Acórdão nº 104/15.5GBSCD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Outubro de 2017
Magistrado Responsável | VASQUES OS |
Data da Resolução | 18 de Outubro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Competência Genérica de Santa Comba Dão – Juiz 1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A...
, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, p. e p. pelos arts. 323º, a) e 324º do C. da Propriedade Industrial.
Por despacho proferido na audiência de julgamento de 27 de Fevereiro de 2017 [acta de fls. 232 a 234] foi comunicada ao arguido uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nada tendo sido oposto ou requerido.
Por sentença de 27 de Fevereiro de 2017 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de quatro meses de prisão. * Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1. Foi o Arguido A... condenado ao cumprimento da pena de prisão efetiva de 4 (quatro) meses.
-
Contudo, assentou a decisão do tribunal a quo, entre outras, em prova pericial que deverá ser declarada nula, porquanto: 3. Não foi o Arguido notificado da data designada para a realização da referida prova, tal como prevê o artº 154º/ 4 CPP, a fim de ser assegurado o direito de exercício do contraditório; 4. Tampouco foi permitido ao arguido, querendo, nomear perito que interviesse na realização da dita perícia e acautelasse a tutela do seu direito processual legitimo; 5. Sendo que a omissão de tal procedimento faz enfermar de nulidade a prova pericial sub judice; 6. Daí advindo que o Arguido viu limitadas as suas garantias de defesa e o seu direito de acesso a um processo justo e equitativo.
-
Mormente, viu ser-lhe imposta uma verdadeira obrigação de indefesa.
-
Por outro lado, o tribunal a quo valorou o silêncio do Arguido como conduta incriminadora; 9. Comportamento que se afigura hostil ao preceituado pela Constituição da República Portuguesa e pela alínea d) do nº 1 do artº 61º CPP; 10. Mormente, contrário aos princípios da proibição da obrigação de indefesa, princípio do acesso a um processo justo e equitativo e tutela jurisdicional efetiva; 11. Pelo que deverá a presente sentença ser integralmente revogada; 12. O que desde já se requer.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e em consequência, ser a douta sentença integralmente revogada e substituída por outra que determine a absolvição do arguido ora recorrente.
Assim se fazendo JUSTIÇA! * Respondeu ao recurso alegando, em síntese, que tal como se decidiu na sentença recorrida, a falta de notificação ao arguido do despacho que ordenou a realização da perícia constitui mera irregularidade, há muito sanada, por não invocada tempestivamente, e que não foi violado o direito ao silêncio, apenas não foi o arguido, por qualquer forma, beneficiado com tal exercício, e concluiu pela manifesta improcedência do recurso.
* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo os argumentos levados à resposta do Ministério Público, e concluiu pela improcedência do recurso.
* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Respondeu o arguido, reafirmando o alegado na motivação e concluindo como aí.
* Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
* II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A nulidade da prova pericial relativa aos artigos a que está aposta a marca Lacoste e suas consequências; - A violação do direito ao silêncio e suas consequências.
* Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim: A) Assim, nela foram considerados provados os seguintes factos: “ (…).
1. No dia 01.07.2015, cerca das 10h10, no recinto da feira semanal de Santa Comba Dão, o arguido detinha, expostos para venda ao público, ostentando nos lugares próprios e usuais, os símbolos, etiquetas e dizeres com inscrições de modelos e marcas, os seguintes produtos: i. 30 polos com os dizeres Lacoste; ii. 33 calções com os dizeres Adidas; iii. 18 fatos de treino (calção, tipo leggings, e camisola de manga curta com os dizeres Adidas); iv. 6 fatos de desporto (calção e camisola de manga cavada), com os dizeres Adidas.
-
Os produtos descritos com os dizeres Adidas: i. Não fazem parte de nenhuma colecção Adidas; ii. Não são modelos originais Adidas; iii. As peças não respeitam as normas de etiquetagem dos produtos Adidas; iv. Não apresentam as etiquetas estampadas com as instruções de lavagem e origem de fabrico, originais da Adidas; v. As etiquetas de tamanho não são originais; vi. As etiquetas de cartão não são originais da Adidas, não tendo as informações obrigatórias nessas etiquetas (referência do artigo, código do artigo, tamanhos, etc); vii. O material com que foram fabricados e os acabamentos finais e bordados não respeitam os padrões de qualidade exigidos pela Adidas; viii. Os sacos de plástico onde as peças estavam embaladas não são originais da Adidas; 3. Os produtos descritos com os dizeres Lacoste: i. Não apresentam etiqueta de código de barras com referência, cor, tamanho, país de origem e composição do artigo; ii. A qualidade do produto é inferior à do utilizado pela Lacoste; iii. Os logotipos apresentam imperfeições; iv. As embalagens não apresentam as características da Lacoste.
-
As expressões impressas nas etiquetas e os logotipos apresentados nos produtos são susceptíveis de sugestionar o público consumidor que, ao adquiri-los, estaria convencido que se tratariam de produtos das verdadeiras marcas registadas Adidas e Lacoste, os quais pretendem reproduzir.
-
O arguido tinha pleno conhecimento que, aquando da produção dos produtos, lhe haviam sido apostos todos os símbolos e referências das marcas atrás mencionadas, símbolos esses desenhados e apostos de tal forma que se tornaram semelhantes aos das verdadeiras marcas, que o arguido sabia não estar autorizado a usar.
-
O arguido transportou esses produtos de lugar não apurado até ao recinto da feira semanal de Santa Comba Dão.
-
O arguido sabia que aqueles artigos, que destinava à venda junto do público, não podiam ser comercializados por se tratarem de reproduções ilícitas de artigos de marcas registadas, actuando com o propósito de obter para si uma vantagem patrimonial que não tinha direito, lesando os respectivos titulares.
-
Agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
[Mais se provou:] 9. O arguido é vendedor, vendendo produtos em feiras.
-
É oriundo de uma numerosa família de etnia cigana, radicada, há vários anos, na vila de Nelas.
-
O arguido abandonou o sistema de ensino antes de concluir a escolaridade obrigatória.
-
Tem uma companheira e dois filhos.
-
O agregado familiar aufere rendimento social de inserção, no valor de 264 €, a que acrescem os abonos dos menores, recebendo quantia não apurada pela venda ambulante de produtos em feiras.
-
Junto da comunidade, o arguido tem uma imagem bastante negativa, evidenciando grande insensibilidade e falta de crítica às anteriores condenações de que foi alvo, furtando-se, sempre que possível, ao controlo dos serviços.
-
O arguido desvaloriza a ilicitude dos actos cometidos, assumindo com desvalor as obrigações decorrentes das penas, criando dificuldades no cumprimento das mesmas, designadamente quanto ao trabalho comunitário.
-
Os contactos que o arguido vai mantendo com as instâncias judiciais não têm efeito dissuasor consistente, tendo permitido a consolidação de um sentimento de impunidade por parte do arguido.
[Dos antecedentes criminais:] 17. O arguido tem averbado no seu registo criminal as seguintes condenações: i. Pela prática, em 31.10.2006, de um crime de condução sem habilitação legal, do artigo 3.º, do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 4 €, por sentença transitada em julgado em 02.02.2007, no âmbito do processo sumaríssimo n.º 242/06.5GBNLS, da Secção Única do Tribunal Judicial de Nelas, extinta pelo cumprimento em 04.07.2007; ii. Pela prática, em 14.04.2011, de um crime de condução sem habilitação legal, do artigo 3.º, do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 6 €, por sentença transitada em julgado em 18.04.2012, no âmbito do processo sumaríssimo n.º 59/11.5GBGVA, do Tribunal Judicial de Gouveia, extinta pelo cumprimento em 11.09.2013; iii. Pela prática, em 23.04.2011 e 04.04.2011, de dois crimes de condução sem habilitação legal, do artigo 3.º, do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de 5,50 €, por sentença transitada em julgado em 23.04.2012, no âmbito do processo comum singular n.º 28/11.5GBSEI, do Tribunal Judicial de Seia, extinta pelo cumprimento em 31.03.2015; iv. Pela prática, em 2012, de dois crimes de condução sem habilitação legal, do artigo 3.º, do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de 5 €, por sentença transitada em julgado em 10.12.2012, no âmbito do processo sumaríssimo n.º 208/11.3GCSCD, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, extinta pelo cumprimento em 17.05.2013; v. Pela prática...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO