsto, exigência que não é destituída de fundamento, não só em função da relativa proeminência das assembleias gerais nos órgãos societários, como por razões de ordem prática, no sentido de evitar nocivas perturbações, ou paralisações, na actividade gestionária da sociedade - existindo a possibilidade de a anulabilidade e a nulidade das deliberações dos administradores serem apreciadas, desde logo, no interior da própria sociedade pela respectiva assembleia geral, porque haveria tal apreciação de ser feita directamente para os...

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