Acórdão nº 2531/13.3TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução25 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

1.

Nos autos de processo de instrução supra identificados, findo o inquérito, pelo Ministério Público foi proferido despacho no qual determinou o seu arquivamento por ter concluído que após a realização das diligências, não foi possível obter indícios suficientes da prática do crime de falsificação de documento p. e pelo artigo 256º, nº 1 do Código Penal.

2.

Face a este arquivamento, requereu a assistente “A... Lda.” a abertura de instrução, requerendo que os arguidos B... e C... sejam pronunciados, em coautoria, pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, al. d) do Código Penal.

3.

Declarada aberta a instrução, foram realizadas as diligências tidas por conveniente, nomeadamente procedeu-se ao interrogatório dos arguidos B... e C... e à inquirição da testemunha D... .

4.

Procedeu-se à realização do debate instrutório.

5.

Por fim foi proferida decisão de não pronúncia da arguida C... e do arguido B... pela prática do crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º nº. 1 do Código Penal.

6. Deste despacho de não pronúncia recorre agora a assistente “ A... Lda.”, que formula as seguintes conclusões: 1. A... LDA., participou criminalmente no passado dia 18 de Dezembro de 2013 contra os ora Recorridos B... e C... , imputando-lhes a prática de diversos factos, os quais consubstanciam na ótica da Assistente ora Recorrente a prática do crime de falsificação de documento.

2. Contudo, foi o proferido Despacho Final que determinou o arquivamento dos autos, inconformada a Assistente ora Recorrente, requereu a abertura de instrução, pois no entendimento da ora Recorrente haviam sido recolhidos indícios bastantes e suficientes da prática do crime de falsificação de documentos. - Os quais constam da prova documental, que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

3. Os Recorridos B... e C... , eram os únicos sócios da sociedade comercial por quotas ‘D... Lda.”, pessoa coletiva n° (...) , com sede no (...) Leiria — cf. doc. n° 1, que acompanhou a queixa crime que deu início aos autos.

4. Sendo que o Recorrido, B... , era ainda o único gerente daquela sociedade — cf. doc. n° 1, que acompanhou a queixa crime que deu início aos autos. 5. Aquela sociedade — “ E... , Lda.” — tinha por objeto comercial serralharia civil de alumínio e ferro, comércio e transformação de alumínio e construção civil. — cf. doc. n° 1, que acompanhou a queixa-crime que deu início aos autos. 6. Por sua vez, a Recorrente dedica-se ao comércio de perfis de alumínio, painel e acessórios, no exercício da atividade comercial de ambas, e a pedido daquela sociedade “ E... ”, a Recorrente vendeu àquela diversa mercadoria melhor especificada na sua qualidade e quantidade na Venda a Dinheiro n° 5294-8, no valor de 264,20 €, datada de 23/11/2007 — cf. doc. n° 2, que acompanhou a queixa crime que deu início aos presentes autos.

7. Todavia, para pagamento daquela Venda a Dinheiro, a Sociedade E... nunca entregou à Recorrente qualquer valor.

8. Pelo que, a Recorrente, após sucessivas interpelações extrajudiciais frustradas, não teve outra alternativa que não fosse a apresentação de um requerimento de injunção para pagamento da quantia em dívida, bem como dos juros de mora até então vencidos cf. doc. n° 3, que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

9. O requerimento de injunção foi apresentado a 10-04-2012, a peticionar a quantia total de 477,88 € (quatrocentos e setenta e sete euros e oitenta e oito cêntimos), tendo sido indicados como requeridos a sociedade comercial por quotas “ E... , Lda.” e o sócio gerente B... , denunciado no âmbito dos presentes autos. 10. Aquela injunção foi enviada à distribuição em 27-05-2012, por ter sido deduzida oposição à injunção pelo Requerido B... , ora denunciado, tendo dado origem ao processo nº 65236/12.6YIPRT, que correu termos no 4° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria - cf. doc. n° 4 que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

11. Foi alegado pelo Recorrido Marido, na sua oposição, entre outros factos, que a quantia em causa na Venda a Dinheiro n° 5294-8, no valor de 264,20 €, foi integralmente paga a dinheiro, após entrega da mercadoria, o que não correspondia, nem corresponde à verdade conforme se veio a provar judicialmente. 12. Em sede de audiência de julgamento pelo Recorrente B... o teor de matrícula e todas as inscrições em vigor respeitantes à sociedade “ E... , Lda.” - cf. doc. n° 5 que acompanhou a queixa crime que deu inicio aos presentes autos.

13. Nos termos de tal documento a sociedade foi dissolvida e liquidada em 07/09/2012, tendo também, na mesma data, se procedido ao cancelamento da sua matrícula. - cf. doc. nº 5 que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

14. Mais juntou o Recorrido, em sede de audiência de julgamento, a ata que esteve na origem do referido registo de dissolução e liquidação da sociedade E... - cf. doc. n° 6 que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

15. Ora, nos termos dessa ata (ata nº 10), a assembleia geral da sociedade (composta por ambos os Recorridos) aprovou por unanimidade a proposta de dissolução da sociedade. - cf. doc. n° 6 que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

16. Os Recorridos sabiam que tais declarações não correspondiam à verdade, já que sabiam que a sociedade mantinha passivo, consubstanciado, pelo menos, na dívida para com a Requerente no valor de 264,20 € - dívida que foi dada como provada na sentença proferida no processo n° 65236/12.6YIPRT - cf. doc. n° 7 que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

17. Os Recorridos B... e C... agiram tendo em vista a extinção da sociedade, deixando deste modo a credora ora Requerente sem possibilidade de ver cobrado o seu crédito.

18. Foi precisamente o que veio a ocorrer no processo de injunção supra identificado. pois apesar de ter ficado provado que “para pagamento da mercadoria constante da Venda a Dinheiro n°5294-8, E... não entregou à Autora qualquer valor”, a verdade é que a sociedade devedora encontrando-se dissolvida e. portanto, extinta, carece de personalidade jurídica e judiciária para ser demandada em acção, pelo que foi determinada a sua absolvição na instância. - cf. doc. n° 7 que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

19. Todavia, ficou provado que a sociedade E... detinha passivo para com a ora Recorrente.

20. Pelo que, os Recorridos, ao prestarem aquelas declarações para dissolução e liquidação e ao terem votado no sentido em que o fizeram, prestaram falsas declarações, pois bem sabiam que a sociedade detinha passivo, nomeadamente para com a ora Recorrente. 21. Dúvidas não poderiam restar, de que estava preenchido o elemento objetivo do crime de falsificação de documentos, já que, existe uma manifesta falsificação intelectual, uma vez que foi emitida uma declaração inverídica através de um documento verdadeiro, que integra um facto juridicamente relevante. 22. De facto, dispõe o art.° 256° do CP engloba tanto a falsidade material, ou seja, quando o documento é total ou parcialmente alterado, quando se imitam elementos de um documento que já existe, como a falsidade intelectual, ou seja, quando o documento é verdadeiro, genuíno mas não traduz a verdade por haver uma desconformidade entre a declaração e o que dele consta.

23. Por outro lado, estamos perante um documento, já que nos termos do art.° 255° do CP, constitui documento “a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta.” 24. Ou seja, no presente caso, estamos perante uma falsificação intelectual de um documento: a declaração é conforme com a vontade, todavia contra a verdade dos factos — contra a vontade real — corno ensina Helena Moniz (O Crime de Falsificação de Documentos, pág. 191).- cfr. neste sentido Ac. TRCoimbra de 20-12-2011, processo n° 40/08.ITAPNH.C1, disponível em vww.dsij.

25. Desta forma, através de tal declaração falsa aposta naquele documento, lograram os Recorridos cessar a atividade da sociedade E... , declarando também, que todo o ativo e passivo da referida sociedade, se encontrava já, liquidado. 26. Tal declaração teve como efeito imediato a perda de personalidade jurídica da referida sociedade. pelo que, a mesma se encontrava já extinta. Desta forma, sabendo os Recorridos B... e C... que a sociedade, cuja atividade cessaram. era devedora de 264,20 € à aqui Recorrente. fecharam todas as portas para que se operasse a cobrança da referida divida pela via judicial. 27. Com efeito, tal declaração inverídica alterou a relação jurídica existente entre os denunciados e a ora Recorrente. na medida da qual, esta passou a estar impossibilitada de cobrar os seus créditos judicialmente.

28. O que é demonstrativo que tal declaração inverídica integra um facto juridicamente relevante, pelo que, a sua emissão e utilização alterou, modificou uma relação que se regia pelo Mundo do Direito. Neste sentido, se encontra preenchido o elemento objetivo do crime de falsificação de documento preenchido, verificada e provada que está a conduta ilícita dos denunciados, suscetível de enquadrar a configuração jurídica patente na aI. d) do n° 1 do art.° 256° do CP.

29. Sendo que, importa alertar, que para a verificação deste tipo de ilícito, é bastante observar um crime...

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