Acórdão nº 840/11.5JACBR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução11 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na 4ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra: I 1.

Nos autos supra identificados (processo principal), em que entre outros é arguido A... , melhor id. no processo, Por acórdão de 15 de julho de 2015 foi o mesmo condenado na pena de 7 (sete) anos de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes. 2.

Por requerimento de 31.1.2017 veio o arguido ora recorrente solicitar a realização de cúmulo jurídico da pena aplicada nestes autos com outras penas em que entretanto já tinha sido condenado noutros processos.

3.

Esta sua pretensão foi indeferida por despacho judicial de 17.3.2017.

4. Desta decisão vem agora o arguido recorrer formulando as seguintes conclusões: A.

Com o presente recurso, que versa sobre matéria de Direito inerente à não inclusão da pena aplicada nos presentes autos no conhecimento superveniente do concurso a realizar e consequente competência judicial, não pretende o recorrente colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de “manifestação de posição contrária”, traduzido no direito de recorrer, consagrado na alínea i) do n.º 1 do art. 61º CPP e no n.º 1 do art. 32º da CRP; B.

Para efeitos de conhecimento superveniente de concurso importa trilhar o entendimento sobre qual seja a data a considerar no tocante à prática dos factos inerentes aos presentes autos, pois se é certo que a ilicitude cessou em Julho de 2013 não é menos verdadeiro que se iniciou em 2011, logo após o Verão, como ressalta dos factos dados por provados sob os pontos 43, 44, 49 e 56, nos quais se vislumbra com absoluta clareza que a factualidade se iniciou após o Verão de 2011 e perdurou até 11 de Julho de 2013 (veja-se o teor do ponto de facto 44 que refere “desde finais de 2011 e até 11 de Julho de 2013”!), a impor continuidade, pelo que não se tem por lícita a desconsideração de cumulatividade da pena dos presentes autos quando os factos tiveram início cerca de 15 meses antes do marco temporal intransponível (04 de Dezembro de 2012), sendo cristalino que a maior parte do período de ilicitude imputada, e pela qual o arguido veio a ser condenado, se mostra substancialmente anterior a tal data! C.

Desde a data de trânsito em julgado até 11 de Julho de 2013 ocorreram cerca de 7 meses e previamente a 04 de Dezembro de 2012 haviam decorrido mais do dobro pelo que a solução consagrada no douto despacho recorrido apenas se mostraria assertiva no caso de todos os actos ilícitos serem posteriores a 04 de Dezembro de 2012, o que manifestamente não é o caso e reclama assim tratamento desigual por forma do princípio da (des)igualdade, sendo consabido que o lapso temporal de ilicitude duradoura e contínua tem de ser relevado desde o seu início e não apenas a data final, pois poder-se-á dar o caso de haver alterações legislativas e será sempre aplicável a lei mais favorável, sendo ainda valorado na dosimetria penal, como o terá sido nos presentes autos em que pela prática de crime de tráfico de estupefacientes simples acabou o recorrente condenado na pena de 7 anos, ou seja, quase o dobro do limite mínimo! D.

Defende-se assim que o cúmulo deverá ser efectivado nos presentes autos por a pena aplicada se mostrar em situação de concurso com as aplicadas nos processos 72/07.7JACBR (cuja decisão transitou em 04 de Dezembro de 2012 e que constituirá o primeiro marco temporal relevante), e 577/10.2JAAVR, cujo trânsito ocorreu em 05 de Maio de 2014 e factos de 03 de Maio de 2011, apenas ficando de fora (e por 8 dias, por os factos serem datados de 12 de Dezembro de 2012!) a pena aplicada no processo 1187/12.5GCVIS; E.

Sob pena de preterição da noção de Estado de Direito ter-se-á de admitir que se vive sob a legitimação do princípio da protecção da confiança, exigindo-se do poder público a boa-fé nas relações com os particulares e o respeito pela confiança que os indivíduos depositam na estabilidade e continuidade do ordenamento jurídico, impondo o princípio da confiança a cumulatividade da pena relativa a factos praticados enquanto se aguarda pelo trânsito em julgado e execução de pena de prisão (sendo que nos presentes autos mediou mais de sete meses e sem notificação ao arguido das decisões proferidas pelo Tribunal superior, não tendo este forma de controlar a data de trânsito em julgado!) e bem andará o Tribunal quando tutele tais expectativas já criadas e adequada ponderação das diversidades da situação, sem conversão dos critérios de justiça substantiva em instrumentos de plasticidade jurídica inadequados ao caso concreto, na medida em que o princípio da boa-fé remete a Administração Pública para um padrão ético de comportamento na sua relação com os cidadãos, agindo de forma correcta, leal e sem reservas, o que se mostra extensível à administração da justiça, tratando-se de um princípio programático de comportamento que se materializa através da observância de três outros princípios: I) da protecção da confiança; II) da materialidade e III) da transparência decisória; F.

Tem-se por notório (art. 412º do Código de Processo Civil) que é quase intuitiva a ideia de que qualquer sujeito cria expectativas e orienta as suas opções de vida de acordo com decisões judiciais, antecipando riscos baseados em tais situações que prevê manterem-se (e ganhando acréscimo de confiança enquanto não é notificado do trânsito em julgado!), e planificando a vivência com base em tais factos pelo que, de um ponto de vista subjectivo, a ideia fundamental a reter é a de que não devem ser permitidas alterações jurídicas com as quais, razoavelmente, os arguidos/reclusos não podem contar e que introduziriam na respectiva esfera jurídica desequilíbrios desproporcionais, justificando-se por isso que seja reconhecida ao poder judicial uma dimensão conservadora tendente a impedir a perturbação que a acção estadual imprevista poderia introduzir; G.

Numa perspectiva de Direito Público, e na sua configuração clássica, o princípio da protecção da confiança (Vertrauensschutz) vincula e limita os vários poderes Estaduais, exigindo de cada um deles cuidados suplementares no momento de levarem à prática as diferentes tarefas que se lhes mostrem confiadas, tratando-se de um princípio que impõe a criação ou conservação de situações jurídicas, até eventualmente desconformes com o ordenamento, por inconstitucionalidade ou ilegalidade, mas que, em todo o caso, assume que a normalidade e a estabilidade são duas das traves estruturais sobre as quais deve assentar todo o sistema, assegurando efectiva protecção da confiança legítima (Schutzes berechtigten Vertrauens), dúvidas inexistindo que tal preterição da segurança jurídica e protecção da confiança terá como consequência mais gravosa a desintegração do interesse público, que não poderá nunca significar o resultado da soma algébrica de todos os interesses individuais mas deverá consistir um plus em relação a este resultado; H.

Além dos princípios da protecção da confiança e segurança jurídica, também os da igualdade e proporcionalidade, em sentido estrito e proibição do excesso, não deixarão de co-adjuvar a oposição a tal não inclusão da pena aplicada nos presentes autos no conhecimento superveniente do concurso, julgando-se inexistente o quadro jurídico que permita tal eliminação pois indubitável se mostra que tem o arguido direito à menor desvantagem possível, tendo a metódica de restrição de ser encarada como compatibilização harmónica entre o direito do arguido e a realização da justiça na medida em que todos os preceitos constitucionais integram normas que fornecem os parâmetros de interpretação recta do Direito que lhe está infra ordenado, devendo assim lançar-se mão do princípio da interpretação conforme a Constituição da República Portuguesa e não se mostrando os factos todos praticados para além do marco temporal (04 de...

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