Acórdão nº 2642/11.0TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Maio de 2017
Magistrado Responsável | MARIA PILAR DE OLIVEIRA |
Data da Resolução | 24 de Maio de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório No processo comum colectivo 264/11.0TACBR da Comarca de Coimbra, Instância Central, Secção Criminal, J4, após realização de audiência de julgamento, foi proferido acórdão em 15 de Junho de 2016 com o seguinte dispositivo: Em suma, julgando-se a acusação pública parcialmente provada e procedente: - Absolve-se o arguido A... do crime de prevaricação, na forma consumada, p. e p. nos arts. 3º/n.º 1-i) e 11º da Lei n.º 34/87, pelo qual, como co-autor material, vem acusado nos autos; - Absolve-se o mesmo arguido A... do crime tentado de falsificação de documento, p. e p. nos termos da conjugação dos arts. 256º/n.
os 1-d) e 2 e 23º, ambos C.P., pelo qual, como autor material, vem acusado nos autos; - Condena-se o arguido A... , como autor material de um crime de abuso de poderes, na forma consumada, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 26º/n.º 1, in fine, da Lei n.º 34/87 e 382º C.P., na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15 (quinze euros), ou seja, na multa de € 2.250 (dois mil, duzentos e cinquenta euros); - Absolve-se o arguido B... do crime de abuso de poder, na forma consumada, p. e p. nos termos da conjugação dos arts. 382º e 386º/n.º 1-a), ambos C.P., pelo qual, como autor material, vem acusado nos autos; - Absolve-se o mesmo arguido B... do crime de prevaricação, na forma consumada, p. e p. nos arts. 3º/n.º 1-i) e 11º da Lei n.º 34/87, pelo qual, como co-autor material, vem acusado nos autos; - Absolve-se o arguido B... do outro crime de abuso de poder, na forma consumada, p. e p. nos termos da conjugação dos arts. 382º e 386º/n.º 1-a), ambos C.P., pelo qual, como autor material, vem também acusado nos autos; - Absolve-se o arguido N... do crime de falsificação de documento, na forma consumada, p. e p. nos termos do art. 256º/n.º 1-a), b), d) e e) C.P., ex vi arts. 97º e 100º/n.º 2 D.L. n.º 555/99 (com as alterações introduzidas pelo D.L. n.º 177/2001 e pela Lei n.º 60/2007), pelo qual, como co-autor material, vem acusado nos autos; - Absolve-se a arguida “ D... , S.A.” do crime de falsificação de documento, na forma consumada, p. e p. nos termos dos arts. 11º/n.
os 2-a) e 4 e 256º/n.º 1-a), b), d) e e), ambos C.P., ex vi arts. 97º e 100º/n.º 2 D.L. n.º 555/99 (com as alterações introduzidas pelo D.L. n.º 177/2001 e pela Lei n.º 60/2007), pelo qual, como autora, vem acusada nos autos; - Condena-se o arguido A... nas custas do processo, com 3 U.C. de taxa de justiça.
Inconformados com esta decisão final, interpuseram recurso o arguido A... e o Ministério Público.
O arguido A...
condensou a motivação de recurso nas seguintes conclusões: I. O douto Acórdão recorrido é, salvo o devido respeito nulo, nos termos do disposto nas als. b) e a) do n.º 1, do artigo 379º do Cód. De Proc. Penal.
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Com efeito, inscreveu, sob a designação “factos provados”, nomeadamente no ponto 97., o seguinte, que constitui novidade, relativamente quer à acusação, quer à comunicação feita na sessão de julgamento de 12 de Maio de 2016: “eventuais consequências que pudessem vir a suceder a esta, a diversos níveis, por causa do apontado acidente, maxime, em termos contraordenacionais”.
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Na verdade, a alteração comunicada – através de decisão ema acta foi, apenas: “mais sabia o arguido A... , ao emitir a ordem aludida no ponto 5 (desta matéria ora elencada), que agia no exercício das suas funções de Vereador responsável pela área do Urbanismo na Câmara Municipal de ... e no âmbito de processo para o qual detinha competência, fazendo-o de forma contrária aos deveres do cargo que desempenhava, o que sabia ser incompatível com os deveres de isenção e imparcialidade da Administração a que estava obrigado, assim pretendendo beneficiar a arguida “ D... , S.A.”; IV. Todavia, a formulação nova do citado ponto 97 – designadamente relevante para o elemento subjectivo do tipo – determinou a condenação do recorrente pelo crime previsto e punido pelo artigo 26º da LRTCP.
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Ora, a configuração constitucional do processo penal – consagrada no artigo 32º, n.º 5 veda a espécie de actuação assumida pelo tribunal e supra transcrita.
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Assim é o Acórdão nulo, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 379º do CP Penal, na medida em que considera e usa factos que não foram alvo da pertinente comunicação ao recorrente.
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Sendo certo que o recorte do dito elemento subjectivo típico é passível de ser lido como alteração substancial dos factos.
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É que o despacho acusatório imputou ao recorrente crimes de prevaricação e de falsificação de documentos na forma tentada, IX. Sendo certo que só a comunicação feita em acta apontou para a possibilidade de existir condenação pelo crime de abuso de poder.
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No entanto, como já visto, nesse despacho apenas se referiu a existência de benefício da D... , sem o classificar.
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Com efeito, só no texto do Acórdão, nomeadamente no falado artigo 97., é que vem acrescentado que tal desejado benefício era em toda a linha possível, abrangendo também matéria contraordenacional.
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Ou seja, a versão da acusação é tida por improcedente e o recorrente condenado por um crime distinto.
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Na verdade, só o facto adicionado é que permitiu a nova imputação ao arguido do crime em que foi condenado.
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Por outro lado, como já adiantado, também se verifica a nulidade prevista na al. a) do n.º 1, do artigo 379º do Cód. De Proc. Penal, por parcial desconsideração do cumprimento do nº 2 do artigo 374º do mesmo Código.
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Na verdade, do artigo em questão resulta o dever de fundamentação das decisões finais (sentenças ou Acórdão, caso obra de um Colectivo de Juízes) e de onde consta o dever de examinar criticamente a prova.
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Com efeito, qualquer decisão – e especialmente aquela que, de uma forma tendencial, constitui a última palavra da audiência de julgamento – deve esclarecer integralmente os motivos de facto e de direito em que se faz radicar.
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Ora, no que respeita ao facto dado como provado de onde consta a atitude interna do recorrente – nomeadamente que terá agido com a intenção de beneficiar a D... – nenhuma prova, e por conseguinte, nenhum exame crítico é efectuado.
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Se o Tribunal explica de forma cuidadosa as razões pelas quais dá por demonstrada a matéria capaz de preencher o tipo objectivo é facto que nada diz no que respeita à referida atitude interna do agente, XIX. Assim, é possível retirar a ilação de que a mesma terá apenas resultado da valoração de prova indirecta ou indiciária.
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Todavia, é o próprio Colectivo que avisa que “a valoração da prova indiciária não poderá deixar de obedecer a uma especial exigência de racionalidade objectiva e, ao mesmo tempo, de comunicabilidade intersubjectiva, por forma a que possa redundar em um juízo de convicção apto a atrair a adesão do público em geral e dos destinatários do discurso em particular (…). Pelo que a prova indiciária ou indirecta deverá ceder «(…) perante a simples dúvida sobre a exactidão no caso concreto”».
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Ou seja, qualquer uso da prova dita indiciária implica um elevado grau de racionalidade objectiva que produza um efeito comunicacional que possibilite perceber a via percorrida pelos julgadores para a formação da respectiva convicção.
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Na verdade, as regras da experiência não passam de padrões decorrentes de casos da vida paralelos que permitirão relacionar certos factos, sob o prisma da existência de um comportamento humano e social “normal” que levará à posterior afirmação da verificação de um facto histórico.
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Daí que a convicção sobre o facto meramente decorrente da prova indirecta deve constituir, pelo menos, uma presunção radicada em meios de prova dotados da força e capacidade de gerar convicção, para que tornem o procedimento legal e constitucionalmente aceitável.
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Ora, o tribunal não esclarece de que forma a sua convicção formada sobre os testemunhos com que contactou permitiu a conclusão que a intencionalidade com que agiu o recorrente foi aquela constante do ponto 97.
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Por outro lado, os Senhores Juízes desconsideraram o princípio probatório (in dubio pro reo) que lembraram como limite à chamada à colação da prova indirecta, dada a inexistência de qualquer esforço que permita concluir sobre a exactidão da actuação do recorrente debaixo de uma hipotética vontade de beneficiar a co-arguida D... .
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Tal princípio, que decorre da ideia fundamental da presunção da inocência, constante do n.º 2, do artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa, implicaria a inexistência de um ónus probatório do arguido no sei de um processo de natureza criminal.
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Com efeito, para a consagração do Estado de Direito é de maior coerência, na dúvida, absolver um culpado do que condenar um inocente.
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E, na hipótese dos autos, a dúvida é mais do que razoável, tendo ficado patente a fragilidade da tese sustentada na decisão em recurso, pela inexistência de qualquer elemento que sustente a ideia de que o recorrente agiu com a intenção de beneficiar a D... .
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Assim, concluindo-se que existe uma dúvida razoável quanto aos factos pelos quais o arguido vem acusado e quanto à culpa, a sua absolvição é a única atitude constitucionalmente legítima.
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Por outra banda reputa-se de violada a norma incriminadora constante do artigo 26º da Lei 34/87 de 16 de Julho.
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Ora, este crime edifica-se sobre o mau uso – ou utilização desviante – de atributos funcionais, uso excessivo de faculdades legais ou desrespeito por formalidades tidas por essenciais, preenchendo-se através do abuso de poderes ou da violação de deveres XXXII. In casu, estará em causa o afrontamento de deveres – p.e. imparcialidade – que assistiam ao recorrente na qualidade de vereador.
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Contudo, o Douto Acórdão não explica as razões porque se crê o que tais deveres se mostram violados.
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E, de facto, não resulta qualquer violação de deveres da actuação do recorrente, desde logo porque não existe norma que se possa enumerar como violada com a conduta descrita.
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De facto, a 9 de Setembro, estavam...
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