Acórdão nº 97/14.6T8ABC-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução14 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

R (…) veio, por apenso à execução que lhe foi movida por C (…), S.A., deduziu oposição mediante embargos de executado, cumulada com oposição à penhora.

Pediu: Que a execução seja julgada extinta, com todas as demais e legais consequências daí decorrentes, incluindo com a extinção da hipoteca que onera as frações autónomas “C” e “D”, penhoradas nos autos.

Ou caso, assim não se entenda, julgar-se a penhora subjetivamente e objetivamente ilegal, em violação do princípio da proporcionalidade.

Ou, caso a execução haja de prosseguir contra o Oponente, reconhecer-se o seu direito de retenção sobre as frações penhoradas, para garantia do seu crédito de €200.856,12.

Alegou, em síntese: Celebrou um contrato de permuta com a sociedade co executada E (…) Lda., mediante o qual deu a esta um lote de terreno e a mesma se obrigou a dar-lhe duas frações autónomas do prédio a construir nesse lote, o que veio a suceder.

Sobre as frações existe registo de hipoteca a favor da exequente em evidente abuso de direito e prejuízo do executado/opoente por enriquecimento sem causa da exequente e dos co-executados.

Alegou ainda, em síntese, que a penhora das duas frações autónomas em questão é ilegal porquanto qualquer uma delas seria suficiente, por si só, para liquidar a dívida exequenda.

Assiste-lhe o direito de retenção sobre as fracções penhoradas, devendo ser pago com prioridade sobre a exequente quanto ao produto da venda do imóvel.

A exequente contestou.

Alegando, em resumo: Desconhecia a permuta até à instrução do requerimento executivo, pois caso conhecesse teria acautelado o expurgo da hipoteca, inexistindo, por isso, qualquer abuso de direito ou enriquecimento sem causa da exequente.

A aquisição do direito de propriedade pelo executado/opoente é inoponível à hipoteca constituída a favor da exequente, sendo que a penhora realizada é válida e não excessiva.

Inexiste fundamento legal para o invocado direito de retenção.

Pediu a improcedência da oposição.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual se decidiu: «…julga-se a oposição mediante embargos de executado procedente e, em consequência, declara-se extinta a execução contra o executado/opoente.» 3.

    Inconformada recorreu a exequente.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Contra alegou o recorrido pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: (…) 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª – Nulidade da sentença- artº 651º nº1 al. c) do CPC.

    1. - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    2. - (Im)procedência da ação.

  2. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    Diz a recorrente que a sentença é nula nos termos do artigo 615º nº1 al. c) do CPC.

    Para tanto alega que as respostas dadas aos pontos 10 e 11 dos factos provados são contraditórias ou ambíguas.

    A recorrente mistura e confunde conceitos e realidades jurídicas distintas - decisão sobre a matéria de facto e sentença, hoc sensu - os vícios a elas atinentes e os efeitos destes decorrentes.

    Efetivamente, e ainda que presentemente a decisão sobre a matéria de facto passe, formalmente, a constar na sentença – lato sensu considerada - tal decisão não se confunde nem é totalmente absorvida pela sentença – stricto sensu .

    A qual, nuclearmente, se consubstancia na subsunção dos factos apurados às normas legais pertinentes, de uma forma lógica e coerente, e na respetiva decisão – artº 607º nº3 do CPC.

    Na verdade a contradição da sentença traduz-se na oposição dos fundamentos com a decisão reconduzindo-se a um vicio lógico no raciocínio do julgador, em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direção diferente - cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 1981, 5º, 141, Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, 1978, 3º, 302 e Abílio Neto, Breves Notas ao CPC, 2005, 195.

    Já na decisão sobre a matéria de facto, importa apurar se a convicção que acarreta - outrossim de uma forma lógica e congruente, ou, ao menos, não contraditória ou intoleravelmente incongruente -, a prova de certos factos e a não prova de outros, está consonante com os meios probatórios produzidos.

    No domínio do CPC pretérito existia uma autonomia processual das duas decisões: a da matéria de facto e a da sentença final.

    Então se entendendo que existia uma clara diferenciação entre os artºs 653º nº 2 e o artº 668º, vg. a sua al. b) do nº 1.

    Pois que «aquele primeiro dever aponta exclusivamente para a justificação da concreta base de apuramento da matéria de facto «qua tale», enquanto que o segundo deixa subentender a justificação ou motivação da decisão final «vis a vis» o direito substantivo concretamente aplicável» - cfr. Ac. do STJ de 06.12.2004 dgsi.pt.p.

    04B3896.

    Porém, tal entendimento mantém-se atual, no âmbito do NCPC, pois que, não obstante a alteração meramente circunstancial/formal de a decisão sobre a matéria de facto constar na sentença, lato sensu, é evidente, que as duas decisões – a sobre os factos provados e não provados e a decisão final - são, na sua génese, natureza e finalidade, lógica e teleológicamente, diferentes, e por isso obedecendo a critérios e requisitos específicos e não necessariamente coincidentes.

    E a tal autonomia aludindo, ou a mesma deles se retirando, os nºs 3 e 4 do artº 607º do CPC, sendo que aquele se reporta à sentença final, stricto sensu, e este se refere à anterior decisão sobre os factos.

    Aliás, esta diferenciação repercute-se no sancionamento dos vícios respetivos.

    Os do artº 615º, vg. o atinente à contradição ou ambiguidade previsto no nº1 al. c), reportam-se à sentença, tout court, e acarretam a sua nulidade.

    A falta e insuficiência fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, ou contradição das respostas e dos factos dados como provados, apenas tem a ver com esta decisão, como dimana do disposto no artº 662º, podendo acarretar a modificabilidade desta pela Relação, a sua anulação ou o reenvio do processo à 1ª instância para cabal fundamentação: nº1 e nº2 als. c) e d).

    5.1.2.

    No caso sub judice.

    O que a recorrente defende é que existe uma contradição ou ambiguidade nas respostas dadas aos pontos 10 e 1 1 dos factos provados.

    Logo, e como é evidente, eles reportam-se à decisão sobre a matéria de facto e não à sentença.

    Urge, pois, verificar se o vício da contradição, ou da obscuridade, previsto no artº 66º nº2 al. c) existe.

    O respetivo teor: 10.ºA exequente tinha conhecimento da existência e do conteúdo da “permuta” referida em 1.º por ocasião da celebração da escritura e do registo da hipoteca referidas em 2.º e 6.º.

    1. Se a exequente tivesse conhecimento da “permuta” referida em 1.º teria acautelado o expurgo da hipoteca e o ressarcimento por conta da “abertura de crédito” referida em 2.º aumentando o valor a distratar sobre as fracções autónomas “A”, “B”, “E”, “F”, “G” e “H”, sem contemplar as fracções “C” e “D”.

      A contradição emerge quando um facto é, lógicamente – material ou juridicamente – incompatível com o outro, de tal modo que cada um deles exclui ou acarreta a inexistência do outro.

      Assim sendo, tal contradição, in casu, inexiste.

      Na verdade, o facto 11 não está formulado na afirmativa, como se ele se tivesse efetivamente verificado, mas antes emerge condicionalmente ou como mera possibilidade.

      Como assim, não se pode dizer que a sua ocorrência é, logicamente, incompatível com o facto 10.

      Neste diz-se que a recorrente teve conhecimento da permuta.

      Mas no facto 11 não se diz, nem dele necessariamente resulta, que ela não teve conhecimento da permuta.

      A prova do facto 11 surge na sequência do alegado pela insurgente – artº 19º da contestação.

      A recorrente disse que tivesse conhecimento da permuta, teria efetivado uma certa e determinada atuação.

      Tendo o tribunal dado como provado tal conhecimento e entendendo que a atuação alegada teria interesse para a decisão da causa, consignou-a, pois que apenas assim – ie. se o consignasse nos provados -, sobre ele se poderia pronunciar em sede de subsunção e interpretação jurídicas.

      O facto 11 serve apenas para esclarecer a atitude da exequente e se retirarem as consequências, aliás confessadas, para o caso de ela ter conhecimento da permuta, como, em função do provado em 10, efetivamente teve.

      Destarte, o facto 11 não contraria o 10: antes com ele, logicamente, se conexiona, e, maxime na economia do alegado pela recorrente, o complementa.

      5.2.

      Segunda questão.

      5.2.1.

      No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.

      Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

      O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

      Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

      Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

      Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal...

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