Acórdão nº 427/15.3GCLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução23 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pela Comarca de Leiria, Instancia Local de Leiria, Secção criminal, J3, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo sumário, o arguido A...

, empregado fabril, nascido a 22-07-1956, natural de (...) , Leiria , filho de (...) e de (...) , residente na (...) , Leiria imputando-se-lhe a prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.° do Código Penal e respetiva inibição de conduzir em conformidade com o disposto no art.69.° , n.º 1 alínea a) do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 3 de agosto de 2015 decidiu julgar procedente a acusação do Ministério Público e, em consequência, condenar o arguido A... , como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos do artigo 292° do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 7 €, perfazendo o montante global de €420,00 e, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, por um período de três meses.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte: A) O presente recurso vai interposto da sentença que condenou o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal numa pena de multa e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor; B) O processo de fiscalização de condução sob o efeito do álcool que esteve na origem de todo este processo violou as mais elementares garantias de defesa do arguido e, nessa medida, é nulo; C) A sentença agora impugnada também está ferida de uma nulidade insanável, de acordo com o disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, por falta de pronúncia do tribunal quanto à incapacidade acidental do arguido no momento da recusa da contraprova a que alude o artigo 153.º, n.º(s) 2 e 3 do Código da Estrada e por falta de confirmação dos valores a que alude o exame de fls. 9, assim se violando os mais elementares direitos e garantias de defesa do arguido neste género de situações e o artigo 32º da C.R.P.; D) Como facilmente se verifica, o álcool é definido como uma droga, tanto em termos científicos como jurídicos, E) E, dentro destas, como uma droga psicotrópica, já que o seu consumo cria dependência e afecta claramente o sistema nervoso central de todo o indivíduo.

  1. Mais, esta qualificação e/ou definição é independente da quantidade e da forma em que esse produto é consumido, já que esta questão só releva(rá) no campo das suas consequências médicas e/ou jurídicas e até da tolerância da sociedade em geral e/ou de alguns estados em particular ao seu consumo em certos contextos e/ou dentro de certos limites e/ou quantidades.

  2. Quanto aos seus efeitos, chamamos aqui a atenção de V.Ex.ª(s) apenas para aqueles que estão directamente relacionados com a diminuição da sensibilidade e capacidade de reacção que é provocada pelo consumo de qualquer género de bebida alcoólica e para os mais que evidentes prejuízos que este consumo costuma acarretar na capacidade julgamento e de crítica do consumidor, na sua percepção, memória e na sua compreensão e capacidade de exposição.

  3. Isto posto, e tendo sempre presentes todos os efeitos já referidos do álcool na capacidade de compreensão e declaração do seu consumidor e os efeitos que a lei civil decidiu atribuir aos comportamentos manifestados nesta mesma condição, pergunta-se, será correcta e legal a aceitação por parte do(s) agentes fiscalizadores do facto do arguido ter prescindido da analise de contraprova quanto estão perfeitamente conscientes do estado de embriaguez do arguido e quando têm outros métodos de confirmação do primeiro resultado? I) Cremos bem que não. E é exatamente por isso que consideramos a prova assim obtida nula para todos os efeitos legais.

  4. Assim, e tendo agora em consideração o disposto nos artigos 152.º e 153.º do C.E., o facto da contraprova existir para garantir a todos os condutores a fiabilidade do primeiro exame de pesquisa de álcool no ar expirado (ou no sangue, se for esse o caso), a necessidade deste direito ser perfeitamente percebido pelo seu destinatário, no momento em que lhe é comunicado, a taxa de álcool apurada no ar expirado do arguido e todos os efeitos que uma taxa de álcool deste teor normalmente acarreta para os seus portadores ao nível da compreensão e declaração (e que já tivemos oportunidade de expor) e, bem assim, o disposto nos artigo 257.º e 295.º do Código Civil, temos de considerar todo o processo de fiscalização que nos trouxe até aqui como ferido de nulidade com todas as consequências legais (em virtude da incapacidade em que o arguido se encontrava).

  5. Mais, de acordo com o disposto nos artigos 311.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea c) e 386.º do Código de Processo Penal, na sentença deve o tribunal pronunciar-se quanto a todas as questões prévias e/ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa e que o tribunal deva desde logo conhecer e, como facilmente se verifica, o tribunal recorrido não se pronunciou nem quanto à regularidade/legalidade do processo de fiscalização nem quanto à validade da declaração que aí foi proferida pelo arguido no momento em que prescindiu da contraprova.

  6. A falta de conhecimento de todas estas questões é portanto motivo de nulidade da respectiva sentença, o que agora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

  7. De acordo com o disposto no artigo 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea c) e 389.º-A, n.º 1, alíneas b) e c) do C.P.P. toda a sentença ou acórdão deve conter uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e, bem assim, a exposição sucinta de todos os fundamentos que presidiram à escolha e medida das sanções aplicadas, sendo nulas todas as decisões que deixem de pronunciar-se quanto a questões.

  8. O tribunal recorrido depois de ter discriminado todos os factos que deu como provados e/ou não provados neste processo - e antes de proceder à fixação da medida concreta de cada uma das penas a aplicar -, devia ter procedido a uma análise crítica de toda a prova existente no processo e devia ter considerado (e ponderado) todas as exigências de prevenção geral e especial que se impunham neste processo, O) Mas não o fez, assim inviabilizando a correta impugnação de toda esta matéria por parte do recorrente e gerando a nulidade de toda a sentença.

Por tudo isto se requer, agora a V. Ex.ª(s) a declaração de todas as nulidade arguidas, com as devidas e legais consequências ou subsidiariamente a alteração da sentença recorrida e a fixação uma pena acessória coincidente com o limite mínimo legal estabelecido no artigo 69.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.

Ao condenar o arguido nos termos em que o fez, o Meritíssimo Juiz “a quo” realizou uma incorreta interpretação dos factos e da lei, violando o artigo 32º da C.R.P., artigos 71.º e 72.º do Código Penal, artigo 69.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal., artigo 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea c) e 389.º-A, n.º 1, alíneas b) e c) do C.P.P, artigos 152.º e 153.º do C.E., artigo 257.º e 295.º do Código Civil, artigos 311.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea c) e 386.º do Código de Processo Penal, artigos 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea c) e 389.º-A, n.º 1, alíneas b) e c) do C.P.P, pelo que a d. sentença sub judice não se deverá manter.

O Ministério Público na Comarca de Leiria, Instância Local de Leiria, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela inexistência de qualquer nulidade , pelo equilíbrio e justeza da pena aplicada ao arguido e pela manutenção da douta sentença recorrida por a sentença não ter violado qualquer disposição legal.

A Ex.ma Procuradora-geral adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados 1.º - No dia 19 de Julho de 2015, às 18 horas e 38 minutos, na Rua Central, Areias, Colmeias, concelho de Leiria, conduzia o ciclomotor, com a matrícula GV (...) , após ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade concretamente não apurada e que lhe determinaram uma taxa de alcoolémia no sangue (TAS) de, pelo menos, 1,5 g/1, correspondente à TAS, registada de 1, 63 g/1 ; 2.º- O arguido agiu livre e conscientemente, sabendo que antes de empreender a condução do veículo referido, ingerira bebidas alcoólicas, em quantidade tal que necessariamente lhe provocariam uma taxa de alcoolémia superior à legalmente permitida para conduzir veículos na via pública e não obstante, quis levar a cabo tal conduta, que sabia ser proibida e punida por lei criminal 3.º- O arguido não tem antecedentes criminais.

4.º. O arguido é empregado fabril, vive com a esposa em casa própria e aufere um salário mensal de 550 euros; Factos não provados Não se provou: Com relevância para a discussão da causa, inexistem factos não provados.

Motivação A convicção do Tribunal baseou-se na globalidade da prova produzida em audiência de Julgamento, com especial atinência, nas declarações do arguido quo assumiram a forma de confissão integral e sem reservas, em conjugação com o resultado do exame pericial de fls. 16, teste realizado pelo aparelho «Drager» com referência à dedução do valor máximo admissível.

No que concerne à ausência de antecedentes criminais do arguido baseou-se o tribunal...

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