Acórdão nº 788/13.9TYVNG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LOUREIRO
Data da Resolução18 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório A autora propôs contra a ré a presente acção especial para declaração de insolvência da ré, que peticionou com base e em resumo nos seguintes fundamentos: detém sobre a ré dois créditos, um no valor de 750.000 euros e emergente do incumprimento definitivo pela ré de um contrato-promessa, outro no valor de 1.600 euros e decorrente do incumprimento pela ré de um contrato de comodato, acrescido de 40 euros por cada novo dia de incumprimento; o único bem que a requerente conhece à ré é o que lhe foi dado em garantia do pagamento de €350.000, sobre o qual se encontra registada a hipoteca a seu favor; desconhece qual o demais activo da ré e qual o seu valor; a ré não tem disponibilidades financeiras para pagar os créditos da requerente; a falta de pagamento do crédito à requerente revela a impossibilidade da ré satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; há mais de 6 meses que a ré deve ao Fisco e à Segurança Social mais de €400.000, devendo à L..., SARL e ao Banco C... mais de €3.900.000; estão preenchidos, assim, os factos indício constantes das alíneas b) e g) – i), ii) e iv) – do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.

Citada, a ré deduziu oposição, pugnando pela improcedência da acção.

Alegou, em resumo, que não existe o crédito alegadamente decorrente do contrato-promessa que está descrito na petição, por se tratar de contrato simulado e, por isso, nulo, não tendo sido constituído qualquer sinal; relativamente ao incumprimento do contrato de comodato foi celebrada uma transacção judicial que está a ser cumprida; estando em causa créditos litigiosos, não podem os mesmos constituir fundamento de declaração de insolvência; tem património e activos mais do que suficientes para pagar os créditos alegados pela requerente, sendo que só o imóvel referenciado pela requerente tem o valor de €5.820.000; é dona de outro imóvel cujo valor é no mínimo de €1.100.000; tem créditos sobre a D... de cerca de €500.000.

Prosseguiu a acção os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguidamente transcrito: “Face a todo o exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas, julgo a acção improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo a requerida «F..., S.A.» do pedido de declaração de insolvência contra si formulado.

Valor da causa: €30.000,00, equivalente ao da alçada da Relação, visto que a insolvência não chegou a ser declarada e na petição inicial não foi indicado o valor do activo da requerida (artigos 306.º, n.º 2 do Código do Processo Civil ex vi artigo 17.º do CIRE e 15.º e 301.º deste último Código).

Custas pela requerente (artigo 304.º do CIRE).

Registe e notifique.

”.

Não se conformando com o assim decidido, apelou a requerente, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas: ...

Contra alegou a ré, pugnando pela improcedência da apelação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Principais questões a decidir Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 - NCPC), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: 1ª) se a decisão recorrida transitou em julgado, total ou parcialmente, e, na afirmativa, qual o âmbito objectivo do caso julgado que assim se formou e que consequências tem o mesmo quanto à cognoscibilidade da presente apelação; 2ª) se a matéria fáctica se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada; 3ª) se a apelada deve ser declarada insolvente.

III – Fundamentação

  1. De facto Os factos provados O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos: 1) A requerida «F..., S.A.», pessoa colectiva n.º ..., tem sede na Rua da ... e por objecto social o fabrico, compra, venda de conservas de peixe, litografia, embalagens metálicas e a prática de actividades congéneres ou complementares daquelas (certidão do registo comercial de fls. 184 e ss, consultada a 27/10/2014).

    2) No âmbito do processo n.º ... foi revogada a sentença aí proferida a 27/04/2015 de declaração de insolvência da requerida (certidão de fls. 377 e ss).

    3) Da certidão de matrícula da requerida constam registados como membros do seu Conselho de Administração: ...

    4) T... renunciou ao cargo de administrador da requerida, facto levado ao registo a 23/04/2009.

    5) R... faleceu a 17/11/2007 (certidão do assento de nascimento, com averbamento do óbito, a fls. 210 e ss).

    6) G... foi declarado insolvente a 03/02/2015, por sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º ... (certidão do assento de nascimento a fls. 215 e ss e rosto de certidões judiciais a fls. 253, 267, 268 e 269).

    7) Nas pesquisas efectuadas tendentes a apurar o paradeiro de G... apurou-se que o mesmo, a 17/11/2014, não constava inscrito na Ordem dos Engenheiros, nem na Ordem dos Engenheiros Técnicos, não podendo assim, nos termos legais, usar o título ou exercer a profissão de engenheiro (fls. 202 e 204).

    8) Entre a aqui requerida, a aqui requerente e G... (1.º, 2.º e 3.º contraentes, respectivamente) foi celebrado um acordo escrito, intitulado «Contrato de promessa de compra e venda com permuta e revogação de contrato-promessa», datado de 28/11/2012, no qual as partes declararam, além do mais, o seguinte (documento junto a fls. 12-5, cujo teor, no mais, aqui se dá por integralmente reproduzido): Considerandos:

    1. Por contrato celebrado em 26/03/2009 a 1.ª contraente prometeu vender à 2.ª contraente o prédio urbano sito na Rua ..., sendo que à época era do inteiro e pleno conhecimento de todos a incidência dos ónus existentes sobre o aludido prédio.

    2. Essa promessa de compra e venda não foi cumprida por, nomeadamente, a 1.ª contraente não ter logrado, em tempo útil, cancelar na Conservatória do Registo Predial o registo de uma acção interposta pela «B..., Lda.» onde peticionava o direito de propriedade por via da usucapião e o registo de uma compra e venda do citado prédio a favor dessa «B... – Sociedade de Construções, Lda.» que com esta realizou para ser cancelado caso se obtivesse ganho da causa naquela acção, hipótese em que a transmissão seria concretizada através da usucapião e não de compra e venda.

    3. A acção interposta pela «B... – Sociedade de Construções, Lda.» foi julgada improcedente, pelo que se manteve em vigor a inscrição de compra e venda e a titularidade desta no direito de propriedade do referido prédio urbano.

    4. Perante esta circunstância de não poder vender aquilo que não lhe pertencia, o contrato mencionado na alínea a) foi revogado, tendo a 1.ª contraente e o 3.º contraente, como principal pagador, solidariamente, assumido que devem €300.000,00 à 2.ª contraente, ou seja, o valor correspondente ao sinal prestado que não foi devolvido.

    5. Pretendem, agora, as 1.ª e 3.º contraentes extinguir essa obrigação de restituição dos €300.000,00 fazendo novo contrato-promessa de compra e venda com pagamento de parte do preço através de permuta, tendo por objecto o mesmo prédio urbano, onde afectassem aquele valor a parte do sinal a prestar.

    6. Para tal, as 1.ª e 3.º outorgantes entendem que na data da escritura pública do negócio permutado estão aptas para transferir o direito de propriedade do citado prédio, livre de ónus ou encargos, seja a 1.ª contraente a vendedora ou a citada «B... – Sociedade de Construções, Lda.».

    7. A 2.ª contraente aceita que aqueles €300.000,00 sejam afectados ao aludido novo contrato-promessa de compra e venda desde que a restituição deste valor acrescido do restante sinal tenha garantia idónea.

    8. Para este efeito, os 1.ª e 3.º contraentes comprometem-se a declarar a dívida de €350.000,00 à 2.ª contraente e a restituir-lhe esse valor até 31/01/2012, constituindo a favor desta uma hipoteca tendo por objecto esse ou outro prédio urbano.

    9. Caso a garantia incida sobre o prédio prometido vender, a 2.ª contraente aceita que a constituição de hipoteca seja prestada pela «B... – Sociedade de Construções, Lda.», como terceiro garante.

    10. Em consequência, os direitos e obrigações que de seguida se expressam ficam condicionados à realização da referida hipoteca, pelo que, até lá, não produzem qualquer efeito.

      Vínculos: 1. A 1.ª ou 3.º contraente prometem adquirir à «B... – Sociedade de Construções, Lda.» o prédio identificado na alínea a) dos considerandos.

      1. A 1.ª e o 3.º contraente prometem vender esse prédio urbano directamente à 2.ª contraente, ou a nomeá-la para o adquirir à «B... – Sociedade de Construções, Lda.».

      2. O preço convencionado é de €3.477.500,00, correspondendo €1.402.500,00 ao valor dos bens dados em permuta.

      3. A 1.ª e o 3.º contraente dão por recebido, a título de sinal do preço convencionado €300.000,00, sendo que recebem, no dia em que a presente promessa produza efeito, ou seja, no dia da realização da hipoteca referida na alínea j) dos considerandos, a quantia de €50.000,00, através de cheque datado de 07/12/2012, com o compromisso de não ser movimentado em data anterior.

      4. A 2.ª contraente compromete-se a pagar a quem a 1.ª ou 3.º contraentes determinarem €1.000.000,00 na data de outorga da escritura de compra e venda, €700.000,00 em 31/01/2014 e €25.000,00 em 31/07/2013.

      5. O pagamento destas quantias de €700.000,00 e €25.000,00 ficam caucionadas através de garantia bancária à primeira interpelação, que a 2.ª contraente entrega no acto da citada escritura pública de compra e venda, sendo que quanto a €25.000,00 pode ser substituída por cheque post datado.

      6. A 2.ª contraente compromete-se a transmitir na referida escritura de compra e venda, a favor de quem a 1.ª e 3.º contraentes determinarem, pelo referido valor global de €1.402.500,00, os seguintes prédios: - Fracção autónoma designada pela letra «A» sita na Rua ...; - 3 fracções autónomas, designadas pelas letras «U», «O» e «B», do prédio...

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