Acórdão nº 1/15.4GBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução29 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do PCC n.º 1715.4GBCBR.C1, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Coimbra – JC Criminal – Juiz 1, mediante acusação pública, foram os arguidos A...

, B...

, C... , D...

, E...e F... , todos melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento, sendo-lhes, então, imputada a prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, alíneas b) e i) do D.L. n.º 15/93, de 22.01.

  1. Realizada a audiência de discussão e julgamento (no decurso da qual o tribunal comunicou a alteração da qualificação jurídica dos factos relativamente ao arguido C... , passando os mesmos a integrar o crime p. e p. pelo artigo 26.º do D.L. 15/93, de 22.01) por acórdão de 21.10.2016 foi decidido [transcrição parcial do dispositivo]: I.

    Condenar o arguido A...

    pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, na forma agravada, pp. Nos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea i) do D.L. n.º 15/93, de 22.01, na pena de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de prisão.

    II.

    Condenar o arguido B...

    pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, na forma agravada, pp. nos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea i) do D.L: n.º 15/93, de 22.01, na pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão.

    III.

    Condenar a arguida D...

    pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, na forma agravada, pp. nos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea i) do D.L. n.º 15/93, de 22.01, na pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

    IV.

    Absolver os arguidos A... , B... e D... do crime de tráfico de estupefacientes agravado, pp. nos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea b) do D.L. n.º 15/93, de 22.01.

    V.

    Absolver os arguidos E...e F... da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, pp. Nos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas a) e i) do D.L. n.º 15/93, de 22.01, por que vinham acusados.

    VI.

    Condenar o arguido C...

    pela prática de 1 (um) crime de traficante-consumidor, pp. no artigo 26.º, n.º 1 do D.L. n.º 15/93, de 22.01, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 (dezoito) meses, com regime de prova.

    (…) Declaro perdidos a favor do estado todos os objetos apreendidos aos arguidos A... , B... e D..., uma vez que serviram para a prática do crime ou são provenientes da atividade de tráfico – artigos 35.º e 36.º do D.L. n.º 15/93, de 22.01.

    * Declaro perdido a favor do estado todo o produto estupefaciente apreendido nos autos.

    Destruam-se as amostras cofres (artigo 62.º, n.º 6, do D.L. n.º 15/93).

    (…).

  2. Inconformados com o assim decidido recorreram os arguidos A...

    , D...

    e B...

    , extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: A...

    : 1. Foi o ora Recorrente condenado por Acórdão proferido em 21 de Outubro de 2016 pelo Coletivo dos Juízes da Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Coimbra, pela coautoria material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelo art.º 21º nº 1 e 24º alínea i) da Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 anos e 10 meses de prisão, cuja coautoria material já lhe era imputada no libelo acusatório.

  3. A grande questão é a de saber se poderão ser lidas em julgamento, sem a concordância do arguido, as declarações prestadas por uma testemunha em sede de inquérito quando prestadas perante Magistrado do MP, e a sua leitura tenha sido requerida com o fundamento de existirem discrepâncias entre elas e as feitas em audiência ou a sua leitura seja necessária para o avivamento da memória.

  4. O Tribunal Recorrido entendeu que para tais declarações serem lidas em julgamento não é necessário a concordância dos Arguidos, pura e simplesmente porque tinham sido prestadas perante Magistrado do MP, e isso por si só, basta para que fossem reproduzidas em audiência.

  5. Tal interpretação do art.º 356º nº 3 do CPP é inconstitucional e contrária à constituição, violando claramente, o disposto no art.º 356º, nº 1, nº 2, alínea b) e nº 5 do CPP e, claramente, o disposto no art.º 20º e do art.º 32º da CRP.

  6. Entendemos que o despacho que admitiu e determinou as leituras do depoimento prestado pelas testemunhas, em sede de inquérito é nulo por interpretar o disposto no art.º 356º, nº 3 e 5 contrário à constituição, violando claramente o disposto no art.º 356º, nº 1, n.º 2, alínea b) do CPP e, claramente, o disposto no art.º 20º e do art.º 32º da CRP.

  7. Efetivamente, o referido despacho de admissão e determinação de leitura das declarações prestadas pela referida testemunha em sede de inquérito perante Magistrado do MP, é NULO porque não houve a concordância por parte dos arguidos na leitura daquelas declarações como exigido pelo disposto no art.º 356º, nº 2, alínea b) e n.º 5 do CPP e conforme é imposto pelos princípios basilares do contraditório, da imediação e da oralidade, tudo em violação dos referidos já preceitos constitucionais do art.º 20º e 32º da CRP.

  8. Este entendimento por parte do Tribunal a quo, que consideramos sem dúvida inconstitucional – entendimento segundo o qual basta as declarações terem sido prestadas perante o MP e que haja discrepâncias ou necessidade de avivamento da memória da testemunha para que se proceda, sem mais e sem a concordância exigida pelo n.º 2 alínea b) do CPP, à leitura das declarações das testemunhas prestadas em sede de inquérito.

  9. Diz o Tribunal a quo que o n.º 3 do art.º 356º do CPP permite em audiência a leitura das declarações prestadas perante autoridade judiciária no caso concreto MP), desde que se verifique um dos requisitos previstos nas duas alíneas desse n.º 3, ou seja, desde que se verifique a necessidade de avivar a memória da testemunha ou existam entre as declarações prestadas em inquérito e as feitas em audiência contradições ou discrepância.

  10. Referindo que, se assim não fosse, não faria sentido a alteração introduzida ao n.º 3, uma vez que antes o n.º 3 dizia “também permitida a leitura das declarações anteriormente prestadas perante Juiz” e o novo n.º 3 alterou dizendo “também permitida a leitura das declarações anteriormente prestadas perante autoridade judiciária”.

  11. Referindo, ainda, que tal alteração apenas tem utilidade se tal leitura não estiver dependente da concordância prevista no disposto no n.º 5 (concordância dos arguidos, MP e Assistente).

  12. Bem … o Tribunal a quo parece ter-se esquecido que o artigo em causa, o art.º 356º do CPP, é composto por 9 (nove) números e que, assim sendo, este artigo terá que ser interpretado tendo em conta o seu todo.

  13. Antes de mais qualquer disposição legal deve ser analisada desde o seu início (desde do seu nº 1) e em conjugação com outras que com a primeira estejam relacionadas. No caso em concreto deverá ser analisado todo o art.º 356º do CPP.

  14. O art.º 356º do CPP regula quais os autos que podem ser lidos em Audiência de Discussão e Julgamento, e começa, como é evidente, pelo seu n.º 1.

  15. E este n.º 1 do art.º 356º do CPP fixa inequivocamente a REGRA nesta matéria, através da formulação “Só é permitida a leitura em audiência de autos (…) Ou seja, logo no nº 1 temos a proibição de leitura como status natural.

  16. Partindo dessa proibição regra, são estabelecidas, ainda no nº 1, as exceções relativas à leitura de autos: todas aquelas que não contenham declarações do arguido, assistente, partes civis ou de testemunhas; assim como a leitura dos autos decorrentes dos atos regulados pelos artigos 319º, 320º e 321º.

  17. Ou seja, regra: não é permitida a leitura de autos que contenham declarações do arguido, assistente, partes civis ou de testemunhas.

  18. ESTA É A REGRA. Ou seja do nº 1 resulta, para o que aqui nos interessa, a proibição de leitura como status natural e, ainda, a proibição de leitura de autos que contenham declarações do arguido, assistente, partes civis ou de testemunhas (a contrário).

  19. No nº 2 do art.º 356º do CPP deparamo-nos com um regime de exceções à proibição de leitura de autos que contenham declarações do assistente, das partes civis e das testemunhas, quando estas tenham sido prestadas perante o Juiz (aqui entendido no sentido amplo, incluindo o Juiz de Instrução Criminal), ou seja, exceções à alínea b) do n.º 1, em três casos, a saber: - Primeiro, se as declarações tiverem sido obtidas nos termos dos artigos 271º e 294º, isto é se resultarem da prestação de declarações para memória futura; - Segundo, se o MP, o arguido e o assistente estiverem de acordo na leitura; - Terceiro, quando são obtidas mediante rogatórias ou precatórias legalmente permitidas.

  20. Ou seja, este n.º 2 do art.º 356º do CPP estabelece, tendo em conta a matéria em análise, que quando as declarações das testemunhas em sede de inquérito tenham sido prestadas perante um juiz apenas podem ser lidas aquelas que tenham sido prestadas para memória futura (o que se entende, pois como sabemos, neste caso, o princípio do contraditório encontra-se totalmente salvaguardado, na medida em que ao arguido e ao seu mandatário são comunicados o dia, hora e local da prestação do depoimento para que possam estar presentes sendo obrigatória a presença do defensor do arguido) aquelas que tenham sido obtidas mediante carta rogatória ou precatória legalmente permitidas (o que se entende, pois como sabemos, neste caso, o princípio do contraditório encontra-se também salvaguardado), ou aquelas relativamente às quais exista a concordância, entre outros, do arguido! 20. O n.º 3, por sua vez, estabelece que “é também permitida a leitura de declarações prestadas perante autoridade judiciária na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos ou quando houver entre elas e as feitas em audiência contradições ou discrepâncias.” 21. Ora, tendo em conta o nº 1 e o n.º 2 do referido artigo, este n.º 3 deverá ser interpretado no sentido de que quando as declarações das testemunhas em sede de inquérito tenham sido prestadas perante autoridade judiciária (MP) estas...

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