Acórdão nº 24/15.3PFVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução28 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO Nos autos de instrução nº 24/15.3PFVIS que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Viseu – Instância Central – Secção de Instrução Criminal – J2 foi proferida decisão instrutória de não pronúncia do arguido A..., no termo de instrução requerida pela assistente Sociedade Portuguesa de Autores, CRL [doravante, SPA], na decorrência de despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, para pronúncia do identificado arguido pela prática de um crime de usurpação, p. e p. pelos arts. 195º nº 1 e 197º, por referência aos arts. 68º, nº 2, e), 141º, 149º e 184º, todos do C. do Direito de Autor e dos Direitos Conexos [doravante, CDADC].

* Inconformada com a decisão, recorreu a assistente SPA, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: a) No dia 04 de Agosto de 2016, pelas 23:30h, no estabelecimento comercial denominado “ X...”, estavam a ser difundidas ao público obras musicais e literário-musicais, as quais eram radiodifundidas pela estação emissora M80, sendo o som ampliado por colunas; b) As obras transmitidas neste estabelecimento comercial são protegidas pelo direito de autor; c) O arguido não dispunha de autorização da Recorrente, que o habilitasse a difundir tais obras em espaço público; d) A questão a apreciar nos autos é saber se a utilização que o arguido fazia das obras configura o conceito de “comunicação pública”, tal como previsto no artigo 3º n.º 1 da Directiva 2001/29 e se os tribunas nacionais estão vinculados á interpretação que tem sido atribuída pelo Tribunal de Justiça da União Europeia ao conceito de “comunicação pública”; e) O CDADC tem a sua fonte de inspiração na Convenção de Berna; f) O artigo 149º do CDADC, que tem a sua referência directa no artigo 11º bis da Convenção de Berna, prevê o direito exclusivo do autor autorizar a utilização das suas obras de três formas diferentes: a radiodifusão; a retransmissão e a comunicação pública de obras radiodifundidas; g) A previsão destas três formas de utilização das obras pretendem assegurar que a autorização dada para uma fase (a radiodifusão) não seja automaticamente considerada extensiva às fases posteriores, por exemplo, a retransmissão ou comunicação pública das obras radiodifundidas; h) O autor considera a sua autorização de radiodifusão no sentido de abranger apenas a audiência directa que recebe o sinal, num círculo familiar; i) A Directiva 2001/29 consagrou o direito exclusivo do autor autorizar qualquer comunicação pública das suas obras, estipulando que “Os Estados Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras”; j) O Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo, pelo menos desde 2007, em sucessivos Acórdãos a proferir decisões que nos permitem, com segurança e de modo uniforme a toda a União Europeia, circunscrever e entender este conceito; l) O Tribunal de Justiça da União Europeia tem entendido que a transmissão de obras radiodifundidas, através de aparelhos de televisão ou rádio em espaços públicos, configura o conceito de comunicação pública, uma vez que o detentor do aparelho de televisão, ao permitir a escuta ou a visualização da obra, tal intervenção deve ser considerada um acto de comunicação ao público, nos termos do artigo 3º n.º 1 desta Directiva; m) O Tribunal de Justiça da União Europeia tem circunscrito o conceito de “comunicação pública” em diversos Acórdãos, de entre os quais os Acórdãos SGAE, C-306/05; Football Association Premier League, C-403/08 e C-429/08 e OSA, C-351/12; n) O Tribunal a quo afirmou conhecer a Directiva 2001/29, mas interpretou-a de forma diferente do sentido e alcance que tem de acordo com esta directiva; o) As normas nacionais devem ser interpretadas no sentido que resulta da letra e do espírito da Directiva; p) No âmbito de um processo de reenvio promovido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que “o conceito deve ser interpretado como abrangendo a transmissão de obras radiodifundidas através de um ecrã de televisão – que se estende ao aparelho de rádio – e de colunas aos clientes que se encontrem presentes num estabelecimento comercial. Em tal situação estamos perante uma nova comunicação ao público e não perante uma mera recepção de uma obra”; q) Uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferida em casos de reenvio prejudicial para efeitos de interpretação vincula, quer quanto às conclusões, quer quanto à fundamentação, os tribunais nacionais.

r) O Tribunal a quo estava vinculado a seguir a interpretação que o Tribunal de Justiça da União Europeia deu ao conceito de “comunicação pública” no processo de reenvio suscitado pelo Tribunal da Relação de Coimbra; s) Ao ter decidido de forma diferente o Tribunal a quo violou os princípios do primado e da interpretação conforme; t) A decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo deve, por isso, ser alterada, pronunciando-se o arguido pela prática de um crime de usurpação.

Termos em que deve ser revogada a decisão proferida em primeira instância, pronunciando-se o arguido A... pela prática de um crime de usurpação, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 195º e 197º do CDADC.

* Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: 1 – Não se verificam in casu condições para revogação da decisão de não pronúncia do arguido.

2 – A instalação das colunas ligadas ao rádio nada acrescentava ou alterava à emissão.

3 – O STJ uniformizou e fixou jurisprudência, no Acórdão nº 15/2013, de 13/11, publicado no D.R. de 16 de dezembro, considera que a distribuição do som feita por colunas distribuídas por vários pontos do estabelecimento comercial, que ampliam o som, não sendo estas parte integrante do televisor ou radiofonia, não extravasa a mera receção, que é livre, não configurando assim uma nova transmissão do programa.

Assim, mantendo-se a douta decisão que não pronunciou o arguido, farão, Vossas Excelências, como sempre, e mais uma vez, JUSTIÇA.

* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, aderindo aos fundamentos da resposta do Ministério Público, afirmando não existirem indícios suficientes da prática do crime, que a decisão recorrida não desrespeita a Directiva comunitária nem a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia [doravante, TJUE], apenas os interpreta de forma diferente da assistente, e concluiu pelo não provimento do recurso.

* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Respondeu a assistente SPA, sustentando a existência de decisão do TJUE posterior à data do Acórdão Uniformizador nº 15/2013, decidindo que o art. 3º, nº 1 da Directiva 2001/29/CE deve ser interpretado no sentido de abranger a transmissão através de rádio, de obras musicais e músico-literárias difundidas por estação emissora, pelas pessoas que exploram um café/restaurante, aos clientes presentes no estabelecimento, entendimento que o dito tribunal segue desde 1973 e que foi adoptado pela Relação de Lisboa em acórdão de 30 de Junho de 2016, e concluiu pela pronúncia do arguido.

* Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

* II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se o arguido deve ou não ser pronunciado, como autor material de um crime de usurpação, p. e p. pelo art. 195º do CDADC.

* Para a resolução desta questão importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte: “ (…).

I RELATÓRIO No âmbito dos presentes autos, findo o inquérito instaurado contra o denunciado A..., o Ministério Publico proferiu despacho de arquivamento nos termos do disposto no art. 277.º n.º 2 do Código de Processo Penal (fls. 75 – 77).

Inconformada com a decisão proferida, veio a assistente Sociedade Portuguesa de Autores, C.R.L. requerer a abertura da instrução (fls. 99 – 111), onde pugna pela pronúncia do arguido pela prática do seguinte ilícito criminal: - um crime de usurpação, p. e p. pelos arts. 193.º n.º 1 e 197.º, por referência aos arts. 68.º n.º 2 al. e), 141.º, 149.º e 184.º, todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

* Foi declarada aberta a instrução.

No âmbito da instrução, não foram realizados actos instrutórios.

* Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância.

Procedeu-se à realização de debate instrutório com observância do legal formalismo, não se tendo suscitado nem verificado quaisquer excepções, nulidades ou questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa – cfr. o art. 308.º n.º 3 do Código de Processo Penal.

A instrução está encerrada.

II FUNDAMENTAÇÃO A.

Considerações gerais A instrução é uma fase processual com carácter facultativo e que visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento – art. 286.º do Código de Processo Penal.

Se até ao encerramento de instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos ou, caso contrário, profere despacho de não pronúncia, na certeza de que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser...

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