Acórdão nº 306/11.3TTGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelAZEVEDO MENDES
Data da Resolução16 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

Em processo emergente de acidente de trabalho, a autora intentou, contra as rés, acção pedindo a sua condenação no pagamento de: pensão anual e vitalícia no valor de € 10.028,70; subsídio por morte no valor de € 5.533,70; despesas com funeral e trasladação no montante de € 1.565,00; € 75,00 a título de despesas com transportes; juros moratórios vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento.

Alegou, em síntese, a ocorrência de um acidente de trabalho que vitimou C... no dia 18 de Agosto de 2011, quando este se encontrava a trabalhar para o seu empregador, uma sociedade que então havia transferido a responsabilidade infortunística para a ré seguradora e que entretanto foi declarada.

Citados os réus, veio o réu Fundo de Acidentes de Trabalho contestar impugnando o alegado pela autora e excepcionando a sua irresponsabilidade no caso concreto, concluindo pela sua absolvição do pedido.

Também a ré seguradora contestou, alegando a inexistência de acidente de trabalho, a não inclusão da actividade desenvolvida pelo sinistrado, aquando do acidente, nas garantias do seguro, a negligência grosseira do sinistrado e a responsabilidade do empregador na ocorrência do acidente, concluindo pela improcedência da acção.

Em sede de despacho saneador, o tribunal recorrido absolveu o Fundo de Acidentes de Trabalho da instância por ilegitimidade passiva e procedeu à selecção da matéria de facto assente e elaboração da base instrutória, em termos que mereceram reclamação da ré, que foi totalmente indeferida.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré seguradora a pagar à autora as quantias de: € 4.011,48, a título de pensão anual e vitalícia, montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde 19 de Agosto de 2011 até efectivo e integral pagamento; € 5.533,70, a título de subsídio por morte, montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; € 1.565,00, a título de subsídio por despesas de funeral, montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; € 50,70, a título de despesas de transporte, montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

* Inconformada, a ré seguradora interpôs a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões: […] A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação.

A Ex.ma Procuradora Geral Adjunta pronunciou-se em parecer junto aos autos.

* II- Factos considerados como provados pela 1.ª instância: […] * III.

Apreciação As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que as questões que importa resolver, no âmbito das conclusões do recurso da seguradora, se podem equacionar basicamente da seguinte forma: - se deve decidir-se pela revogação do despacho que indeferiu a reclamação da apelante à Base Instrutória ordenando-se a ampliação da mesma e a repetição do julgamento quanto a toda a matéria alegada na contestação da apelante e na sua reclamação de 08/06/2015.

- se a decisão relativa à matéria de facto merece alteração; - se podia concluir-se pela existência de acidente de trabalho ou este deveria considerar-se descaracterizado; - se, concluindo-se pela ocorrência de acidente de trabalho reparável, este estava abrangido pelo seguro contratado com a apelante.

  1. A questão da reclamação à Base Instrutória […] 2. A questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto […] 3. A questão da qualificação do acidente como acidente de trabalho: Na sentença recorrida considerou-se o evento que vitimou de morte o sinistrado como acidente de trabalho.

    Diverge a apelante, sustentando que de modo nenhum essa qualificação pode ocorrer.

    Sustenta para tanto, em síntese, que dos factos apurados resulta que ninguém ordenou ou autorizou sequer ao sinistrado que subisse à cobertura, fosse para o que fosse e que o mesmo nem sequer subiu ao telhado para limpar qualquer caleira, ignorando-se em absoluto por que razão subiu ao telhado Na sentença escreveu-se a este respeito designadamente o seguinte: «No caso vertente provou-se que, à data do acidente, a fábrica da sociedade «D... , Lda» estava encerrada para férias.

    Todavia, provou-se ainda que, apesar daquele encerramento, estavam a decorrer trabalhos de manutenção/arrumação, para os quais estavam presentes o gerente, E... , que também estava a receber clientes, o trabalhador F... , o sinistrado e um mecânico.

    Assim, apesar de o sinistrado estar de férias, como os restantes trabalhadores, estava efectivamente ao serviço do empregador, concedendo-lhe a sua força de trabalho, como determinado ou aceite pelo empregador.

    De modo que não temos dúvidas em afirmar a verificação do requisito da prestação da actividade laboral no tempo de trabalho.

    Já no que concerne ao local de trabalho, importa notar que o acidente ocorreu no telhado da fábrica, para o qual o sinistrado se havia deslocado.

    Estava o sinistrado então, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador, ou seja, na dependência jurídica do mesmo? A nosso ver, a resposta a essa questão depende do apuramento das razões que levaram o sinistrado a subir ao telhado, ou seja, saber se tal lhe foi determinado ou não pelo empregador.

    Nesta parte apurou-se que, dias antes de o acidente ocorrer, o gerente do empregador havia comentado com o sinistrado que a limpeza das caleiras era um trabalho que tinha de ser realizado.

    Apurou-se ainda que, imediatamente antes de se ausentar da oficina, o sinistrado informou o seu colega de trabalho F... do trabalho que ia realizar e do local onde ia executá-lo.

    Embora não se tenha provado que o gerente do empregador não tenha dado instruções ao sinistrado para limpar as caleiras ou para realizar qualquer outra tarefa na cobertura, do elenco de factos provados não resulta que o sinistrado estivesse a agir a ordens do seu empregador.

    Resulta, contudo, demonstrado o interesse deste na realização do serviço, como declarado pelo gerente do empregador ao sinistrado dias antes da ocorrência.

    Ora, admitindo que o sinistrado agiu espontaneamente, não deixa de resultar como claro o proveito económico para o empregador resultante da actividade daquele, uma vez que, com a execução do serviço de limpeza das caleiras, por parte do sinistrado, o empregador pouparia o montante necessário à contratação de entidade externa que executasse o serviço.

    Ainda que o serviço viesse a ser executado por trabalhadores do empregador, isto é, fosse levado a cabo sem intervenção externa, o facto de o sinistrado o executar em férias traduzir-se-ia numa poupança de meios, logo de dinheiro, na execução do serviço na fase de laboração.

    Mostra-se assim, a nosso ver, verificada a hipótese prevista no artigo 9º, nº 1, alínea b), da Lei dos Acidentes de Trabalho, considerando-se o acidente como de trabalho ainda que ocorrido fora do tempo e/ou do local de trabalho.» Vejamos: O art. 8.º, nº 1 da Lei n.º 98/2009, de 4/9, (LAT) contém a definição genérica de acidente de trabalho, dispondo que “é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo do trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.

    Ou seja, como tem apontado a nossa jurisprudência, para que se reconheça um acidente de trabalho importa verificar (a) um elemento espacial, em regra, o local de trabalho, (b) um elemento temporal, em regra, correspondente ao tempo de trabalho e (c) um elemento causal, ou seja, o nexo de causa e efeito entre, por um lado, o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença e, por outro lado, entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.

    Perante os factos provados (factos 1.

    , 2., 6.

    e 9.

    ) não podemos deixar de considerar que, no tempo e local de trabalho, ocorreu um evento (queda) que determinou, para o autor, lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e toraco-abdominais, que constituíram causa adequada da morte.

    Efectivamente, do facto 1.

    resulta desde logo que o evento ocorreu local de trabalho e do facto 6.

    e 9.

    pode inferir-se que o ocorreu no seu horário de trabalho/tempo de trabalho, conjugado com o descrito no facto 7.

    , pois foi durante a pausa para o almoço que o sinistrado foi encontrado inconsciente, ensanguentado e deitado no chão do pavilhão (resultando do facto 1.

    que o evento queda ocorreu pelas 13 horas).

    Ou seja, o evento naturalístico que determinou a lesão morte foi a queda do autor no tempo e no local de trabalho.

    A seguradora apelante defende que se deve desconsiderar a existência de acidente de trabalho por entender que tal evento não teve conexão com a relação de trabalho dado que os trabalhos que decorriam eram apenas trabalhos de manutenção/arrumação, a decorrer no interior das instalações fabris e que ninguém ordenou ou autorizou sequer ao sinistrado que subisse à cobertura, fosse para o que fosse.

    Ou seja, parece considerar que o evento lesivo não ocorreu por causa do trabalho e daí não ser de qualificar como acidente de trabalho.

    Porém: Como é comummente entendido, o regime regra da responsabilidade civil do empregador é o da responsabilidade civil extracontratual objectiva, a qual, no nosso sistema, assenta na chamada teoria do risco económico ou de autoridade que se considera subjacente ao conceito de acidente de trabalho contido no art. 9.º da LAT, teoria que oferece a vantagem proteccionista de não exigir a verificação de um nexo de causalidade entre o acidente (evento) e a prestação do trabalho propriamente dita...

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