Acórdão nº 403/16.9GASEI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução25 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca da Guarda – Juízo de Competência Genérica de Seia – Juiz 1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A...

, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso efectivo, de dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, a) e d) e 2 do C. Penal.

A assistente F... acompanhou a acusação pública e deduziu pedido de indemnização contra o arguido com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 10.000, por danos não patrimoniais sofridos.

Por despacho proferido na audiência de julgamento de 8 de Junho de 2017 [acta de fls. 404 a 405], foi comunicada ao arguido uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nada tendo sido oposto ou requerido.

Por sentença de 8 de Junho de 2017 foi o arguido absolvido da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, d) e 2 do C. Penal, e condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, a) e 2 do C. Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período, condicionada à entrega da quantia de € 850 à assistente, no prazo de um ano a contar do trânsito da sentença, quantia a integrar na indemnização arbitrada.

Mais foi o arguido condenado no pagamento à assistente da quantia de € 850 para compensação dos danos não patrimoniais sofridos.

* Inconformada com a decisão, recorreu a assistente, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

  1. Foram considerados como provados, além de outros, os factos constantes do terceiro parágrafo da presente motivação recursória.

  2. Na fixação dos valores indemnizatórios, deverão ser tidos em conta os critérios estabelecidos no artigo 496º do CC, bem como as tendências mais recentes da Jurisprudência relativamente a processos com o mesmo objecto.

  3. Relativamente às lesões na saúde (bem jurídico complexo protegido pelo artigo 152º do CP), o qual abrange a saúde física, psíquica e mental, o julgador não se poderá abstrair do grau de culpa do arguido (dolo directo, como se provou), reflexo socioeconómico do crime na vida da assistente, devendo ainda ter em consideração a saúde no seu todo da assistente, bem como a sua idade, projectos de vida, qualificações profissionais e demais situação socioeconómica.

  4. No caso concreto, os danos não patrimoniais da assistente ocorreram devido à acção do arguido, que, ao longo dos anos, praticou na pessoa da assistente diversos factos subsumíveis ao tipo legal de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º do CP.

  5. Provocando na mesma o medo, ansiedade, vergonha, inquietação, desgosto, humilhação, tristeza e mágoa, afectando a sua reputação, honra e consideração.

  6. Sendo a mesmo uma pessoa jovem, sem problemas na sua vida até ao casamento com o arguido, com poucas qualificações académicas e prosseguindo a sua actividade laboral como sócia e empregada da agência funerária explorada pelo arguido.

  7. Não obstante, era obrigada a recorrer a Instituições de Solidariedade Social e ajuda de terceiros para obter géneros alimentícios e roupa, uma vez que o arguido se negava a ajudar a sua esposa, ora assistente, e filhas.

  8. Estes danos foram exponenciados pelo facto de as filhas menores da assistente terem presenciado tais episódios de violência.

  9. Ponderados estes factos, o quantum compensatório deverá sempre oscilar entre os 2.000 € a 4.000 €, atenta a desvalorização do dinheiro nos dias de hoje, repulsa da sociedade actual pela prática de violência doméstica, prossecução, por parte dos tribunais superiores, de valores indemnizatórios que efectivamente cumpram a função ressarcidora que a Lei lhes acomete, e que não revelem, apenas, uma compensação miserabilista ou meramente simbólica – o que não é de todo o escopo da Lei Civil.

  10. A situação patrimonial do arguido, se bem que seja factor a ter em conta, não pode servir para desvalorizar o arbitramento de quantia superior a 850 €, pois o arguido, como agente funerário, sempre terá tempo suficiente para poupar o valor adequado a compensar a assistente.

  11. De igual modo, a Lei Penal prevê que a suspensão do cumprimento da pena de prisão pode sempre ficar adstrita ao pagamento de parte da quantia à assistente, não obrigando juridicamente ao pagamento da totalidade até ao termo do prazo de suspensão da pena (moralmente já será outra questão).

  12. A douta sentença recorrida violou, na decisão sobre o pedido de indemnização civil, o estatuído nos artigos 483º, 496º e 566º do CC e, ainda, o artigo 129º do CP.

    Termos em que, concedendo provimento ao presente Recurso, e alterando-se a sentença recorrida na parte que respeita ao arbitramento de indemnização por danos não patrimoniais resultantes da prática do crime farão, Vossas Excelências, JUSTIÇA! * Igualmente inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: I. Com o devido respeito pelo tribunal recorrido, outra deve ser a decisão absolvendo o arguido, no que concerne ao crime de que foi acusado e condenado.

    1. Requer-se, pois, que o Tribunal Superior aprecie as provas, ouvindo as gravações, fato que em sede crítica das mesmas verificará que a apreciação da prova não fez o melhor e correto enquadramento das regras da experiencia.

    2. Pelo que, e para que o tribunal consiga um juízo de ponderação integral, reproduzir-se-á, os depoimentos considerados preponderantes na decisão, para que duvida não reste, pelo que, para o efeito, indica-se início e termo da gravação, conforme consignação em ata, indicando as concretas passagens em que se funda a impugnação (atentos dos preceitos nos artigos 364º, nº 2 do CPP e artigo 412º, nº 2 do CPP).

    3. Consta da Douta Sentença julgados como provados a matéria de fato constante nos pontos 4 (… foram varias as discussões que travou com a ofendida F... , discussões, essas que, por vezes, acabaram em agressões físicas e verbais.”; 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31 e do pedido de indemnização civil: os pontos 32, 33, 34, 35.

    4. Factos que, entende o ora recorrente não deviam ter sido dado como provados, atento a que não existe prova suficiente e a existente é deficitária e contraditória, pelo que, se impugna a decisão proferida sobre a matéria de fato e de direito.

    5. Não podemos deixar de salientar, a título de questão prévia, que o Tribunal a quo, deveria ter sempre, na formação da sua convição, o disposto no art. 32º, nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa, “todo o arguido se presume inocente até trânsito em julgado da sentença de condenação…” e que deste princípio da presunção de inocência decorre, como é referido por José M. Zugaldia Espinar: “que partindo ele da ideia que o acusado é, em princípio inocente, a sentença condenatória contra o mesmo só pode pronunciar-se se da audiência de julgamento resultar a existência de prova que racionalmente possa considerar-se suficiente para desvirtuar tal ponto de partida.” VII. Ora, tal só acontecerá se a prova produzida em sede de audiência e julgamento, permita afirmar lógica e racionalmente, de forma concreta e sem dúvida, a existência e o preenchimento de todos os elementos do tipo dos crimes em apreço.

    6. E por outro lado que leve a concluir, sem dúvida, que foi o arguido/recorrente o responsável pela sua ocorrência.

    7. Refere a propósito Mercedes Lopez – “Prova e presunção de inocência” – 2005, pg 143. “… só se pode condenar alguém se for possível imputar-lhe a realização de todos os pressupostos e condições legais exigidos para o efeito, devendo ditar-se uma absolvição se se provarem fatos que neguem a possibilidade dessa imputação ou se aqueles pressupostos e condições se não verificarem no caso concreto.” X. E neste caso, face à prova produzida, deveria ter sido ditada ao arguido A... a, absolvição de todos os crimes de que veio acusado e em particular do crime de que foi condenado.

    8. Uma vez que foi dado erradamente como provado os pontos nos exatos termos supra referidos e que aqui se dão como reproduzidos para todos os efeitos legais.

    9. Importa ainda referir, como nota prévia que os presentes autos “nasceram” de sequência de queixas apresentadas pela assistente, queixas, essas, que diga-se não consubstanciaram de imediato os factos constantes da acusação.

      XIII. Aliás diga-se que a queixa inicial refere apenas e tão só que o arguido não dá sustento à filha comum do casal, posteriormente, é que a assistente, “se lembra” dos factos que deram “corpo” à acusação.

    10. O que se estranha atendendo a que a mesma diz que já havia sido vítima de violência doméstica durante anos, e que meses antes de sair de casa contatou autoridades e se aconselhou de como fazer … XV. Depois sempre se diga que a versão trazida aos autos pela assistente já não é a mesma que teve em sede de inquérito, levando o tribunal a efetuar alteração não substancial dos factos.

    11. Ora, atendendo ao descrito, bem como ao comportamento claramente teatral da assistente, outra deveria ter sido a interpretação das declarações de parte.

    12. Uma vez que, para além de declarações diferentes em diferentes momentos do processo, as mesmas não foram confirmadas pelos restantes meios de prova nomeadamente prova testemunhal.

      XVIII. Assim sendo, e para que se possa racionalmente fundamentar os factos dados como provados com base nas declarações da assistente, devem as mesmas ser confirmadas por outros meios probatórios, e estes sejam credíveis, derivados de provas diretas ou indiretas, devidamente conjugados entre si e com as regras da experiência comum.

    13. Ou seja, o que é necessário é que o meio de prova fundamentador da convicção seja credível e que o tribunal explique as razões que lhe determinaram a atribuição de credibilidade.

    14. Entende o recorrente que as declarações da assistente não tem a...

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