Acórdão nº 417/2010.2TBOHP.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução19 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: * “A..., Lda.”, com sede em Oliveira do Hospital, intentou a presente acção com processo ordinário contra B..., pedindo que este seja condenado a entregar-lhe os títulos prometidos, melhor identificados no contrato-promessa, devidamente endossados, a pagar imposto de selo e demais trâmites legais necessários para efectivar a transmissão e, ainda, a devolver-lhe a letra de câmbio entregue a título de garantia de cumprimento.

Alega, em síntese, que: por escrito particular de 16.11.2005, prometeu comprar e o Réu prometeu vender-lhe um lote de 7.144 acções nominativas da sociedade “C..., S.A.”, com o valor nominal de €.5,00 por cada acção; o contrato fazia depender a realização do negócio prometido da prévia aprovação da Assembleia Geral da C... , devendo o Réu enviar uma carta à Assembleia Geral e aos accionistas per si, para que estes em 60 dias exercessem o seu direito de preferência, conforme decorre dos estatutos; durante o prazo de 60 dias não houve qualquer pronúncia nem da sociedade, nem dos accionistas pelo que se tornou livre a transmissão de acções; com a celebração do contrato-promessa e como garantia de cumprimento, entregou uma letra de câmbio em branco; no contrato-promessa previa-se o pagamento faseado do preço, vencendo-se a última prestação com a celebração do contrato de transmissão, sendo que a Autora pagou todas as prestações, tendo o último pagamento ocorrido em 22.03.2009; que insistiu junto do Réu pela marcação do contrato de compra e venda das acções e se disponibilizou para esclarecimentos, mas nunca recebeu qualquer resposta da parte do Réu, tendo mesmo enviado uma carta a sugerir uma data para a realização do contrato prometido, mas nunca o Réu contactou ou respondeu; a obrigação tinha prazo certo e não obstante ter pago o preço e ter feito diversas interpelações ao Réu, este não cumpriu o acordado, não consentindo na marcação do contrato prometido, nem entregando os títulos, encontrando-se assim o Réu em mora; em face da mora por culpa exclusiva do Réu, pretende a execução específica do contrato.

O Réu contestou, alegando que: a Autora não alega a existência de uma deliberação da assembleia geral que autorize a propositura da acção e que se comprometa com a celebração do contrato-promessa, sendo que a falta de tal deliberação constituiu uma excepção dilatória que determina a absolvição do Réu da instância; que apenas comunicou à C... o seu propósito de vender o lote de 7144 acções, mas sem designar a pessoa do comprador, nem informar os diversos termos do negócio e essa comunicação pressupunha que a C... tivesse sujeitado a deliberação dos sócios em assembleia geral, o exercício ou não do direito de preferência da sociedade e o consentimento na cessão, o que nunca sucedeu (porque a C... nunca convocou a assembleia geral), pelo que está por verificar a condição suspensiva de que dependia a cessão das acções; acresce que não foi dado conhecimento aos accionistas de que podiam exercer o direito de preferência; em consequência, não se mostra vencida a obrigação de celebração do contrato prometido; a não convocação da assembleia geral para prestação de consentimento à cessão e exercício do direito de preferência não é uma omissão inocente, pois um dos sócios fundadores e gerente da Autora – D... – é igualmente sócio fundador da C... e era, à data do contrato-promessa, o administrador que preponderava na C... ; D... , que estava empenhado em aumentar a sua participação social na C... e porque o capital estava muito disperso, podendo os outros accionistas recusar o consentimento à cessão ou até a preferir na compra, deixou de cumprir o seu dever legal de convocar a assembleia geral necessária: já depois da celebração do contrato-promessa chegaram ao conhecimento do Réu factos referentes a operações que foram celebradas com o objectivo de prejudicar todos os demais accionistas e que têm reflexos sobre o património da C... e do valor das acções objecto do contrato-promessa, sendo que nessa sequência o Réu pediu informações sobre os alegados factos/operações; o pedido de informações foi objecto da assembleia geral da C... de 06.03.2009, sendo que as deliberações tomadas na mesma foram impugnadas e anuladas e corre actualmente acção para investidura dos órgãos sociais – incluindo do Réu no lugar de secretário da mesa da assembleia geral – sendo que com esta acção a Autora apenas pretende impedir o Réu do exercício daquele cargo social, de exercer o direito de voto na assembleia e de lhe vedar o acesso à informação pretendida e que poderão revelar erro sobre os pressupostos da decisão de vender as acções pelo preço que objecto de estipulação no contrato-promessa; recebeu todas as quantias estipuladas no contrato-promessa celebrado, mas a Autora não tem direito de exigir o cumprimento do contrato-promessa, atenta a posição que tomou na referida assembleia geral de 06.03.2009; considerando a posição da Autora na assembleia geral de 06.03.2009, na negação da prestação de informações, o pretenso direito da Autora exigir o cumprimento do contrato-promessa configura uma situação de abuso do direito; é necessário um processo especial de fixação de prazo para a celebração do contrato prometido, pelo que o Réu ainda não se encontra em mora e tem de ser absolvido do pedido; que D... começou por prometer a prestação das informações pedidas, mas mudou de opinião a partir do ano de 2007, pretendendo apenas a celebração do contrato de cessão e o recebimento da letra de câmbio; em suma, o contrato-promessa ainda não está em condições de ser cumprido, porque a produção de efeitos dependia de três condições e ainda não se verificou nenhuma delas; que a Autora não pede que o tribunal profira sentença constitutiva que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, pelo que se deve considerar a acção como uma simples acção condenatória.

Conclui pedindo que seja julgada procedente a invocada excepção de falta de autorização da assembleia geral da Autora para a aquisição das acções objecto do contrato-promessa e para a propositura da acção, absolvendo-se o Réu da instância. Ou assim não se entendendo que seja julgada procedente a excepção de não verificação da condição suspensiva, absolvendo-se o Réu do pedido. Ou quando ainda assim se não entenda, julgada a acção improcedente e não provada, absolvendo o Réu do pedido.

A Autora veio replicar, impugnando o alegado pelo Réu e defendendo que cabe no seu objecto social a celebração do contrato-promessa e a propositura da acção pelo que não se verifica a invocada falta de autorização, mas acrescentando que estranha que o Réu apenas agora – que tem de cumprir a sua obrigação – suscite tal questão, mas que não o tenha feito aquando da celebração do contrato-promessa. Mais refere que, mesmo que se verificasse uma irregularidade na deliberação da Autora, a anulabilidade não pode ser invocada por terceiros, como é o caso do Réu. Assim, em suma, a excepção deduzida pelo Réu tem de improceder.

Na audiência prévia foi decidido pelo tribunal julgar improcedente a invocada excepção de falta de deliberação, e foi relegado para final o conhecimento das outras excepções inominadas invocadas pelo Réu, nomeadamente o abuso de direito, por depender de prova a produzir. Foi fixado o objecto do litígio e os temas da prova e foi concedido aos mandatários das partes o prazo para apresentarem o rol de testemunhas e para reclamações.

A Autora veio reclamar do ponto 4 dos temas da prova, pedindo que esse ponto 4 seja substituído por outro que vise apurar o incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo Réu, nomeadamente por abuso de direito, mas tal reclamação foi julgada improcedente.

No decurso do julgamento, o Réu veio deduzir factos que considerou instrumentais em relação aos factos essenciais que alegou na contestação, e que resultam da instrução da causa, pedindo que os mesmos sejam considerados pelo tribunal nos termos do disposto no art. 5.º, n.º 2, als. a) e b) do CPC (na redacção da Lei n.º 41/2013), o que mereceu decisão prévia às sentença no sentido de que o tribunal apenas atenderia aos factos que são instrumentais ou essenciais, mas complementares e concretizadores dos já invocados pelo Réu na contestação e que se enquadrem no âmbito da defesa deduzida.

Também, na pendência da audiência de julgamento, o Réu apresentou articulado superveniente, requerimento que foi rejeitado liminarmente pelo tribunal, nos termos do art. 588.º, n.º 4 do CPC.

Ainda na mesma sessão de julgamento, a Autora pediu a condenação do Réu como litigante de má fé.

Na resposta, o Réu admite que terá confundido consentimento e preferência da sociedade com preferência dos accionistas, mas que tal só sucedeu porque aquando da elaboração da contestação não tinha acesso ao livro de actas. Mais refere que estava e está convencido que teria e terá de haver nova deliberação da sociedade, sendo certo que depende da colaboração da C... e de D... pois não sabe quem são os accionistas da C... . É necessário um processo judicial de notificação para preferência. Termina dizendo que não se verificam os pressupostos para ser condenado como litigante de má-fé.

Após o julgamento, foi proferida sentença que terminou assim: “Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção totalmente improcedente e, em consequência: 1. Absolve o Réu B... do pedido.

  1. Absolve o Réu do pedido de condenação como litigante de má fé.

  2. Condena a Autora no pagamento das custas do processo.” Desta sentença interpôs a Autora recurso, formulando, a final da sua alegação, as seguintes conclusões: “1. Segundo o teor da cláusula 9.ª do contrato-promessa celebrado entre as partes, “este contrato (...) está sujeito à condição suspensiva de a sociedade a que respeitam os títulos consentir na cessão, e às demais obrigações legais e estatutárias que condicionarem a transmissão das acções”.

  3. Relativamente às mencionadas obrigações estatutárias que condicionam a...

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