Acórdão nº 107/15.0T8MBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução11 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO J (…) e mulher, M (…) intentam a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra I (…) e mulher, D (…), Alegando, em síntese, na parte com relevo para a apreciação dos recursos deduzidos por autores e réus: os autores são donos e legítimos possuidores do prédio urbano melhor identificado no artigo 1º da Petição Inicial (PI), onde os mesmos edificaram, na respetiva parede poente, por volta de 1990, uma abertura que confina diretamente para o prédio dos Réus, dela tendo retirado desde então todas as utilidades; em Janeiro de 2015, os Réus edificaram um muro em blocos de cimento encostado à parede poente do prédio dos Autores, tapando completamente a referida abertura.

Em consequência formulam, entre outros, o pedido de condenação dos réus a reconhecer que se encontra constituída, por usucapião, uma servidão de vistas, de entrada de ar, luz, abertura de janela, a favor do prédio dos Autores, e a demolir a construção em bloco que ali efetuaram; e ainda a indemnizar os Autores pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados, em quantia não inferior a €2.500,00.

Os Réus contestam, alegando, em síntese, que não se constituiu qualquer servidão de vistas por usucapião a onerar o mencionado prédio dos Réus em benefício do prédio dos Autores na medida em que a abertura construída na parede poente de casa dos Autores não pode ser qualificada como “janela” nos termos em que tem sido entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores.

Concluem, nesta parte, pela improcedência da ação.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente: i. Condenando os Réus a reconhecer os Autores como donos e legítimos proprietários do prédio urbano melhor descrito no Ponto 1) da factualidade provada; ii. Condenando os Réus a reconhecer que sobre o seu prédio se encontra constituída, por usucapião, uma servidão de estilicídio, uma servidão de saliência de beiral e uma servidão de escoamento de águas a favor do prédio urbano dos Autores;- iii. Condenando os Réus a demolir a construção melhor descrita no Ponto 18) da factualidade provada, deixando totalmente destapada e desimpedida a abertura melhor descrita no Ponto 10) da factualidade provada existente na parede poente do prédio dos Autores; iv. Absolvendo os Réus do demais peticionado.

* Inconformados com tal decisão, os Réus dela interpõem recurso de apelação, (…) * Os Autores apresentaram contra-alegações, nas quais declaram interpor recurso “subordinado”[1], relativamente ao qual apresentam as seguintes conclusões: (…) * Os réus apresentaram contra-alegações ao recurso subordinado, pugnando pela sua improcedência.

Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes: A. Apelação dos Réus 1. Impugnação da matéria de facto 2. Abuso de direito B. Ampliação do objeto do recurso pelos autores 3. Impugnação da matéria de facto 4. Constituição de uma servidão de vistas III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO A. Matéria de facto São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida, que aqui se reproduzem parcialmente, na parte com relevo para a decisão em apreço: 1) Encontra-se registado a favor dos Autores o prédio urbano sito no Lugar de Y (...) , freguesia de X (...) , concelho de Sernancelhe, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 0 (...) º, composto de casa de habitação a confrontar de norte com A (...) , de sul com caminho, de nascente com M (...) e de poente com o prédio referido em 8); 2) O prédio referido em 1) teve origem no artigo 00 (...) º urbano da freguesia de X (...) , composto por casa de habitação, com a superfície de 35m2, construído pelos Autores em data não concretamente apurada do ano de 1990, sendo à data constituído por uma pequena casa de habitação de rés-do-chão, com três divisões; 3) Ao longo dos anos, os Autores realizaram ampliações e introduziram melhoramentos no mencionado prédio, ampliando primeiro a sua habitação para o lado norte, onde construíram mais um quarto, tendo após construído um coberto para arrumos e garagem do lado sul; 4) Em 2007, os Autores, ao abrigo da Licença de Reconstrução n.º .../08 realizaram obras no prédio referido em 2), mantendo como anexos da nova moradia e habitação, o coberto e a ampliação referidas em 3), e construíram no logradouro uma habitação nova, e que, por avaliação do Serviço de Finanças de Sernancelhe, em 19.11.2011, deu origem ao atual artigo urbano 0 (...) º, nos termos melhor descritos em 1); 5) Em 10.08.2004 os Autores registaram, a seu favor, na Conservatória do Registo Predial de Sernancelhe, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 00 (...) ,º e o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 000 (...) º, este último adquirido em partilha judicial por óbito de M (…) pai da Autora, sob prédio misto n.º 1.../20040810 da freguesia de X (...) ; 6) Desde a sua construção em 1990, os Autores sempre possuíram o prédio urbano referido em 1), nele habitando, ocupando-o com mobílias e outros utensílios domésticos, nele passando os dias e as noites sempre que se encontram em X (...) , aí confecionando e tomando as suas refeições diárias, recebendo os seus amigos e familiares, fazendo obras de manutenção de modo a manter o mesmo em condições de habitabilidade e nele fazendo obras de ampliação e beneficiação, comportando-se como únicos e exclusivos proprietários, dele tirando todos os rendimentos e utilidades que o mesmo foi suscetível de propiciar; 7) Os atos referidos em 6) foram praticados pelos Autores à vista de toda a gente e com conhecimento da generalidade das pessoas da freguesia de X (...) , ano após ano, sem interrupção nem oposição de ninguém, na convicção de exercerem um direito próprio e de não terem ofendido os direitos de outrem aquando da sua aquisição; 8) Encontra-se registado a favor dos Réus o prédio urbano composto por casa de habitação com 1 piso e 4 divisões, situado no W (...) , freguesia de X (...) , inscrito na matriz sob o artigo 471º, a confrontar de norte com A W (...) de sul com caminho, de nascente com M D(...) e de poente com caminho; 9) Os prédios urbanos referidos em 1) e 8) são contíguos entre si, confinando este último com o dos Autores pelo lado nascente; 10) Aquando da construção do prédio referido em 2), os Autores abriram na sua parede do lado poente, que confina direta e imediatamente com o prédio dos Réus, uma abertura com as seguintes dimensões: 1,20m de largura por 0,97m de altura, situando-se a 1.02 m de altura medidos do solo pelo lado interior[2]; 11) A abertura referida em 10) tem uma grade em ferro e um vidro, com duas empenas a abrir para o interior, que permite a entrada de luz para o interior do prédio dos Autores durante o dia e permite ver para o exterior e, quando aberto, permite a entrada de ar e arejamento do prédio dos Autores; 12) A grade de ferro referida em 11) foi colocada pelos Autores como forma de proteção na sequência de um assalto ocorrido na sua habitação em data não concretamente apurada, em meados da década de 90; 13) Pela abertura referida em 10) o prédio dos Autores sempre gozou da entrada do ar e luz, utilidades que os Autores dela retiraram e que a mesma foi sendo suscetível de propiciar, o que foi feito à vista e com conhecimento da generalidade das pessoas da freguesia de X (...) , dia após dia, ano após ano, ininterruptamente, sem oposição ou perturbação de quem quer que fosse, de boa-fé e na convicção do exercício de um direito próprio; (…) 18) Em Janeiro de 2015, quando os Autores se encontravam em França, os Réus fizeram obras no seu prédio, que consistiram no levantamento de um muro em blocos de cimento encostado à parede poente do prédio dos Autores, debaixo do beiral e em frente à abertura referida em 10), tapando-a totalmente; 19) A grade de ferro referida em 11) consiste numa estrutura constituída por quatro ferros exteriores, em forma retangular, com as dimensões idênticas às da abertura mencionada em 10), e, no seu interior, por três figuras geométricas de ferro, em forma de losangos, colocadas em sentido vertical e soldadas respetivamente a três dos referidos varões de ferro, ficando duas dessas figuras unidas respetivamente aos dois referidos varões de ferro das extremidades e a terceira unida ao varão do meio; 20) A grade referida em 11) é composta por cinco varões e seis secções, encontrando-se fixada nas padieiras, nas ombreiras e no peitoral em massa de cimento e, quanto à forma de fixação, os varões foram soldados na grade, bem assim como os desenhos geométricos foram soldados nos varões; 21) Desde a construção do gradeamento de ferro na abertura referida em 11) os Autores ficaram impossibilitados de introduzirem a sua cabeça através dessa grade e de se debruçarem sobre o prédio dos Réus, não podendo fazer despejos ou arremessar objetos para esse prédio, encontrando-se impedidos de se apoiarem sobre o parapeito da referida abertura, não podendo deitar a cabeça de fora sobre esse prédio para olharem em frente, para cima, para baixo ou para os lados, e nem desfrutarem das vistas que aquela poderia proporcionar; 22) Os Réus têm duas filhas casadas e quatro netos que costumam vir passar férias para a sua casa referida em 8), reunindo-se na dita casa os Réus, as suas filhas, genros, netos e ainda a mãe da Ré, mulher que reside permanentemente com esta; 23) Os Réus edificaram a construção referida em 18), um anexo contiguo aos dois anteriormente existentes no logradouro da sua casa de habitação, com cerca de 4 metros de comprimento por 1,70m de largura e 2,25m de...

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