Acórdão nº 467/13.7GASEI-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução06 de Julho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No processo especial sumaríssimo nº 467/13.7GASEI, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda – Seia – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J2, foi proferido despacho que julgou inoperante a desistência da queixa apresentada pelo ofendido A... contra o arguido B... , na parte relativa ao denunciado crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, a) do C. Penal (redacção da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro).

* Inconformada com a decisão, recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1. Nos presentes autos vem imputado ao arguido, para além do mais, a prática de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos art. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, a), ambos do C. Penal.

  1. O ofendido veio, por requerimento dirigido ao processo em 17.12.2015, desistir da queixa apresentada.

  2. Todavia, o M.mo Juiz de Instrução Criminal não homologou a desistência de queixa quanto ao crime de ameaça agravada, por considerar que o mesmo reveste natureza de crime público, não admitindo, por conseguinte, a desistência de queixa.

  3. Ora, salvo o devido respeito, não podemos perfilhar de tal solução.

  4. Com efeito, antes da reforma do Código penal, aprovada pela Lei n.º 59/2007, de 04.09, o crime de ameaça simples e o crime de ameaça qualificado, previstos no mesmo preceito legal, assumiam natureza semipública.

  5. Após a reforma realizada pela referida Lei, e não obstante a alteração legislativa operada pela mesma à sistemática do Código Penal, mormente no que respeita aos crimes de ameaça e coação, ponderando o argumento lógico histórico, e mesmo sistemático, deve, quanto a nós, continuar a entender-se que o crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art. 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, mantém natureza semipública.

  6. Com efeito, consideramos que a situação a que alude a al. a), do n.º 1 do art. 155º do Código Penal, tal como aliás resulta da epígrafe de tal artigo, apenas se traduz numa agravação da moldura penal do crime base (o do art. 153º ou do art. 154º do Código Penal), não constituindo a situação de tal alínea, um tipo autónomo relativamente à previsão típica do crime de ameaça do art. 153º, limitando-se a constituir um fator de agravação do limite máximo da pena daquele crime, quando praticado nas circunstâncias ali previstas, pelo que nada contende com a natureza pública ou semipública do crime.

  7. Acresce que nos referidos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), está em causa a tutela dos mesmos bens jurídicos.

  8. Por outro lado, analisando o art. 153º e a al. a) do art. 155º, constatamos que este último preceito legal não contém, ao nível do tipo de ilícito, qualquer elemento diverso ou mais grave do que se encontra tipificado no primeiro, onde o preceito alude já a crimes contra a vida, sendo certo que não concebemos a ameaça da prática de crime contra a vida sem que se esteja perante a ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos – cfr. art. 155º, n.º 1, al. a) do Código Penal.

  9. Aliás, seria uma contradição punir como crime de ameaça o anúncio a outrem da prática de um crime contra a vida, nos termos do disposto no art. 153º e dizer que, neste caso, o procedimento criminal depende de queixa – n.º 2 do citado preceito legal –, e ao mesmo tempo, por força da al. a) do art. 155º, afirmar que nos encontramos perante um crime cujo procedimento criminal não depende de queixa, porque, afinal, o mal ameaçado, a concretizar-se, seria punido, em princípio com pena de prisão superior a 3 anos.

  10. Nesta medida e, quanto a nós, a única solução defensável é a de que existe um só tipo legal, consagrado no art. 153º (crime base), mas verifica-se uma agravação na moldura penal, no caso previsto na al. a) do art. 155º, mas que não confere distinta natureza ao crime.

  11. Sendo o crime de ameaça agravado um crime semipúblico, o mesmo admite desistência de queixa, pelo que deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que homologue a desistência de queixa apresentada.

  12. Face ao exposto, entendemos que o despacho recorrido violou o disposto nos art. 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal e art. 48º, 49º e 51 º, todos do Código de Processo Penal.

    Nestes termos, e com os fundamentos expostos, deve o despacho recorrido ser revogado e, em sua substituição, ser proferido um outro que homologue a desistência de queixa apresentada pelo ofendido, com a consequente extinção do procedimento criminal.

    Porém, V. Exas. decidirão como for de JUSTIÇA! * Não houve resposta ao recurso.

    * Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da natureza pública do crime de ameaça agravada e concluiu pelo não provimento do recurso.

    * Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

    Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

    * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

    Assim, atentas as conclusões formuladas pela Digna Magistrada do Ministério Público recorrente a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se o crime de ameaça agravada tem ou não, natureza pública e, em consequência, se não admite ou admite, desistência da queixa.

    * Para a resolução destas questões importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte, na parte relevante: “ (…).

    Por requerimento de folhas 163, veio o ofendido A... declarar que desiste da queixa por si apresentada conta o arguido B... (crime de dano e ameaça agravada).

    Cumpre apreciar e decidir: Como bem referir a Digna Magistrada do Ministério Público, se quando à natureza do primeiro dos crimes (de dano), não há dúvida que o mesmo reveste natureza semipública, o mesmo já na se passará quanto ao segundo.

    Assim a questão a decidir é a de saber se o crime de ameaças agravado, p e p pelo artigo 155º, n.º 1, al. a) do C. Penal - na redacção do diploma...

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