Acórdão nº 255/16.9 T8SCD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelBRIZIDA MARTINS
Data da Resolução24 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

* I – Relatório.

1.1. Por decisão de 19 de maio de 2016, e atentas as disposições conjugadas dos art.ºs 20.º, n.º 2, e 24.º, n.º 1, al. d), ambos do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 64/2008, de 8 de abril; 22.º, n.º 4, al. a), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redacção dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, e 23.º-A, deste mesmo diploma, a Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território condenou o arguido A... , melhor identificado nos autos, no pagamento de uma coima cujo montante fixou em € 5.000,00.

Porque discordando do assim decidido, o arguido interpôs recurso de tal decisão administrativa, que, através de despacho datado de 5 de dezembro de 2016, o rejeitou por intempestivo.

1.2. Persistindo inconformado, recorre agora o arguido para este Tribunal da Relação, terminando a respectiva peça recursória com a formulação das seguintes conclusões:

  1. A Mma. Juiz a quo interpretou a norma do art.º 60.º, n.º 1, do RGCO ao arrepio do disposto no art.º 279.º, al. e) do Código Civil, bem assim tendo estendido tal interpretação ao disposto no art.º 87.º do CPA, julgando decorrido o prazo de recurso de impugnação em período de férias judiciais, configurando-o pois como processo urgente que o não é.

  2. Mais tendo subvertido, sem suporte legal para tal, a natureza do recurso de contra-ordenação, que é processo jurisdicional de natureza sancionatória penal, em procedimento administrativo para efeitos de contagem de prazos.

  3. Decidindo ao arrepio da jurisprudência segundo a qual, quando o prazo estabelecido nos art.ºs 59.º, n.º 3 e 60.º do RGCOC (20 dias úteis) termine em férias judiciais, o prazo para apresentação da impugnação judicial transfere-se para o primeiro dia útil após férias – cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, processos n.º 0677/10, de 09/07/2011; 0318/11, de 21/9/2011; 0311/14, de 28/05/2014, e Acórdão da Relação de Évora, processo nº 7/14.0 T8ORQ.E1, de 19/05/2015.

  4. Não aplicando como deveria a al. e) do art.º 279.º do CC que refere que “o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, (…)”; e “ao prazo estabelecido no art.º 59.º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 27-10, é aplicável o disposto no art.º 279.º do CC (RL, 26-5-1993: BMJ, 427.º - 573) ” – in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 17.ª Edição Revista e Actualizada, Abril 2010, Ediforum – Edições Jurídicas, Lda., p. 192.

  5. Tendo sido o recorrente notificado da decisão administrativa em 6/7/2016 e o prazo para apresentação da impugnação judicial terminado em período de férias judiciais, 3/08/2016, o prazo para impugnar judicialmente a decisão administrativa transfere-se para o primeiro dia útil após férias (01.09.2016), data em que há muito a entidade administrativa havia recepcionado a interposição.

  6. A caducidade do Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 2/94 legitima diferente enquadramento do vertido no RGCO, quer em matéria de prazo de impugnação e bem assim no que tange à concreta natureza processual da impugnação judicial do processo de contra-ordenação.

  7. A decisão de extemporaneidade estribada na “natureza administrativa do prazo“, viola a norma do art.º 41.º do RGCO em matéria processual que é pois inequívoca no sentido de que é do direito processual penal que deve emanar a aplicação/interpretação das normas daquele diploma.

  8. E é também o próprio STA a clarificar que a prática de actos de direito substantivo, como o é a interposição de recurso, cujo prazo termine em férias se transfere para o primeiro dia útil seguinte, conforme jurisprudência alegada na motivação.

  9. O ato de interposição de recurso já está contido na noção de “processo contra-ordenacional”, nos termos do art.º 54.º, n.º 1 do RGCO, não podendo cindir-se em “fases” para efeitos de aplicação de diversos ramos de direito processual, nomeadamente em sede de contagem de prazos.

  10. Concluir-se que a impugnação judicial só ganha natureza jurisdicional quando presente ao Ministério Público é lançar mão de argumento sem acolhimento em qualquer pressuposto legal, excluindo-se indevidamente a aplicação do disposto nos art.ºs 104.º, n.º 1 e 107.º, n.º 5 do CPP, único direito subsidiário a aplicar em matéria processual, segundo o RGCO.

  11. Por assim se dever entender a impugnação é tempestiva e deverá ser admitida pelo Tribunal a quo.

    1.3. Recebido o recurso, o Ministério Público na 1.ª instância apresentou resposta pugnando pela improcedência do mesmo.

    1.4. Cumpridas as formalidades devidas e remetidos os autos a esta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o art.º 416.º do Código de Processo Penal, sufragou idêntico entendimento.

    1.5. Observado o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente apresentou resposta, reiterando a posição vertida nas suas conclusões.

    1.6. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

    * II – Fundamentação.

    2.1. Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (art.º 412.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no art.º 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de outubro de 1995, publicado no Diário da República, I.ª Série A, de 28 de dezembro seguinte).

    Em processo de contra-ordenação, o regime de recurso interposto para o Tribunal da Relação de decisões proferidas em primeira instância, deve observar as regras específicas referidas nos art.ºs 73.º a 75.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro (Regime Geral das Contra-ordenações), seguindo, em tudo o mais, a tramitação do recurso em processo penal (art.º 74.º, n.º 4), em função do princípio da subsidiariedade genericamente enunciado no art.º 41.º, n.º 1, do RGCO.

    O Tribunal da Relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, como estatui o n.º 1 do art.º 75.º do RGCO, sem prejuízo de poder “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida” ou “anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido” (cfr. art.º 75.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO).

    No caso vertente, a questão suscitada é indagar se o recurso foi interposto no prazo legal por aplicabilidade do regime resultante do art.º 279.º, al. e), do Código Civil (versão do recorrente), ou (entendimento acolhido no despacho recorrido) se ao mesmo caso não é aplicável o disposto no art.º 139.º, n.º 5 do Novo Código de Processo Civil.

    Vejamos.

    2.2. A decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição): «O Tribunal é competente.

    * II. Da (in) tempestividade do recurso de impugnação judicial: Tendo sido interposto recurso de impugnação judicial pelo arguido da decisão administrativa que lhe aplicou uma coima, cumpre, agora, apreciar da sua tempestividade.

    O artigo 59.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, doravante RGCO, prescreve que o recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.

    O n.º 1 do artigo 60.º do RGCO dispõe que “o prazo para impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados” e o n.º 2 do mesmo normativo legal que “o termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.

    Essas regras são idênticas às constantes no procedimento administrativo.

    Até ao momento em que o processo é recebido no Ministério Público toda a actividade processual se desenrola e tramita segundo as regras e procedimentos do direito administrativo[1].

    Desta feita, a contagem dos prazos há-de ser efectivada de acordo com as regras estabelecidas no artigo 87.º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei 4/2015, de 7 de Janeiro, (a que correspondia o artigo 72.º), que dispõe que: À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:

  12. O prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades; b) Não se inclui na contagem o dia em que ocorra o evento a partir do qual o prazo começa a correr; c) O prazo fixado suspende-se nos sábados, domingos e feriados; d) Na contagem dos prazos legalmente fixados em mais de seis meses, incluem-se os sábados, domingos e feriados; e) É havido como prazo de um ou dois dias o designado, respetivamente, por 24 ou 48 horas; f) O termo do prazo que coincida com dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o ato não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte; g) Considera-se que o serviço não está aberto ao público quando for concedida tolerância de ponto, total ou parcial.

    Analisada a documentação junta aos autos, temos que o arguido foi notificado da decisão administrativa em 06.07.2016, já que é esta a data certificada pela estação de correios, como a data da entrega da carta registada com o n.º de registo correspondente ao da notificação da decisão final – cfr. fls.43 a 45 -, tendo a sua defensora nomeada sido notificada da mesma no dia 30.06.2016 (cfr. fls. 53 e 54).

    Assim, temos que o arguido foi notificado no dia 06.07.2016, tendo apresentado a impugnação judicial no dia 05.08.2016 – cfr. fls. 68.

    Conforme supra mencionado, está-se perante um...

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