Acórdão nº 6707/08.7TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCATARINA GON
Data da Resolução26 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A...

, B...

, C...

e D... , todos residentes na Rua (...) , Leiria, instauraram a presente acção contra E... , Companhia de Seguros, SPA (actualmente, E... Companhia de Seguros, S.A.), com sede na Av. (...) , Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar: - À Autora, A... , a quantia de 150.000,00€ e 100.000,00€, a título de indemnização por danos morais e por danos emergentes futuros, respectivamente; - Ao Autor, B... , as quantias de 20.000,00€ e 18.000,00€ a título de indemnização por danos morais e por danos patrimoniais, respectivamente; - A cada um dos outros dois Autores a quantia de 20.000,00€, a título de indemnização por danos morais; - Juros, à taxa legal, sobre as aludidas quantias desde a citação até ao seu integral e efectivo pagamento; - A quantia diária de 15,00€ até efectivo pagamento a título de sanção pecuniária compulsória.

Alegam, para o efeito: que, no dia 09/12/2005, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente um motociclo seguro na Ré e um veículo pertencente ao 2º Autor e conduzido pela 1ª Autora, acidente que ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do motociclo; que, em consequência desse acidente, a 1ª Autora sofreu diversas lesões, esteve internada durante cerca de quatro meses, foi submetida a cirurgias, sofreu dores intensas e sofreu variados danos de natureza não patrimonial, para cuja indemnização entende ser adequada a quantia de 150.000,00€; que, por força das lesões sofridas no acidente, necessita de terceira pessoa que a auxilie nas tarefas domésticas até ao fim da sua vida, reclamando para indemnização desse dano patrimonial futuro o valor de 100.000,00€; que o 2º Autor, por via das lesões sofridas pela 1ª Autora, teve que reduzir o seu horário de trabalho para cuidar dos filhos, deixando, por isso, de auferir um valor correspondente a 18.000,00€; que o 2º Autor temeu pela vida da esposa e sofreu diversos danos de natureza não patrimonial em consequência das limitações de que esta ficou afectada, cuja indemnização reclama o valor de 20.000,00€ e que os demais Autores (filhos do casal) sofreram com a privação do apoio materno e sofreram diversos danos não patrimoniais, devendo, cada um deles, ser indemnizado pelo valor de 20.000,00€ A Ré contestou, impugnando os factos alegados e concluindo pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador e foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual as partes chegaram a acordo quanto a alguns dos factos e, designadamente, no que toca à culpa na eclosão do acidente.

Foi, então, proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar aos Autores a quantia global de 302.738,00€, acrescida de juros de mora legais, desde a citação, relativamente às quantias devidas a título de danos patrimoniais (7.488 + 100.000 + 5.250 euros), e desde a data da decisão, relativamente às quantias devidas a título de danos não patrimoniais (150.000 + 20.000 + 20.000 euros), até efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do demais peticionado.

Discordando dessa decisão, veio a Ré interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. As Recorrentes perfilham o entendimento, salvo melhor opinião, de que a douta Sentença objecto do presente recurso não decidiu de forma acertada, atendendo à factualidade dos factos e aos normativos legais aplicáveis ao presente caso.

  1. A Recorrente vem impugnar a decisão proferida, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, porquanto não tem qualquer dúvida de que foi produzida nos autos prova abundante no sentido de contrariar frontalmente a tese desenvolvida pelos Autores designadamente, através dos depoimentos prestados pelas testemunhas apresentadas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento da causa e documentos juntos aos autos.

  2. Atente-se ainda que o presente sinistro, foi simultaneamente de trabalho e de viação, sendo que o processo laboral emergente de acidente de trabalho correu termos sob o n.º 1287/06.0TTLRA do 2.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Leiria, facto assumido pela Autora nos Artigo 39.º e 47.º da sua petição inicial. A Autora/Recorrida A... relativamente aos danos por si alegadamente afirma no artigo 48.º da sua petição inicial, que a presente acção apenas visaria a indemnização pelos danos morais como outros bens patrimoniais não previstos e assegurados pela apólice de seguros por acidentes de trabalho, uma vez que os danos patrimoniais seriam contabilizados no processo laboral, citando-se agora o artigo referido.

  3. A Autora/Recorrida A... peticionou o montante de €100.000,00 pela necessidade de ajuda de uma terceira pessoa que auxilie a Autora nas tarefas domésticas (artigo 92.º da petição inicial), salientando-se que a Autora/Recorrida não pede em momento algum da sua petição, a condenação da Recorrente no indemnização por um eventual dano futuro.

  4. A Autora/Recorrida A... em momento algum da sua petição inicial, que lida e relida, peticiona qualquer montante indemnizatório pela alegada incapacidade fixada, na sua vertente patrimonial. Tendo a Ré/Recorrente junto a respectiva certidão da douta Sentença proferida no Tribunal de Trabalho, no âmbito do processo n.º 1.287/06.0TTLRA do 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Leiria, em que foi fixada uma IPP (Incapacidade Permanente Parcial Permanente) de 27,8 %.

  5. Acresce ainda que do petitório, não resulta a alegação de qualquer facto que pudesse conduzir ao entendimento que a Autora/Recorrida pretendia ser indemnizada, no âmbito dos presentes autos, relativamente aos danos patrimoniais emergentes da sua incapacidade para o trabalho, atente-se que a mesma nem sequer alega quanto é que auferia. E se dúvidas houvesse a esse propósito, as mesmas dissipar-se-iam, atento o alegado nos artigos 80.º a 94.º da douta p.i.

  6. A decisão proferida pelo Tribunal a quo não tem qualquer eco na factualidade carreada pelas partes para os autos, e nem o poder jurisdicional mais amplo poderá colidir com o princípio de dispositivo que rege e sempre regeu o processo civil.

  7. Pelo exposto, considerando a condenação da Ré/Recorrente no pagamento à Autora/Recorrida no montante de € 100.000,00 por um dano que não foi minimamente alegado nem invocado no processo, não resta senão concluir que a Mmo. Juiz do Tribunal a quo extrapolou o âmbito dos poderes que lhe são conferidos. Na verdade, nos termos da lei, o Juiz deve cingir-se, aquando da decisão da causa, à matéria alegada pelas partes, por forma evitar as denominadas decisões surpresa, proibidas nos termos do princípio consignado no art. 3º, nº 3 do C.P.C. e nos termos dos artigos 5º do CPC. Ora, os factos que o Mmo. Juiz considerou fulcrais para condenar a Ré, não foram minimamente alegados pela Autora/Recorrida, e é esta, repita-se, que afirma que os danos patrimoniais emergentes do sinistro serão discutidos no processo de trabalho.

  8. E com o desrespeito pelo princípio do dispositivo, previsto nos citados artigo 264º e 664º do CPC e com a falta de tal audição das partes incorre a decisão sob recurso na nulidade prevista no artº 195º nº 1 do CPC, o que acarreta, nos termos do nº 2 deste preceito, a nulidade do acto subsequente à omissão, ou seja, da própria decisão, naturalmente, na parte em que esta está viciada. Assim sendo, impõe-se que os referidos factos sejam retirados ou desconsiderados no presente processo e, em consequência, seja proferida decisão que absolva a Ré/Recorrente deste pedido. Por tudo o exposto, deverá, também, nesta medida, o presente recurso ser considerado procedente, uma vez que o Tribunal não pode conhecer de uma questão que não foi alegada, conforme deveria, na petição inicial, de acordo com o disposto nos arts. e 412º do Código de Processo Civil que foram violadas na Sentença recorrida.

  9. Por outro lado, não acolhendo a tese da Recorrente supra explanada, sempre se diga que a douta sentença será nula nos termos do artigo 609.º n.º 1 alíneas e) do Código de Processo Civil, porquanto condena em objecto diverso do pedido. Senão vejamos, 11. Tendo em consideração, o supra exposto, no que respeita ao dano futuro, não pode a Ré deixar de concluir que o Tribunal condenou a Ré/Recorrente em objecto diverso do pedido.

    Efectivamente, a Autora/Recorrida A... nos artigos 80.º a 94.º da sua petição inicial peticiona a quantia de € 100.000,00 a título de danos emergentes futuros resultantes do sinistro, no seguimento de necessitar de apoio de terceira pessoa, em consequência das limitações físicas e funcionais de que veio a padecer. Salientando-se novamente que a mesma relegou para discussão no foro laboral os danos patrimoniais emergentes do presente sinistro (simultaneamente de trabalho e de viação). A tudo isto acresce ainda o facto de a Autora/Recorrida A... nunca ter questionado em sede pericial a necessidade de apoio de terceira pessoa (sendo certo que também da prova testemunhal produzida em sede de audiência tal não resultou provado).

  10. A petição inicial, à semelhança de outros articulados, reveste a natureza de acto jurídico, devendo ser interpretada, por força do disposto no art. 295º do C.Civil, em conformidade com as regras atinentes à interpretação da declaração negocial. Ora, da leitura e interpretação da petição inicial, e dos demais requerimentos juntos pelos Autores/Recorridos aos autos, é inevitável concluir que a Autora/Recorrida A... neste processo nunca questionou a indemnização de um eventual dano futuro. Mesmo o pedido emergente dos alegados danos futuros está relacionada com a necessidade de apoio de terceira pessoa, que não resultou como provada nos presentes autos.

  11. Atenta a Sentença proferida, não pode a Ré deixar de concluir que o Mmo. Juiz procedeu a uma alteração qualitativa da pretensão da parte, extrapolando em absoluto os seus poderes jurisdicionais, nestes termos e porque a decisão sob recurso incorre na nulidade...

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