Acórdão nº 2078/12.5TBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução15 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório P (…)e sua filha menor, M (…), esta representada por aquela, ambas com os sinais dos autos, intentaram ([1]) ação declarativa condenatória, com forma ordinária, contra “Companhia de Seguros (…), S. A.

” (atualmente “F (…) S. A.”), também com os sinais dos autos, pedindo a condenação da R. a pagar-lhes a quantia de € 97.358,18, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a citação e até integral pagamento.

Alegaram, para tanto, em síntese, que: - as AA. são as únicas e universais herdeiras de R (…) respetivamente marido e pai destas, falecido em consequência de acidente de viação ocorrido em Espanha, quando conduzia um veículo pesado articulado (com reboque), por conta da proprietária do veículo, a “Sociedade Transportadora Rodoviária (..) Ld.ª”, sob cuja autoridade, direção e fiscalização exercia funções de motorista; - tal acidente consistiu no despiste desse veículo – seguro na R., seja quanto a seguro obrigatório automóvel, seja quanto à cobertura facultativa de “ocupantes da viatura” –, que, em autoestrada, saindo da via pelo lado direito atento o seu sentido de marcha, foi embater na barreira lateral, após o que caiu num precipício e sofreu explosão; - das lesões assim sofridas resultou a morte do dito condutor, não tendo sido possível determinar em que circunstâncias se verificou o despiste; - sendo o acidente simultaneamente de viação e de trabalho, correu termos processo laboral, no âmbito do qual as AA. receberam a quantia de € 3.600,00 a título de despesas de funeral, sendo, porém, que despenderam neste € 5.958,12, pedindo agora a diferença (€ 2.358,18), bem como € 50.000,00 pela perda do direito à vida, € 10.000,00 por danos morais sofridos pela própria vítima, € 20.000,00 pelos danos morais sofridos pela A. P (…9 e € 15.000,00 pelos sofridos pela A. M (…).

Citada a R., apresentou esta contestação, recusando a responsabilidade pelo acidente de viação, invocando que as AA. não são “terceiros /lesados” para efeitos de seguro obrigatório automóvel, ficando excluídos da cobertura do seguro os danos sofridos pelo motorista do veículo causador do acidente e todos os danos decorrentes daqueles, excecionando a prescrição do direito indemnizatório, afirmando a culpa do condutor do veículo no despiste ocorrido, e concluindo pela sua total absolvição.

Na réplica, as AA. vieram pugnar pela improcedência da deduzida exceção da prescrição.

Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador e, julgada improcedente a exceção de prescrição ([2]), procedeu-se à enunciação do objeto do litígio e à fixação dos temas da prova.

Procedeu-se também a julgamento, após o que foi proferida sentença (datada de 08/12/2015, conhecendo de facto e de direito), julgando a ação parcialmente procedente, assim condenando a R. a pagar: “I- A ambas autoras a quantia global de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de indemnização pela perda do direito à vida de R (…), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a presente data até efectivo e integral pagamento; II- À autora P (…) a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a presente data até efectivo e integral pagamento; III- À autora M (…) a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a presente data até efectivo e integral pagamento; IV- A ambas autores a quantia de € 2.358,12 […] (dois mil trezentos e cinquenta e oito euros e doze cêntimos) a título de dano patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;» ([3]).

De tal sentença veio a R. interpor recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões ([4]) “(…) Pugna, no provimento do recurso, pela revogação da sentença impugnada, com a consequente absolvição da R. dos pedidos formulados.

Contra-alegaram as AA./Recorridas, pugnando pela improcedência do recurso interposto.

Tal recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo, após o que foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

*** II – Âmbito do Recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([5]) –, importa saber ([6]): a) Se ocorre manifesta improcedência da ação, por via da operância da presunção de culpa, não ilidida, do condutor do veículo sinistrado/seguro (art.º 503.º, n.º 3, primeira parte, do CCiv.) e da exclusão da cobertura, pela garantia do seguro, dos danos sofridos pelo causador culposo do acidente e dos danos decorrentes daqueles (art.º 14.º, n.º 1, da LSOA, aprovada pelo DLei n.º 291/2007, de 21-08); b) Se deve proceder a impugnação da decisão de facto; c) Se pode formular-se um juízo de culpa efetiva daquele condutor.

*** III – Fundamentação A) Matéria de facto É a seguinte a factualidade julgada provada pela 1.ª instância: «1- As autoras são as únicas e universais herdeiras de R (…), falecido em 14.10.2009, sendo a autora P(..) [o] cônjuge sobreviv[o] e M (…) filha de ambos, nascida a 19.09.2005.

2- No dia 14 de Outubro de 2009, cerca das 12 horas e 35 minutos, ao KM 77.860, em Villacastin, A.P.6, Espanha, sentido Adanero-Villalba ocorreu um acidente de viação, no qual foi único interveniente o veículo matrícula (...) DL e reboque matrícula VI- (...) , conduzido pelo falecido R (…) 3- Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 2, R (…) conduzia o referido veículo articulado por conta da sociedade Transportadora Rodoviária (...) , para a qual trabalhava e sob cuja autoridade, direcção e fiscalização exercia funções de motorista.

4- O local do acidente constitui um viaduto numa auto-estrada com portagem e, à data do acidente, era composta por duas vias em cada sentido de trânsito, com 3,70 metros cada uma, separadas por uma linha longitudinal descontínua, com traçado rectilíneo, descendente com uma inclinação de 2%.

5- O viaduto referido em 5 tinha uma altura de cerca de 35 metros no seu centro, não dispunha de faixas de emergência e era ladeado por uma barreira lateral semi-rígida.

6- A velocidade permitida para o local era 90 Km/hora para veículos articulados.

7- No momento do acidente fazia bom tempo, não chovia, o piso estava seco e o sol estava num dos seus pontos mais altos, não existindo quaisquer circunstâncias atmosféricas que impedissem ou pusessem em perigo a circulação de veículos.

9- Em circunstâncias e por motivos não concretamente apurados, o veículo colidiu com a barreira lateral semi-rígida situada do lado direito, atento o seu sentido de marcha, destruindo a mesma, despenhando-se de seguida sobre o leito do riacho localizado no fundo do viaduto, incendiando-se de imediato.

10- No dia do acidente o falecido R (…) havia saído de Pombal, pelas cinco horas da manhã, hora portuguesa, tendo percorrido até ao local do acidente uma distância de cerca de 500 Km.

11- Em consequência do acidente referido em 9, R (...) sofreu lesões que foram causa directa, necessária e adequada da sua morte.

12- No âmbito do processo de trabalho nº 1319/09.6 TTCBR do 2º Juízo do Tribunal de Trabalho de Coimbra, que correu termos na sequência do acidente referido em 9, entre o mais a companhia de seguros (…) SA pagou à autora P (…) a quantia de € 3.600,00 a título de despesas de funeral.

13- A autora P(…) despendeu com o funeral de R (…) a quantia global de [€] 5.958,12.

14- À data do acidente R (…) tinha 31 anos de idade, era saudável, robusto, bem disposto, com projectos para o futuro e com uma grande alegria de viver.

15- R (…), juntamente com as autoras, constituíam uma família harmoniosa, unidos por fortes laços afectuosos.

16- R (…) era marido e pai dedicado, meigo e estimado por toda a família, amigos e pessoas da localidade onde vivia, estando plenamente integrado na vida familiar e social.

17- As autoras sentiram enorme dor, terrível desgosto e tristeza com a morte do seu marido e pai, não se conformando com a tragédia que as atingiu.

18- A morte súbita, inesperada, brutal, prematura do seu marido e pai, causou às autoras grande abalo emocional, em muito fez e as faz sofrer, que sentem uma enorme dor e tristeza.

19- Em consequência da morte de R (…) ficou subitamente alterada toda a dinâmica e projectos de vida familiares.

20- Nas semanas seguintes à morte do seu marido, P (…) não conseguiu dormir, perdeu o apetite e chorava onde quer que se encontrasse e ainda na presente data chora a morte do seu marido, sofrendo muito com a sua perda.

21- A autora M (…) tinha apenas quatro anos de idade quando o seu pai...

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