Acórdão nº 892/15.9T8CVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório A (…), com os sinais dos autos, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “E.D.P. (…), S. A.”, também com os sinais dos autos, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe:

  1. A quantia de € 34.200,00, a título de danos patrimoniais; b) A quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais; c) Uma renda anual relativa ao poste de apoio que se encontra atualmente no identificado prédio do A., em montante a fixar pelo Tribunal; d) Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal supletiva de 4% ao ano, desde a citação e até integral pagamento.

    Alegou que: - é proprietário de dois prédios urbanos, um composto por casa de habitação (moradia familiar), descrito na Conservatória do Registo Predial da Covilhã sob o n.º 798, e outro constituído por lote para construção, sito no mesmo local do anterior e descrito na Conservatória sob o n.º 797, prédios esses que foram por si adquiridos em 06/04/1994, por compra judicial; - foi após a aquisição desses imóveis e aquando da aprovação do projeto de construção da moradia, ou seja, em 1996, que o A. constatou que em tais seus prédios a R. havia colocado dois postes, ou seja, uma torre metálica que suporta um seccionador e que ocupava cerca de 20 m2 da área do prédio e um poste de alta tensão; - no primeiro daqueles prédios, o A. construiu, em 2002, uma moradia unifamiliar, onde vive com a sua família, sendo que, por causa da torre metálica, ficou limitado quanto à disposição das áreas de lazer e agrícolas na apresentação do projeto de construção; - acresce que os funcionários da R., mesmo depois de questionados pelo A. acerca das razões da existência dos postes nos seus prédios, continuaram a entrar, sem permissão, no terreno murado onde se encontra a sua casa de habitação, chegando um veículo da R. a destruir a corrente que se encontrava a impedir a entrada de estranhos no prédio do A.; - o A. solicitou à R. que o poste fosse retirado, não tendo obtido resposta, sendo que aquela não tem licenciamento para a instalação da torre metálica com seccionador e que os postes foram colocados nos terrenos do A. sem autorização e contra a vontade deste; - em 12/02/2014, a R. comunicou ao A. que iria proceder à remodelação da linha e retirar a torre metálica instalada no prédio deste, tendo ainda procedido à alteração da posição do poste de apoio que se encontrava no outro prédio para local diferente, mas ainda dentro desse prédio; - a R. pagou ao A. a quantia de € 726,51 pelos prejuízos causados na remoção da torre metálica com o seccionador e do poste de apoio; - porém, toda esta situação – mormente, a atuação ilegal da R. – causou e continua a causar ao A. e à sua família incómodos e aborrecimentos, além de o impedir de desfrutar do logradouro e do seu prédio na totalidade, com a comodidade, conforto e prazer que o mesmo lhe proporcionaria, não fosse a atuação descrita; - com os consequentes prejuízos, como peticionado.

    A R. contestou: - impugnando diversos factos alegados pelo A.; - alegando que lhe foi concedida, em 21/09/1992, licença de estabelecimento, pela Direção Regional de Indústria e Energia do Centro, da aludida linha aérea de média tensão, tendo sido dada ampla publicidade, nos termos regulamentares, ao projeto daquela linha, que esteve patente na Câmara Municipal da Covilhã, assim como na Direção Regional do Centro, do Ministério da Economia, em Coimbra, de forma a poder ser consultado por todos os interessados; - referindo que, aquando da aquisição dos prédios pelo A., os apoios da rede elétrica já se encontravam instalados em tais terrenos, desde os finais de 1992, vindo a moradia a ser construída a distância considerável da torre elétrica, a qual não ocupava mais de 4 m2, sendo insignificante a decorrente limitação em termos de aproveitamento do espaço pelo A., de tal forma que, entre 1994 e 2003, não foi apresentada qualquer reclamação; - a modificação na rede elétrica a que a R. procedeu nos anos de 2013 e 2014 foi licenciada pelo Estado Português, modificação essa que previa a remoção dos dois apoios existentes na propriedade do A. e a colocação de um outro, sendo falso que a quantia paga ao A. tenha que ver com prejuízos causados com a remoção da torre metálica e do seccionador, pois que tal indemnização refere-se apenas à colocação do novo apoio e aos prejuízos decorrentes do corte de videiras, de uma oliveira e de uma cerejeira e respetiva perda de rendimento do terreno; - os invocados danos de natureza não patrimonial não têm relevância jurídica, devendo o A., alegando factos não verdadeiros, do seu conhecimento pessoal, ser condenado como litigante de má-fé.

    Concluiu pela improcedência da ação e pela condenação do A. em multa e indemnização, em montante a apurar, por litigância de má-fé.

    Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que se considerou nada obstar ao conhecimento de meritis, e efetuada a definição do objeto do litígio e dos temas da prova, sem reclamações.

    Procedeu-se à realização da audiência final, com produção das provas, seguida da prolação de sentença, na qual, considerando improcedente a ação e procedente o incidente de condenação por litigância de má-fé, foi a R. absolvida do contra si peticionado e o A. condenado, como litigante de má-fé, em multa, no montante de 05 (cinco) UCs., e em indemnização, cujo montante foi relegado para momento posterior, por inexistência de elementos quantificadores suficientes.

    Desta sentença veio o A., inconformado, interpor o presente recurso (fls. 85 e segs.), apresentando alegação e as seguintes aperfeiçoadas ([1]) (…) A Recorrida não contra-alegou.

    *** O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 113), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

    Nada obstando, na legal tramitação recursória, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

    *** II – Âmbito do Recurso Perante o teor das conclusões aperfeiçoadas ([2]) formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, importa decidir, em matéria de facto e de direito, no essencial: 1. - Se ocorre causa de nulidade da sentença, designadamente por contradição (conclusão 64 da apelação) ou omissão de pronúncia; 2. - Se deve proceder a impugnação da decisão de facto, com alteração do quadro fáctico da sentença (mormente, pontos 1, 3 e 25, dos factos dados como provados, como enunciado nas conclusões aperfeiçoadas 58 a 61 e 63 da apelação); 3. - Se estão verificados os pressupostos do peticionado direito indemnizatório (ou reparatório/restitutório por enriquecimento sem causa); 4. - Se ocorre litigância de má-fé do A..

    *** III – Fundamentação

    1. Da nulidade da sentença Invoca o Apelante, no seu pedido recursório, que a sentença recorrida incorreu em violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv., pelo que deve ser julgada nula, tratando-se, assim, do vício de omissão ou excesso de pronúncia, para além de invocar “contradição” (conclusão 64 da apelação), o que poderia reconduzir-se ao disposto na al.ª c) do mesmo art.º 615.º, preceito este [o da al.ª c)] que, todavia, não invoca como violado.

      Cabia, por isso, ao Apelante, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontram consubstanciados na sentença apelada aqueles vícios geradores de nulidade da mesma, o que devia ser feito mas conclusões (aperfeiçoadas) da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.

      Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe ao Recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

      Em seguida se verá se o fez.

      1. - Da omissão de pronúncia Resulta do art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv., que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

        Vêm entendendo, de forma pacífica, a doutrina e a jurisprudência que somente as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

        De acordo com Amâncio Ferreira ([3]), “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”.

        E, segundo Alberto dos Reis ([4]), “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

        Já Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes ([5]), por sua vez, referem que “a observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão”, sendo que “por vezes se torna difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da decisão”.

        Por seu turno, Antunes Varela ([6])...

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