Acórdão nº 157/16.9T8LSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução12 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Assembleia de Compartes (...) , representada pelo respectivo Conselho Directivo, instaurou o presente procedimento cautelar de embargo de obra nova (“Trabalho e Serviços Novos”), na Comarca de Coimbra (Instância Local da Lousã), contra A (…) e mulher, M (…), pedindo o embargo dos trabalhos e serviços identificados em 12º a 15º, 17º e 19º da petição inicial (p. i.) [a)], a notificação dos embargados ou de quem os substituir no local dos trabalhos [b)], que o resultado dos trabalhos com o número, diâmetro e espécies de árvores cortadas nas áreas referidas em 14º e 17º da p. i., onde os mesmos foram executados, bem como os estradões ali abertos e respectivos comprimentos e larguras, sejam descritos e fotografados minuciosamente [c)] e que seja dispensado à requerente, o ónus da propositura da acção principal nos termos do art.º 369º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) [d)].

Alegou, em síntese: desde a data da sua constituição, tem vindo a administrar, conjuntamente com a Freguesia de Pampilhosa da Serra, todos os baldios ou terrenos comunitários situados no limite da povoação de K (...) ; tais terrenos baldios foram inventariados como “baldios municipais” desde 1939 e eram explorados e administrados pela Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra e usufruídos pela comunidade local (v. g.

, apascentando gado e cortando matos e lenhas), numa área contínua de muitos hectares; em 1954/1955, os baldios pertencentes à povoação do K (...) foram incluídos no Projecto Florestal do concelho de Pampilhosa da Serra; os requeridos ordenaram o corte de árvores aludido nos art.ºs 12º e seguintes da p. i. numa parcela de terreno baldia em discussão na acção n.º 78/07.6TBPPS (instaurada pelos requeridos contra, entre outros, a aqui requerente), localizada a poente da aldeia do K (...) e noutra parcela de terreno localizada na mesma encosta, numa zona mais inferior.

Por despacho de 20.4.2016, nos termos das normas conjugadas dos art.ºs 11º, n.ºs 2 e 3, 12º, 13º, n.ºs 2 e 3, 15º, n.ºs 1, alínea o) e 2, ´a contrario`, 16º, n.º 2, 20º, n.º 3 e 21º, alínea h) da Lei n.º 68/93, de 04.9 (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/97, de 30.7, Lei n.º 72/2014, de 02.9 e Rectificação n.º 46/2014, de 29.10), a Mm.ª Juíza a quo concedeu o prazo de cinco dias, ao requerente, para “juntar a respectiva Acta da Assembleia de Compartes na qual conste deliberação de ratificação do recurso a juízo pelo seu Conselho Directivo neste específico processo, bem como da respectiva representação judicial (constituição de mandatário)”.

A requerente juntou cópia da “acta n.º 24”, de 23.4.2016, referente a reunião extraordinária da “Assembleia de Compartes dos Baldios de K (...) ”, na qual foi aprovado, por unanimidade, ratificar o recurso ao tribunal pelo Conselho Directivo através do procedimento cautelar (n.º 157/16.9T8LSA) e nomear mandatário com plenos poderes para representar a Assembleia de Compartes (fls. 175).

Os requeridos, citados, deduziram oposição, alegando, em resumo, por excepção, desconhecer a existência de uma Assembleia de Compartes legalmente constituída (pois não há compartes moradores na povoação de K (...) para a poder validamente constituir e não tomou conhecimento de qualquer convocatória como manda o art.º 18º da Lei n.º 68/93) e a ineptidão da p. i. por falta de causa de pedir, bem como, por impugnação, que os terrenos onde se procedeu ao dito corte de árvores pertencem aos requeridos. Concluíram pela improcedência do procedimento e pediriam a notificação da requerente para “apresentar “o inventário de 1939, onde estão inventariados os ´baldios municipais` que referem”.

Na sequência do despacho de 27.6.2016, no qual, além do mais, se ordenou a notificação da requerente para juntar o inventário mencionado no art.º 2º da p. i. e comprovar documentalmente a sua regular constituição (acta da assembleia constituinte e data e forma da convocatória subjacente) e a actual composição dos seus órgãos de administração (art.º 11º da Lei n.º 68/93, de 04.9), a requerente esclareceu que já havia apresentado o dito “inventário” como a p. i. e juntou novos documentos relativos às áreas em causa, “acta da Assembleia constituinte” de 15.8.1997, “acta n.º 1” de 21.02.1998 e “actual composição dos órgãos de administração da requerente”/“acta n.º 21” de 28.3.2015 (fls. 259 e seguintes).

[1] Realizada a audiência final, o Tribunal a quo, por decisão de 03.3.2017, julgou o procedimento cautelar procedente e, em consequência, determinou o embargo de obra nova requerido e a imediata suspensão dos trabalhos efectuados pelos requeridos no prédio do requerente; declarou as “parcelas 125 e 126” como Baldios do K (...) , administradas pela requerente, assim a dispensando de propor a respectiva acção para a sua apreciação, nos termos do disposto no art.º 369º, n.º 1, do CPC.

Foi cumprido o disposto no art.º 400º, do CPC (fls. 486).

Inconformados, os requeridos interpuseram a presente apelação, formulando as seguintes conclusões: 1ª - Deve ser dado como provado o disposto na alínea d) da matéria de facto não provada, justamente nos mesmos termos em que foi dado como provado o disposto no n.º 26) da matéria de facto provada (violação do art.º 615º c) do CPC).

2ª - A decisão da sentença que considerou legítima a assembleia de compartes é nula, por falta de fundamentação, violação do art.º 615º, b) e c) do CPC.

3ª - É nula ainda, por omissão de pronúncia, por não ter conhecido a questão da eleição sem convocatória e sem constar da ordem de trabalhos, violação do art.º 615º d) do CPC.

4ª - A requerente deve ser considerada parte ilegítima porque não está regularmente eleita, facto confessado pela “acta 21” junta em 11.7.2016 (foram violados os art.ºs 25º e 30º do CPC e 18º da lei 68/93).

5ª - A requerente é ainda parte ilegítima porque não está constituída por compartes moradores, mas por pessoas que residem e moram fora do K (...) , em Lisboa, incumprindo a exigência dos art.ºs 1º e 3º da lei 63/98 e por serem apenas 4 pessoas, os moradores, os quais se não podem sequer constituir em assembleia, por serem insuficientes para constituírem o Conselho Directivo, mesa da assembleia e a comissão de fiscalização (violação dos art.ºs 1º, 3º, 16º, 20º e 24º da lei 68/93).

6ª - Os requeridos são donos e legítimos proprietários da propriedade constante da escritura de 1944, sita à Fonte, limite da povoação do K (...) , confrontando a norte e poente com visos, sul com A (...) e nascente com caminho.

7ª - Na encosta que vai da povoação ao viso norte e que vem assinalada no mapa do Projecto florestal a amarelo como logradouro e com legenda de perímetro em dúvida, existem várias propriedades particulares, que vão da povoação ao viso norte.

8ª - Os modos de adquirir a propriedade são apenas os constantes do art.º 1316º do CC, pelo que não pode colher a pretensão de se reconhecer a propriedade com base em qualquer outro título não aí previsto, como é o caso de um mapa elaborado pela Direcção Geral dos Serviços Florestais.

9ª - Não deveria ter sido decidido o embargo, que deverá ser revogado.

10ª - Não se verificam os pressupostos legais para a inversão do contencioso, quer por a prova da requerente ter sido escassa e perfunctória, quer porque a providência decretada não permite regular definitivamente o litígio.

A requerente respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, principalmente: a) nulidades da sentença; b) legitimidade da requerente; c) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (incumprimento dos “ónus”; erro na apreciação da prova); d) decisão de mérito e inversão do contencioso.

* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1) A requerente, desde a data da sua constituição, em 15.8.1997, tem vindo a gerir, administrar e a fiscalizar, conjuntamente com a Junta de Freguesia da Pampilhosa da Serra, todos os baldios ou terrenos comunitários situados no limite da povoação do K (...) , da freguesia e concelho da Pampilhosa da Serra.

2) Nesses terrenos a comunidade local apascentava e apascenta gados, cortava e corta mato e lenhas para seu próprio uso.

3) A Câmara Municipal da Pampilhosa da Serra fez arrematações em hasta pública para venda de torgas desses terrenos para extracção de carvão vegetal.

4) Em 1954/1955 os terrenos baldios foram incluídos no Projecto de Arborização para todo o concelho da Pampilhosa da Serra, elaborado pelos Serviços Florestais da época, Plano esse aprovado em Conselho de Ministros de 02.11.1955.

5) Previa-se a arborização por sementeira e plantação dos baldios inventariados em 1939 e constantes desse Plano Florestal e, de entre esses baldios, os terrenos que se destinavam a logradouro comum das povoações.

6) Afectos à povoação do K (...) estão inscritos no Plano Florestal de 1954/1955, por referência ao Inventário de 1939, os baldios descritos nas verbas n.º 28 a 44 inclusive e 119 a 134, inclusive.

7) O requerido incumbiu V (...) , industrial de madeira, de proceder ao corte das árvores existentes nas “parcelas 125 e 126” da B (...) , dos baldios do K (...) , por venda das mesmas à empresa de que este é sócio-gerente – J (...) , Lda., com sede na Pampilhosa da Serra.

8) Tal corte, sob ordens e instruções do requerido, iniciou-se no dia 16.02.2016 e terminou no dia 18 do mesmo mês na parcela de terreno em discussão no Processo n.º 78/07.6TBPPS, localizada a Poente, na aldeia do K (...) , junto às ... do K (...) , próximo da cumeada ou viso ali existente.

9) E estende-se para o lado Nascente, descendo a encosta, numa área aproximada entre 25 000 m2 a 30 000 m2.

10) No dia 05.4.2016, o requerido reiniciou os trabalhos de corte através do mesmo industrial de madeira, noutra parcela de terreno localizada na mesma encosta, numa zona mais inferior, numa extensão de 8 080 m2, tendo cortado árvores da espécie pinuspinastere pinusnigra.

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