Acórdão nº 4240/12.1TBLRA-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO Por apenso ao processo onde foi declarada a insolvência de A (…), aberto concurso de credores foi pelo Administrador de Insolvência apresentada a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos.

A credora R (…) veio impugnar tal lista, na parte em que reconheceu o crédito de C (…), alegando que, sendo este proveniente de um contrato denominado “mútuo com hipoteca”, o reclamante não cuida de provar a entrega do dinheiro ao insolvente, pelo que, até prova em contrário, tal mútuo inexiste.

O credor reclamante C (…) veio responder alegando em síntese que, encontrando-se o mutuo devidamente formalizado, através de um “documento autenticado”, tal mútuo tem-se por validamente celebrado com efeitos erga omnes, fazendo prova plena do facto jurídico exarado pelas partes – o mútuo –, não tendo de fazer qualquer outra prova quanto ao mesmo facto. Não invocando a impugnante a falsidade do documento ou a simulação das partes, tem-se o facto jurídico por subsistente face ao comércio jurídico.

Realizada tentativa de conciliação que se mostrou infrutífera, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos que não reconheceu o crédito de C (…), reconhecendo os demais créditos constantes da lista de credores elaborada pelo Administrador de insolvência, procedendo à respetiva graduação relativamente ao único imóvel apreendido para a massa.

Não se conformando com a mesma, o credor reclamante C (…) dela interpôs recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

  1. Em 21/03/2011, por documento particular autenticado, foi celebrado entre o insolvente e o ora recorrente contrato de mútuo, pelo valor de € 75.000,00 e, para garantia do mesmo, foi dado em hipoteca prédio urbano, a qual se encontra devidamente registada.

  2. No respetivo processo de insolvência, o mutuante/ recorrente veio reclamar crédito em dívida, relativo àquele mútuo, cujo saldo se cifrava, à data, no valor de € 72.500,00.

  3. Em processo de insolvência, o reclamante que invoca um crédito resultante de contrato de mútuo formalmente válido goza da presunção resultante do carácter probatório pleno do documento.

  4. Até prova em contrário, o mútuo considera-se provado nos exatos termos constantes do documento em que o mútuo é válido e legalmente formalizado.

  5. Os documentos autênticos e autenticados fazem prova plena dos factos neles atestados – art. 371º C. Civil.

  6. O mútuo e hipoteca celebrado entre o insolvente e o reclamante do crédito foi-o através do documento idóneo – documento particular autenticado – fazendo prova plena do respetivo conteúdo.

  7. Tal documento é considerado “autenticado” tendo a mesma força probatória dos documentos autênticos – artº 377º C. Civil.

  8. A reclamação de crédito, consubstanciado em mútuo validamente celebrado, goza da presunção legal inerente à plenitude probatória inerente ao documento.

  9. Assim, para prova do mútuo basta a apresentação do documento válido que o titula, encontrando-se preenchido o requisito de indicação da “proveniência do crédito”, exigida no artº 128º, nº 1-al. a) do CIRE.

  10. Terceiro que invoque a invalidade do negócio, nomeadamente por vício de vontade ou divergência entre a vontade e a declaração, tem de alegar e provar os factos consubstanciadores do vício ou divergência.

  11. Ou seja, a impugnante do crédito fundamentado naquele documento teria de invocar e provar factos fundamentadores da invalidade do negócio jurídico titulado.

  12. Devido à força probatória plena do documento, o reclamante goza da presunção legal do seu direito (art. 350º, nº 1 C. Civil), podendo ser ilididas mediante prova em contrário (nº 2).

  13. Prova em contrário que a impugnante não fez, nem podia fazer, pois nenhum facto alegou nesse sentido, sendo que a prova dos factos impeditivos do direito compete àquele contra quem a invocação é feita (artº 342º, nº 2 C. Civil).

  14. Não tendo a impugnante posto em crise a validade do mútuo formalizado pelo documento autenticado consubstanciador do mesmo, tem-se o mesmo como provado, e igualmente por provada a entrega pelo mutuante ao mutuário do valor em causa.

  15. Consequentemente, tem de se alterar a matéria dada como provada em conformidade com o referido desiderato – de que o mutuante fez a entrega do valor constante do contrato [€ 75.000,00].

  16. Ao decidir como decidiu, a douta sentença violou, entre outras, as disposições contidas no artº 128º, nº 1-al.a) do CIRE; e artºs 377º; 371º; 385º, 342º, nº 2 e 350º, nº 1, todos do C. Civil.

    Termina no sentido de a sentença em apreço ser substituída por outra que reconheça o crédito reclamado pelo recorrente, nos exatos termos vertidos no seu requerimento de “reclamação de créditos”, apresentado em 17/05/2011.

    * Não foram apresentadas contra-alegações.

    Dispensados que foram os vistos legais ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 658º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

    II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo[1] –, a questão a decidir é uma só: 1. Se é de reconhecer o crédito do apelante, encontrando-se o mesmo formalizado por documento autenticado pelo qual as partes declararam celebrar um contrato de mútuo com hipoteca e o insolvente se confessa devedor da quantia mutuada.

    III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO A. Matéria de facto São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida, que aqui se reproduzem, na parte que interessa à decisão em apreço: 1. A (…) e C (…) subscreveram o escrito constante a fls. 45-46, no dia 13 de Outubro de 2010, com o seguinte teor: “MÚTUO COM HIPOTECA ENTRE: PRIMEIRO- A (…), casado com M (…), na comunhão de adquiridos, (…), doravante designado por Primeiro Contratante.

    SEGUNDO- C (…), divorciado, contribuinte fiscal (…), doravante designado por Segundo Contratante.

    É celebrado o presente contrato de mútuo com hipoteca, que se rege pelas cláusulas seguintes: Primeira (Mútuo) 1.O Segundo contratante concede ao Primeiro um empréstimo no montante de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), de que o Primeiro contratante se confessa devedor.

    1. O empréstimo é efetuado pelo prazo de 120 (cento e vinte) meses, a contar da data da assinatura do presente contrato.

    2. O empréstimo vence juros à taxa anual de 4% (quatro por cento), sendo pagável em cento e vinte prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no dia trinta e um de Outubro de dois mil e dez, no valor de setecentos e cinquenta euros cada (€ 750,00) e as restantes no mesmo dia dos meses subsequentes.

      Segunda (Hipotec

      1. Para garantia do capital mutuado, e dos juros à taxa anual de 4% por cento, o Primeiro Contratante constituiu a favor do segundo, que a aceita, hipoteca sobre o seguinte prédio: - Prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, primeiro andar, garagem e terraço, para habitação, e logradouro, sito em (...) , 391, lugar e freguesia da (...) e concelho de Leiria, (…), com o valor patrimonial de €57.790,00 (cinquenta e sete mil, setecentos e noventa euros), a que as partes atribuem o valor de € 75,000,00 (setenta e cinco mil euros).

      As despesas judiciais e extrajudiciais emergentes deste contrato, para efeitos de registo, são fixadas em quatro mil e quinhentos euros (€ 4.500,00).

    3. Aquele escrito foi retificado, conforme fls. 48-49, retificação subscrita por A (…) e C (…), com o seguinte teor: “RECTIFICAÇAO de CONTRATO DE MÚTUO e HIPOTECA” (…) 3. Os escritos referidos em 1) e 2) têm “Termo de Autenticação” do Dr. (…), Advogado.

    4. A hipoteca referida em A) encontra-se registada através da Ap. 2107, de 2010/10/20.

      * O juiz a quo veio a julgar improcedente a reclamação de créditos deduzida pelo credor/Apelante com fundamento em que, sendo o mútuo um contrato real “quoad constitutionem”, que só se completa com a entrega da coisa mutuada, e que a declaração confessória, aposta no documento que formaliza o mútuo, não faz prova plena contra terceiros, era ao credor que tinha de provar ter entregado a quantia constante do contrato, face à impugnação deduzida pela credora M (…)prova que não efetuou.

      Insurge-se o Apelante contra o entendimento assumido pelo juiz a quo, alegando que o reclamante que invoca um crédito resultante de um contrato de mútuo formalmente válido goza da presunção resultante do carater probatório pleno do documento, pelo que, será o terceiro que invoque a invalidade do negócio, nomeadamente por vício de vontade ou divergência entre a vontade e a declaração, que tem de alegar e provar os factos consubstanciadores do vício ou divergência.

      A questão posta à decisão deste tribunal consiste em determinar se, emergindo o seu crédito de um “contrato de mútuo com hipoteca” formalizado através de um documento particular autenticado, no qual as partes declararam que “o segundo outorgante concede ao Primeiro um empréstimo no montante de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), de que o primeiro se confessa devedor”, o credor reclamante terá (ou não) de produzir prova complementar de que as quantias mutuadas foram efetivamente entregues ao insolvente.

      A reclamação de créditos em processo de insolvência deve ser acompanhada de todos os documentos probatórios disponíveis e deve indicar a proveniência (isto é, o fundamento) do crédito, a data de vencimento, montante de capital e juros, bem como a natureza do crédito – comum, privilegiada, garantida ou subordinada (artigo 128º, nº1, do CIRE).

      Independentemente das especificidades do processo de insolvência que atribui ao administrador de insolvência a possibilidade de reconhecer créditos não reclamados (nº1 do artigo 129º CIRE), ao credor que pretenda ver reconhecido o seu crédito incumbe não só apresentar a respetiva reclamação, como ainda, efetuar a prova do mesmo[2].

      Quanto ao âmbito da impugnação, a lei não impõe qualquer...

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