Acórdão nº 54/14.2T8SAT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução09 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório A (…) com os sinais dos autos, intentou ([1]) ação declarativa, com processo comum, contra S (…) e mulher, M (…) também com os sinais dos autos, pedindo que sejam os RR. condenados a: “

  1. Verem declarada a nulidade da escritura de doação realizada em 07 de Março de 2006 no Cartório Notarial de Penalva do Castelo, exarada a fls. 73 a 74 do livro 81-E, pela qual o autor e M (…) declaram doar ao réu S (…) os prédios identificados nas alíneas a) e c) do anterior artigo 1.º” (da petição inicial); “b) Ordenado o cancelamento na Conservatória do Registo Predial do registo de aquisição por doação a favor do réu, efetuado através da ap. 3 de 2006/03/08, dos prédios descritos sob os números 370 e 2400 da freguesia de (...) , concelho de Penalva do Castelo”; a título subsidiário, “c) Reconhecerem que inexiste qualquer documento válido de transmissão a seu favor do prédio urbano identificado nos artigos 22.º e 28º” (da petição inicial); “d) Reconhecerem que o prédio identificado nos artigos 22.º e 28º, pertence em propriedade plena e exclusiva ao autor e M (…); e) Ordenado o cancelamento na Conservatória do Registo Predial do registo de aquisição a favor do réu do prédio urbano identificado nos artigos 22.º e 28º, descrito sob o número 2400 da freguesia de (...) , concelho de Penalva do Castelo, nomeadamente do averbamento de alteração efetuado através da ap. 222 de 2013/12/16”.

    Para tanto, alegou, em síntese, que o A. e M (…)– cuja intervenção requereu, como sua associada, por via de litisconsórcio necessário ativo – apesar de terem declarado doar, por escritura pública de 07/03/2006, três prédios (um rústico e dois urbanos) ao R. S (…), seu filho, não o quiseram fazer quanto a dois deles (o rústico e um dos urbanos), tendo tal negócio sido realizado com a finalidade de o demandante se eximir de uma execução fiscal, pondo a salvo o seu património, invocando ainda o Demandante a aquisição originária, por usucapião, do direito de propriedade sobre a casa de habitação construída em um de tais prédios (aquele rústico).

    Contestaram os RR., impugnando diversa factualidade alegada pelo A., defendendo que a doação (dos três prédios) se destinou a compensar o R. marido por mais de uma década de trabalho para o A., seu pai, sem remuneração, e concluindo pela total improcedência da ação.

    Admitida a intervenção principal provocada de M (…) (mãe do R. marido e ex-cônjuge do A.), com os sinais dos autos, apresentou esta o seu articulado, afirmando a total correspondência entre a vontade declarada na escritura de doação e a vontade real das partes e pugnando pela completa improcedência da ação.

    O A., no exercício do contraditório, veio insistir na procedência da ação e pugnar pela condenação dos RR. e Interveniente, como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a favor do Demandante, esta no montante de € 2.500,00 pelos RR. e outro tanto pela Interveniente, pretensão incidental a que se opôs aquela Interveniente.

    Proferido despacho saneador, com enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova, foi depois realizada a audiência final, seguida de prolação de sentença, julgando a ação improcedente, com a consequente absolvição total dos RR..

    De tal sentença vem o A. interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões (…) *** Apenas a Chamada/Interveniente contra-alegou, pugnando pelo bem fundado da decisão em crise e pela improcedência do recurso.

    *** O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados.

    Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

    *** II – Âmbito do Recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([2]) –, cabe saber ([3]):

  2. Se ocorre erro de julgamento em sede de decisão da matéria de facto, obrigando à alteração do decidido (al.ªs A) a E) dos factos considerados não provados, a merecerem julgamento de “provado”, e pontos 25 e 26 da factualidade julgada provada, a deverem ser agora objeto de diverso julgamento, com alteração de substância); b) Se, por força da alteração da decisão de facto, devem considerar-se verificados os requisitos da simulação e decorrente nulidade contratual; c) Subsidiariamente, se estão preenchidos os requisitos de procedência dos pedidos referentes à invalidade da transmissão e ao reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel onde foi edificada casa de habitação.

    *** III – Fundamentação

    1. Da impugnação da decisão de facto O Apelante começa por manifestar inconformismo com a decisão da matéria de facto, pretendendo, desde logo, que, diversamente do decidido na 1.ª instância, seja julgada provada a matéria constante das al.ªs A) a E) dos factos considerados não provados (núcleo fáctico tendente a demonstrar a invocada doação simulada de dois imóveis).

      Esperava-se, por isso, que o Recorrente, ao pretender impugnar a decisão de facto, esclarecesse/concretizasse, não só qual a factologia que, na sua ótica, o julgador julgou erradamente, como ainda quais as provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adotada em sede de decisão de facto, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito probatório da impugnação de facto, sem deixar de sinalizar qual o sentido da decisão a ser proferido pelo Tribunal de recurso (cfr. art.º 640.º, n.º 1, do NCPCiv.).

      Ora, tendo os Recorrentes observado suficientemente esses ónus a seu cargo – se é certo que não concretizaram nas suas conclusões de recurso as provas em que baseiam a impugnação, nem indicaram as passagens da gravação em que se fundam, tal concretização/indicação consta, porém, da antecedente alegação da apelação, o que basta, à luz da atual jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça ([4]), para admissão da impugnação –, cumpre apreciar a sua impugnação no plano fáctico, a qual se mostra delimitada nas suas conclusões de recurso.

      Vejamos, então.

      É a seguinte a matéria das aludidas al.ªs A) a E), que o Apelante pretende ver julgada como provada: «A. Os doadores não quiseram doar ao donatário os prédios identificados nas alíneas a) e c) do ponto 1).

    2. Como o réu também não quis receber em doação esses imóveis.

    3. A escritura pública que titula o aludido acordo denominado doação, quanto aos prédios identificados nas alíneas a) e c), foi celebrada com o intuito, comum a todos os intervenientes, e em execução de acordo previamente celebrado entre eles, de enganar e prejudicar os credores do autor e da então sua cônjuge M (...) .

    4. Com receio que fosse proferida decisão de reversão e penhorado e vendido o seu património pessoal, procurando obstar a tal, em conluio com o réu S (...) , seu filho e de seu ex-cônjuge, o autor e a chamada decidiram transferir o seu património para nome deste.

    5. Quanto aos prédios referidos no ponto A), ficou acordado com os réus que, quando lhes fosse solicitado, transfeririam a propriedade dos prédios identificados para o autor e seu cônjuge ou para quem estes indicassem.».

      O Tribunal a quo fundamentou assim a sua convicção negativa nesta parte: «Da leitura conjugadas das disposições constantes nos n.ºs 1 e 2 do artigo 394.º do Código Civil alcança-se que, sempre que o acordo simulatório for invocado pelos simuladores - como sucede na situação presente, em que o mesmo é invocado pelo autor - e conste de documento autêntico - como é o caso, em que foi outorgada escritura pública (artigo 363.º/2 do Código Civil) -, se afigura inadmissível para a prova do mesmo a produção de prova testemunhal.

      A título preliminar, há que frisar que, mesmo em documentos autênticos com força probatória plena, é admissível prova testemunhal para precisar o sentido e o contexto da declaração negocial (artigo 393.º/3 do Código Civil).

      Ora, (…) haverá que interpretar restritivamente o aludido n.º 2 do artigo 394.º do Código Civil, admitindo-se a produção de prova testemunhal desde que o acordo simulatório contenha um mínimo de prova, um começo de prova de natureza documental.

      Pergunta-se: no caso decidendo, o invocado acordo entre autor, chamada e réu para forjar uma doação de dois prédios para eximir o património pessoal do primeiro de uma execução fiscal em curso apresenta arrimo em alguma prova de natureza documental? A resposta não poderá deixar de ser negativa. Com efeito, não obstante constar dos autos uma declaração de fls. 61/62, assinada pelo advogado do autor, que alude ao caráter simulado da doação em crise com o fito de evitar a perda do património do demandante no processo fiscal, é para nós tido como certo que o documento apto a abrir a porta à produção de prova testemunhal complementar acerca do acordo simulatório deverá ser um documento que, constituindo um início de prova da invocada simulação, seja “proveniente [total ou parcialmente] daquele contra quem a simulação era invocada”4, “in casu”, o réu. Cremos, assim, que tal documento não poderá deixar de contar com a participação do simulador contra quem é invocada a simulação; de contrário, bastaria ao simulador que invoca a simulação elaborar um documento, da sua lavra, sem qualquer intervenção da contraparte, para contornar as restrições probatórias legalmente estipuladas nesta matéria.

      Flui, pois, do exposto, que a prova testemunhal produzida em sede de audiência final se mostra, no caso vertente, inadmissível à demonstração da realidade do acordo simulatório invocado pelo autor.

      Mas não apenas isso: igualmente a prova por presunções judiciais - em que o juiz...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT